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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
14/12/2016 02/09/2016 1 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
88 minuto(s)

Yoga Hosers
Yoga Hosers

Dirigido e “roteirizado” por Kevin Smith. Com: Lily-Rose Depp, Harley Quinn Smith, Adam Brody, Jack Depp, Tyler Posey, Austin Butler, Jennifer Schwalbach Smith, Vanessa Paradis, Justin Long, Tony Hale, Natasha Lyonne, Genesis Rodriguez, Sasheer Zamata, Haley Joel Osment, Ralph Garman, Jason Mewes, Stan Lee, Kevin Smith e Johnny Depp.

Yoga Hosers é o que acontece quando você une um roteirista que nada tem a dizer e um diretor que não faz a menor ideia de como filmar. Como neste caso os dois dividem o corpo e a mente medíocre da mesma pessoa, até mesmo a possibilidade de um profissional controlar os piores impulsos do outro é perdida – e, assim, cria-se a tempestade cinematográfica perfeita que converte Kevin Smith no Adam Sandler dos cineastas.


Chega a ser deprimente constatar a velocidade com que Smith atirou fora toda a boa vontade conquistada no início de sua carreira ao demonstrar como seus acertos pontuais resultavam mais de sorte do que de algum talento: relendo os textos que escrevi sobre alguns de seus filmes, é até curioso notar como comecei com “(Smith é) uma das grandes promessas que surgiram recentemente através do cinema independente” (em 1998, ao falar sobre Procura-se Amy), elogiei Dogma (em texto de 2000) ainda que apontando que a direção comprometia o bom roteiro, passei a me prender ao seu caráter como consolo pelo desastre de O Império do Besteirol Contra-Ataca (“Kevin Smith é um sujeito bacana”, defendi em 2001) e finalmente desisti de vez ao voltar a visitá-lo em 2011, ao escrever sobre Seita Mortal (“mesmo depois de quase 20 anos atrás das câmeras, Smith demonstra não ter aprendido o básico da profissão”). Aliás, confesso até ter medo de retornar aos dois primeiros e descobrir que Smith não era melhor, mas sim que eu era mais estúpido.

Um dos problemas com a carreira do sujeito é fácil de identificar: ele simplesmente não amadureceu como cineasta ou como pessoa. Tecnicamente, seus trabalhos conseguiram se tornar cada vez piores; como histórias, parecem sair da imaginação de um adolescente que passou a vida assistindo a comédias de sexo hollywoodianas e a filmes de Kevin Smith. E o mais espantoso: ele parece ter uma habilidade quase sobrenatural de escolher os elementos mais frágeis de seus projetos e dedicar novos esforços exclusivamente a estes. Assim, de coadjuvantes divertidos Jay e Silent Bob viraram os protagonistas de O Império do Besteirol Contra-Ataca e as adolescentes Collin C. (Depp) e Collin M. (Smith) saíram do fraco Tusk para estrelar este pavoroso Yoga Hosers.

Balconistas de uma loja de conveniências no Canadá, as duas jovens passam a vida grudadas em seus telefones, praticam uma versão irreconhecível de yoga com o mestre Yogi Bayer (Long) e riem de piadas particulares como se acreditassem ser superiores a todos que as cercam (e as duas atrizes são tão ruins que nem rir convincentemente conseguem). Interessadas em uma festa para a qual foram convidadas por dois rapazes mais velhos, as garotas não fazem ideia de que estes são satanistas que planejam matá-las – o que, na verdade, acaba deixando de fazer diferença quando todos são atacados por mini salsichas nazistas ambulantes que, vividas pelo próprio diretor, têm o hábito de invadir os ânus de suas vítimas, matando-as de forma escatológica.

Hum-hum. Você leu corretamente.

