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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
10/12/2016 12/09/2016 4 / 5 5 / 5
Distribuidora
Netflix
Duração do filme
80 minuto(s)

Direção

Alexandre Lehmann

Elenco

Sarah Paulson , Mark Duplass , Clu Gulager

Roteiro

Mark Duplass

Produção

Mel Eslyn , Xan Aranda

Fotografia

Alexandre Lehmann

Música

Julian Wass

Montagem

Chris Donlon

Design de Produção

Margaret Box

Figurino

Stacey Schneiderman

Blue Jay
Blue Jay

Dirigido por Alexandre Lehmann. Roteiro de Mark Duplass. Com: Sarah Paulson, Mark Duplass e Clu Gulager.

Caro Pablo-aos-16-anos-de-idade,


tenho inveja de você, confesso, mas também certa pena. Não, talvez “pena” não seja a palavra mais adequada; “compaixão paternal” provavelmente seja uma definição mais correta. A inveja vem do caminho aberto à sua frente, dos sonhos e aspirações que você nutre sem ter muita consciência de que alguns deles são simplesmente impossíveis, e de sua certeza inabalável de que qualquer obstáculo é contornável; a compaixão, por sua vez, é consequência do fato de saber o quanto você ainda não sabe.

Sei, por exemplo, que você não compreenderia – ou compreenderia apenas superficialmente – a alegria dolorosa provocada pelo reencontro dos dois personagens deste tocante Blue Jay, que, namorados na adolescência, se veem diante um do outro, por acidente, 24 anos depois. Sim, alegria dolorosa, já que a mesma nostalgia que desperta o prazer da reunião origina também a fisgada causada pela longa separação. Como posso estar certo de que você não apreenderia completamente este sentimento? Não, não se trata de condescendência ou de alguma tola superioridade por ser mais velho, mas apenas a constatação de que você ainda não viveu o suficiente para estar tanto tempo separado de alguém que amou profundamente.

Porque o tempo é estranho: sem que percebamos, ele nos transforma em outras pessoas – e, portanto, quando Jim (Duplass) e Amanda (Paulson) escutam velhas gravações que fizeram na juventude, é natural que sintam estar ouvindo as vozes de indivíduos que não reconhecem como si mesmos. Aliás, é também por esta razão que aqueles que hoje são próximos a você sempre terão uma ligação especial com suas versões futuras, já que, ao contrário dos amigos e amores que fizer quando adulto, eles terão compartilhado sua juventude e carregarão na memória esta espécie de segredo de quem você foi. Por mais íntimas que sejam suas relações futuras, isto é algo que nunca poderão ter.

Note, por exemplo, a emoção experimentada por Amanda apenas por perceber que Jim ainda se lembra de que suas balas de goma favoritas são as rosas e roxas: é uma trivialidade, uma besteira – mas, curiosamente, isto é que torna tão significativo que o ex-namorado ainda se recorde daquilo mais de duas décadas depois. Da mesma forma, há algo de sensual apenas no fato de Amanda conhecer tão bem a casa na qual o outro vivia com a mãe na adolescência; quando caminha com segurança pelos corredores ou manifesta saber como ir sozinha para a varanda, ela está exibindo não uma memória espacial, mas sentimental - o resultado de uma intimidade passada que não se apagou totalmente. Neste aspecto, a força das performances de Sarah Paulson e Mark Duplass reside na maneira como sugerem esta intimidade ao reconhecerem brincadeiras antigas ou ao perceberem como um cafuné está chegando ao fim apenas pela mudança no padrão dos movimentos da mão do outro.

Assim, é claro que o cineasta estreante (e diretor de fotografia) Alexandre Lehmann conta esta pequena história em um preto-e-branco melancólico e evocativo que, como a velha camisa de Jim que Amanda aperta contra o rosto, parece cheirar a passado. Porque, como você vai descobrir, o passado tem um cheiro específico e também cores características que pintam cada lembrança de tons influenciados pela sensação que provocam – e até mesmo seus amores terão suas próprias paletas, acredite.

Talvez seja isto que leve Amanda e Jim a uma dinâmica de resgate daquele afeto; talvez se vejam atraídos não pelo que enxergam diante de si, mas pela versão adolescente um do outro. Quando escutam gravações nas quais brincavam de se imaginar com 40 anos de casados, as fantasias joviais que recuperam momentaneamente trazem de volta as cores e os cheiros do passado – ao menos, claro, até que se lembrem de que Amanda realizou aquele faz-de-conta com outro. Provavelmente de forma imperfeita como dita a realidade, é verdade, mas isto não torna esta percepção menos dura para o antigo companheiro.

São estes pequenos choques de realidade que tornam Blue Jay tão sensível: se o casal divide uma dança enquanto escuta uma canção que considerava especial, o breve momento de proximidade reavida é partido quando Lehmann move sua câmera para a mão de Amanda e nos mostra a aliança que, por simbolizar sua união a outro, representa sua distância daquele que agora a abraça. Esta, por sinal, é uma das lições mais difíceis que você irá aprender: cada escolha que fazemos implica em abrirmos mão de algo mais. Às vezes, o sacrifício nada significa; às vezes, é insuportável. Portanto, quando Amanda confessa tomar antidepressivos e se diz embaraçada, pois “deveria ser feliz”, o que não percebe é que esta culpa tão comum a quem enfrenta a doença é desnecessária, pois as mesmas circunstâncias que nos fazem felizes são aquelas que também deixaram outras possibilidades para trás e que sempre irão pairar como um “e se...” que entristece por se manter como possíveis felicidades não vividas.

É este contraste que determina, aliás, a fascinante e divergente dinâmica entre Amanda e Jim: aquela enxerga neste um passado que perdeu; este vê naquela um futuro que não teve. Se estes seriam melhores ou piores se experimentados, não importa; tendemos sempre a valorizar mais o potencial do que não tivemos do que a realidade (por melhor que esta seja) que vivemos.

Mas você aprenderá isto sozinho. E então terá condições de compreender melhor por que Blue Jay é tão belo, mas também tão doloroso.

10 de Dezembro de 2016

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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