Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
22/09/2016 | 22/09/2016 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Vitrine Filmes | |||
Duração do filme | |||
102 minuto(s) |
Dirigido por Marco Dutra. Roteiro de Sérgio Bizzio, Caetano Gotardo e Lucía Puenzo. Com: Leonardo Sbaraglia, Carolina Dieckmann, Chino Darín, Alvaro Armand Ugon, Mirella Pascual, Roberto Suárez, Paula Cohen, Gabriela Freire, Dylan Cortes e Priscila Bellora.
Em seus dois primeiros longas-metragem, o diretor paulista Marco Dutra se revelou uma voz certamente distinta: flertando com (ou mesmo se entregando de vez a) tons metafísicos, Trabalhar Cansa e Quando Eu Era Vivo traziam personagens com dilemas e aspirações aparentemente comuns que enfrentavam barreiras e ameaças inesperadas – e mesmo que nem sempre soubéssemos exatamente a natureza destes perigos, a narrativa era eficiente o bastante para gerar uma tensão inequívoca no espectador.
Este talento para despertar o incômodo e sugerir um desastre iminente é algo que Dutra volta a explorar neste seu terceiro (e melhor) longa, O Silêncio do Céu: abrindo a projeção com nuvens branquíssimas que percorrem um céu belo e azul, o filme imediatamente nos atira no horror vivido por Diana (Dieckmann), que está sendo estuprada por dois indivíduos em sua própria casa. Evitando o erotismo que muitos diretores (inadvertidamente ou não) projetam em cenas do tipo, o diretor é sensível ao retratar o crime através do ponto de vista emocional de sua vítima: com o design sonoro abafando tudo sob um zumbido angustiante, vemos aqui e ali planos-detalhe de uma faca, da mão de um dos estupradores ou um golpe desesperado da mulher, que finalmente desvia o olhar para o teto (azul) do aposento em uma tentativa de ao menos se distanciar momentaneamente do que ocorre, num esforço mais de autopreservação do que de fuga.
No entanto, é sua atitude seguinte que intriga: deixada sozinha pelos bandidos, ela liga para o marido para pedir que este busque os filhos na escola, mantendo o que ocorreu em segredo mesmo depois que a família volta para casa. O que ela não sabe, porém, é que o companheiro, Mário (Sbaraglia), testemunhou o estupro, deixando de intervir por covardia. Confuso diante do silêncio da esposa e envergonhado diante da própria inação, o sujeito descobre por acaso a identidade dos dois homens, Andrés e Néstor (Ugon e Darín, filho de Ricardo), decidindo finalmente fazer algo a respeito.
Construído a partir do tumulto interno experimentado por Mario e Diana e da dinâmica do casal, O Silêncio do Céu é um filme que se propõe o complicado desafio de mergulhar em dois personagens que preferem recorrer a um sigilo autoimposto do que dividir com o parceiro o que sentem ou vivem. Vivida por Carolina Dieckmann com a mesma sensibilidade exibida no lindo Entre Nós, Diana é uma mulher que custa a ocultar sua dor sob uma máscara de normalidade, deixando seu sofrimento escapar sutilmente através do olhar cansado e triste que jamais abandona seu rosto, mesmo quando sorri. Além disso, a frequência com que se banha expõe suas tentativas frustradas de livrar-se de uma mancha que, profunda e entranhada, não é do tipo que se desfaz com água.
Leonardo Sbaraglia, por sua vez, compõe Mário como um homem que por décadas resignou-se à realidade dos próprios medos, mas que agora, sob o peso da manifestação máxima de sua covardia, finalmente se vê obrigado a encarnar a persona que sempre imaginou para si mesmo como forma de conviver com o autodesprezo. Aliás, a construção psicológica do roteiro de Sérgio Bizzio, Caetano Gotardo e Lucía Puenzo é tão complexa que busca lidar até mesmo com o hábito de Mário de, na falta de força própria, tentar fragilizar a esposa para evitar a humilhação.
Denso também em sua concepção visual, que busca retratar todas estas nuances emocionais através do uso cuidadoso das cores, O Silêncio do Céu emprega o design de produção de Mariana Urriza e os figurinos de Nicole Davrieux em interações que se complementam ou contradizem de acordo com o arco narrativo orquestrado por Marco Dutra: é interessante, por exemplo, como Mário veste-se basicamente de azul o filme inteiro, refletindo também as cores de seu lar, ao passo que Néstor é introduzido de fato ao dirigir uma caminhonete de um amarelo intenso, chapado – e quando consideramos o simbolismo óbvio dos cactos ao longo da projeção, não deixa de ser significativo que o verde das plantas seja também o resultado da combinação entre o azul solitário e triste do protagonista e a força destrutiva do amarelo do estuprador, como se os espinhos (a agressividade originada da autopreservação) surgissem como consequência do ato criminoso do rapaz (os espinhos também formam uma linda rima temática e visual com o porco-espinho da fábula que tanto emociona Diana). Da mesma maneira, é natural que Andrés não apenas trabalhe numa agência cuja logo é vermelha, mas que também traga esta cor na sala de seu apartamento (que, claro, servirá de palco para um acontecimento que também a justifica).
Como é fácil perceber, portanto, Dutra é um cineasta que compreende que o trabalho de um diretor não é apenas o de ilustrar o roteiro, mas de expandi-lo através das imagens e do som – e, neste sentido, o desenho sonoro do filme é também impecável, desde o uso angustiante do apito crescente de uma chaleira até o ruído perturbador dos motores de um carro e de um avião. E se em dois momentos distintos o realizador cria travellings similares que estabelecem um elo entre Mário e Diana quando acordam e percorrem um corredor até a cozinha, é digno de nota, também, o belo plano no qual o casal surge sentado em pontas opostas da cama, no escuro, enquanto cantam juntos, ilustrando a dificuldade de aproximação mesmo que se esforcem para alcançá-la.
Comprovando também a habilidade de Dutra para criar tensão, O Silêncio do Céu é, em última análise, um estudo de personagens feito através de elementos de suspense e que nos apresenta a um casal cuja tragédia principal é construir sua cumplicidade através do mesmo silêncio que sempre irá separá-los.
23 de Setembro de 2016
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