Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
13/12/2017 | 15/12/2017 | 5 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Disney | |||
Duração do filme | |||
152 minuto(s) |
Dirigido e roteirizado por Rian Johnson. Com: Daisy Ridley, Mark Hamill, Carrie Fisher, Adam Driver, John Boyega, Oscar Isaac, Andy Serkis, Domhnall Gleeson, Lupita Nyong’o, Anthony Daniels, Gwendoline Christie, Kelly Marie Tran, Justin Theroux, Veronica Ngo, Warwick Davis, Benicio Del Toro e Laura Dern.
Provocar o riso, despertar lágrimas e criar tensão não são tarefas fáceis para um realizador – e basta observar o imenso número de comédias, dramas e filmes de terror fracassados para constatar isso. No entanto, ainda mais difícil do que levar o espectador a experimentar estas sensações é causar-lhe arrepios, já que isto envolve fazê-lo reconhecer visceralmente momentos importantes não necessariamente pelo impacto que trazem à história, mas pelo que representam para os personagens e para aqueles que com estes se importam.
Eu perdi a conta de quantas vezes me arrepiei durante os 152 minutos de Os Últimos Jedi.
Escrito pelo diretor Rian Johnson, o Episódio VIII da saga iniciada por George Lucas em 1977 retoma a trama a partir do instante em que a deixamos em O Despertar da Força, com a jovem Rey (Ridley) se encontrando com Luke Skywalker (Hamill) depois de atravessar a Galáxia para descobrir seu paradeiro. Enquanto isso, a Rebelião liderada pela General Leia (Fisher) busca resistir à Primeira Ordem comandada pelo Líder Supremo Snoke (Serkis), cujos principais subalternos são o General Hux (Gleeson) e, claro, Kylo Ren (Drive). Aos poucos, a narrativa se concentra também nas subtramas envolvendo personagens já conhecidos como Finn (Boyega) e o comandante Poe Dameron (Isaac), mas também novas figuras como a jovem Rose Tico (Tran) e a Vice-Almirante Holdo (Dern) – e se busco evitar ser específico com relação aos incidentes retratados pelo filme, é por reconhecer que, por mais que a paranoia envolvendo spoilers seja normalmente exagerada, aqui há várias reviravoltas que merecem ser descobertas por si próprias.
Abrindo a projeção – como já virou tradição na série – in media res, atirando o espectador diretamente no meio da ação, Os Últimos Jedi é movido não só por grandes missões, mas (e principalmente) por várias pequenas jornadas que mantêm a narrativa se movendo enquanto cada personagem (ou grupo de personagens) se dedica a resolver seus problemas imediatos, lembrando, neste sentido, a estrutura de O Império Contra-Ataca, que também separava o protagonista dos companheiros e ficava saltando entre aquele e estes. E mesmo que o terço inicial deste Episódio VIII por vezes dê a impressão de estar apenas preparando o caminho para o capítulo final da nova trilogia, esta sensação se desfaz completamente quando um velho conhecido do público surge em cena e participa de uma conversa que, de certo modo, marca uma alteração na dinâmica e no ritmo de todo o longa, já que a partir daí as situações passam a se acelerar de maneira inquestionável. Além disso, é notável como, apesar do grande número de personagens, o roteiro encontra tempo para desenvolvê-los com eficiência, oferecendo também a cada um deles algum momento marcante que justifique sua inclusão na trama, permitindo, assim, que cada ato de sacrifício pessoal, grande ou pequeno, provoque impacto no espectador.
Contando com um design de produção ainda mais ambicioso do que o do episódio anterior, Os Últimos Jedi expande o universo cinematográfico de forma magistral, desde a ilha-templo que serve de lar a Luke (e conta com longas escadarias de pedra, casebres rústicos mantidos por uma espécie antiga e cavernas com segredos próprios) até a câmara ocupada por Snoke e que, com um fundo infinito intensamente vermelho, poderia ter saído de um musical Technicolor de Powell e Pressburger, sendo complementando por uma guarda igualmente envolvida por aquela cor e cujas armaduras deixariam Kurosawa orgulhoso. Enquanto isso, o cassino que vemos em certo ponto traz versões inventivas de mesas e máquinas de jogos, além de seres de diversas espécies alienígenas com anatomias igualmente curiosas. Aliás, as criaturas aqui apresentadas encantam pela beleza (como os lobos de cristal) e/ou pelo visual que inspira “awwwws” em voz alta, destacando-se, entre estas, os já populares porgs - e confesso meu alívio ao constatar que estes são usados com economia por Rian Johnson, que evita torná-los novos Ewoks, retratando-os mais como pequenas praguinhas que divertem por sua natureza de infestação.