Não que o conceito de mini-salsichas-nazistas-invasoras-de-ânus não possa render boas piadas; Mel Brooks provocou grandes risadas com um musical protagonizado por Hitler e Woody Allen divertiu com um psiquiatra que se apaixona por uma ovelha, por exemplo. O problema é que Smith não é Brooks nem Allen e, portanto, a ideia acaba fazendo jus à imbecilidade que instantaneamente atribuímos a ela. E o pior é que o “cineasta” (ele fez por merecer as aspas) nem parece muito interessado em tentar, já que o objetivo claro de Yoga Hosers é funcionar como veículo para que Lily-Rose Depp (filha de Johnny) e Harley Quinn Smith (filha de Kevin), amigas desde a infância, possam transportar sua amizade também para as telas e brincar de atrizes e cantoras – já que, não satisfeito com a “comédia”, o pai babão tenta também provar os talentos musicais das garotas ao permitir que cantem nada menos do que três canções durante os 88 minutos de projeção. (Elas são um pouco melhores nesta função.)

Ah, e caso haja alguma dúvida sobre o nepotismo envolvido, é bom salientar que o filme é coproduzido pela mãe de Harley (que também faz uma ponta) e traz participações de Johnny Depp e Vanessa Paradis, pais de Lily-Rose. E só mesmo o amor paterno poderia levar um ator do calibre de Depp a se embaraçar desta forma ao reviver um personagem que já era ruim em Tusk e que, cópia barata do Inspetor Closeau, tem como principais características o sotaque, o estrabismo e as verrugas que, por algum motivo que Kevin Smith claramente acha hilário, mudam de lugar de uma cena para outra.

E por que me deixei torturar por esta desgraça a 24 quadros por segundo? Esta é uma questão que eu provavelmente deveria levar para discutir na terapia, já que sugere um possível desejo de autodestruição, mas o fato é que a pura curiosidade mórbida também desempenhou um papel importante: como é possível, por exemplo, que Smith não consiga sequer compreender a natureza de uma câmera subjetiva? (Em certo momento, quando um personagem ouve um barulho e procura sua fonte, o “diretor” inclui um plano no qual vemos o ponto de vista do rapaz e o quadro faz uma rápida panorâmica claramente ancorada em um tripé, o que contradiz sua instável origem diegética.) E por que Smith, que mal funciona como diretor e roteirista, ainda tenta montar o filme, já que demonstra não conhecer nem mesmo o básico conceito de cortar contra o diálogo?

Mas a incompetência de Yoga Hosers não para por aí: os gráficos utilizados para apresentar os personagens são um conceito tolo e mal executado, a trilha sonora de Christopher Drake faz questão de tentar salientar a “graça” de todas as cenas e os efeitos visuais parecem ter custado cinquenta reais e saído de um software criado por alguém que não entende nem de programação, nem de cinema.

Aliás, por falar em programação, este longa é tão ruim que chego a lamentar que o sistema do Cinema em Cena não me permita dar estrelas negativas para a produção. E se você acha que estou exagerando mesmo depois de tudo que escrevi, informo ainda que Yoga Hosers é o tipo de obra que inclui certos elementos apenas porque o diretor descobriu que seus atores possuíam alguma habilidade particular – o que é a única explicação para o fato de Lily-Melody Depp falar em francês em certa cena e o vilão imitar as vozes de Al Pacino, Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger em outra.

O vilão, diga-se de passagem, não demora a revelar que um de seus objetivos é matar todos os críticos de Arte do Canadá, comprovando que Kevin Smith continua a usar seus filmes para atacar infantilmente aqueles que apontam sua incompetência (como fez em O Império do Besteirol ao trazer Jay e Silent Bob espancando aqueles que os criticavam em fóruns da Internet). A impressão é a de que o sujeito incluiu este elemento apenas para poder se iludir quando Yoga Hosers fosse inevitavelmente massacrado, convencendo-se de que os críticos não aprovaram seu esforço apenas por se sentirem insultados. Pois ele tem razão em parte: realmente me senti insultado por esta produção. Não pela provocação infantil de moleque birrento do “diretor”, mas sim por sua arrogância ao achar que este filme caseiro, que poderia até divertir numa festa das famílias Smith e Depp, era algo que merecia ser lançado comercialmente.

Em determinado ponto da projeção, o vilão de Yoga Hosers basicamente confessa ter se tornado nazista por causa dos críticos que não aprovaram sua Arte – o que me leva a desejar sinceramente que Kevin Smith siga o caminho de seu personagem. Ele certamente faria menos mal ao mundo como nazista do que como cineasta.

14 de Dezembro de 2016

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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