O humor de Os Últimos Jedi, por sinal, é bastante eficiente, trazendo leveza para uma obra que, em sua essência, visa o público infanto-juvenil (e não entendo, portanto, as várias reclamações sobre os momentos de alívio cômico feitas por leitores nas redes sociais, já que esta é uma característica da franquia desde Uma Nova Esperança). Sim, as piadinhas podem ter falhado grosseiramente em A Ameaça Fantasma ou mesmo em diversos pontos de O Retorno de Jedi, mas aqui são eficazes na maior parte do tempo, desde gags físicas como aquela que traz BB-8 repetindo o número clássico dos furos na represa até a ação inesperada de Luke em seu primeiro encontro com Rey, que rompe com a seriedade (e com a solenidade) da situação ao mesmo tempo em que revela muito, sem necessidade de palavras, sobre sua posição acerca do mundo que deixou para trás. Além disso, Johnson chega a criar até mesmo uma gag visual que se resume basicamente a brincar com as expectativas do público acerca da tecnologia futurista da saga, incluindo um plano que parece revelar alguma nova e imponente nave apenas para expor um objeto bem mais prosaico – um tipo de piada que Star Wars nunca havia feito.
Aliás, se algo realmente me surpreendeu positivamente em Os Últimos Jedi foi a disposição do realizador de se arriscar em pequenos recursos narrativos e floreios estéticos incomuns na série, o que faz jus à sua qualidade como artista – pois o fato é que Johnson é indubitavelmente o diretor mais talentoso a assumir qualquer capítulo do universo Star Wars até hoje (Lucas sempre foi um cineasta medíocre; Irvin Kershner, ainda que dirigindo o melhor episódio da saga, nunca foi um artista particularmente memorável; Richard Marquand teve uma carreira insignificante; Gareth Edwards é promissor, mas ainda inexperiente; e J.J. Abrams, embora competente, é melhor em recriar do que em criar). Assim, mesmo respeitando as convenções clássicas da série, como as cortinas de transição e a própria atmosfera da narrativa, Johnson se arrisca em jogos de montagem inéditos nos demais longas, como ao cortar rapidamente entre vários planos gerais e planos-detalhe para ilustrar o contato de Rey com a Força; ao alternar em fusões rapidíssimas entre Rey e Kylo Ren; ao empregar uma conversa da protagonista como narração de outra cena; e ao basicamente sugerir uma sequência de filme ambientado na Primeira Guerra ao mergulhar com a câmera na mão em trincheiras rebeldes.
Mas Johnson e o diretor de fotografia Steve Yedlin também enriquecem a experiência através de jogos de luz interessantes: observem, por exemplo, como já no primeiro encontro de Rey e Luke o rosto deste se mantém semicoberto por sombras, ao passo que o da moça é fartamente iluminado pelo sol e notem, também, a beleza sugestivamente épica dos planos em contraluz que trazem a jovem Jedi praticando nas montanhas. De modo similar, os realizadores sabem que basta uma passagem rápida da sombra inconfundível da Millenium Falcon no chão para que apreciemos sua chegada – e mesmo a utilização de efeitos analógicos para movimentar determinadas figuras indica a inteligência do diretor, que sabe como isto despertará nostalgias particulares em seu público.
Hábil ao criar momentos que já nascem icônicos na história da série, Johnson impressiona ao empregar em seus esforços recursos bastante diferentes uns dos outros: em certo instante, por exemplo, ele ressalta o impacto visual de uma batalha ao saltar para um plano geral, aéreo, que expõe rastros vermelhos no chão, ao passo que, em outro, o que causa choque é sua decisão de não incluir um elemento sonoro bombástico óbvio, substituindo-o pelo silêncio absoluto ao ilustrar os efeitos de uma ação destrutiva, mas nobre. Há, claro, outros efeitos mais tradicionais, mesmo que eficientes (como trazer um personagem saindo do meio da fumaça e caminhando em direção à câmera), mas estes são compensados por imagens que encantam por sua natureza fantástica – como aquela envolvendo Leia enquanto... bom, vocês reconhecerão o brilhante momento em questão quando surgir na tela.
Carrie Fisher, diga-se de passagem, protagoniza muitos dos melhores momentos do filme, sendo uma tragédia que esta tenha sido sua performance final: elevando Leia a uma condição mítica que já merecia há muito tempo, Os Últimos Jedi ilustra a implacabilidade, as habilidades, mas também a humanidade da Princesa-convertida-em-General, que, mesmo ciente de ter obtido uma pequena vitória, por exemplo, não consegue deixar de lamentar a perda de tantas vidas no processo. Enquanto isso, Andy Serkis faz mais um belo trabalho como Snoke, que aqui tem mais oportunidades de exibir sua inteligência e seu imenso poder (um leve balançar com o dedo é capaz de arremessar um inimigo para longe), ao passo que Adam Driver investe na complexidade emocional de Kylo Ren, que, mesmo hesitando aqui e ali, sabe que suas chances de voltar atrás foram eliminadas no instante em que acionou o sabre de luz contra o corpo do pai. Já John Boyega segue exibindo carisma e timing cômico como Finn, aproveitando também para nos lembrar da valentia e dos princípios de seu improvável herói, ganhando uma boa parceira de cena em Kelly Marie Tran, cuja Rose Tico surge como uma figura que jamais permite que sua admiração pelo colega seja a característica que a definirá. Fechando o elenco secundário, Oscar Isaac usa a impetuosidade de Poe Dameron como ponto de partida para um pequeno arco dramático acerca da importância de reconhecer a valentia não apenas na ação impensada, mas também na estratégia.
Porém, Os Últimos Jedi (o título em português, ao adotar o plural, contradiz o que o próprio diretor declarou ao seu respeito, mas...) tem, como centro, a relação entre Rey e Luke – e Mark Hamill encarna aqui a versão mais fascinante de seu personagem, adotando um ceticismo e uma amargura que servem como contraponto perfeito ao seu surpreendente senso de humor. Aliás, Hamill não desperdiça nenhuma das muitas oportunidades que recebe de criar passagens memoráveis – e, em certo momento no ato final, ele basicamente rouba o filme ao fazer um brevíssimo gesto com a mão esquerda que resume sozinho porque Luke virou lenda por toda a galáxia.
Ainda assim, é Rey a protagonista indiscutível do longa, permitindo mais uma vez que Daisy Ridley demonstre por que se tornou instantaneamente em estrela em O Despertar da Força: sempre carismática e expressiva, a atriz é convincente tanto nas sequências de ação quanto naquelas em que testemunhamos os difíceis dilemas da personagem. Além disso, Os Últimos Jedi enriquece incrivelmente toda a saga (sim, em retrospecto, os efeitos se aplicam sobre todos os episódios anteriores) ao finalmente revelar – e agora devo alertar para que não leiam o restante deste texto caso ainda não tenham visto o filme – a verdade sobre os pais de Rey, separando o destino da Galáxia dos conflitos da família Skywalker e também descartando a ideia de que necessariamente a grande intensidade da Força na personagem implicaria em uma ligação inevitável com Anakin e seus descendentes.
Esta origem comum – mais: miserável, cercada pela pobreza e pelo desespero de pais sem um centavo no bolso ou um lugar no Universo – cria também uma rima elegante com Uma Nova Esperança, quando o destino da Galáxia ao menos parecia estar nas mãos de um jovem “camponês” órfão. Neste sentido, é interessante constatar como Os Últimos Jedi segue a tradição de Star Wars de atuar como alegorias políticas – e que tantos fãs da série pareçam (ou queiram) ignorar as implicações temáticas da criação de George Lucas é algo que considero espantoso. Aliás, há, neste Episódio VIII, toda uma sequência que sequer tenta ser sutil ao retratar a elite econômica como uma classe composta por sociopatas que não hesitam em explorar e destruir a Natureza por puro entretenimento, empregando também o trabalho infantil sem qualquer remorso enquanto protesta diante de qualquer coisa que considere como invasão de seu espaço (com direito a praia particular e tudo mais). Mais do que isso: através do personagem de Benicio Del Toro, o roteiro denuncia como a busca desenfreada pelo lucro supera qualquer tipo de moralidade mais básica, o que, associado à estupidez da guerra, abandona o homem comum à própria sorte, atirado entre forças muito maiores do que ele e que o empregam apenas como peão de um jogo cujos resultados – sejam lá quais forem – o terão como derrotado.
Mas talvez o que mais me encante em Os Últimos Jedi seja a beleza (e é a terceira vez que uso esta palavra neste texto) da estrutura dos arcos de Luke e Kylo Ren, que funcionam como reflexo um do outro, o que inclui a eventual inversão de suas trajetórias: se a princípio Luke quer destruir o passado enquanto Ben Solo quer revivê-lo, tornando-se um novo Darth Vader, aos poucos os personagens vão se aproximando um do outro e novamente se afastando, concluindo suas jornadas mais uma vez em polos opostos, com o jovem determinado a exterminar todo o passado e Luke convencido de que o futuro envolve o ressurgimento daquilo que queria ver finalizado.
E, assim, é mais do que apropriado que o velho mestre Jedi jamais conclua o treinamento de Rey e exponha qual seria a última das três lições que havia prometido – afinal, é esta incompletude inevitável, esta ruptura de jornadas presumidamente pré-estabelecidas e de relações de afeto, que resume sua própria vida e a daqueles que, como Rey, sabem que o caminho do Herói é repleto de amores perdidos, de promessas de felicidade não realizadas e de sacrifícios pessoais que, mesmo na vitória, consomem completamente aqueles que se viram obrigados a fazê-los.
15 de Dezembro de 2017
Assista também ao videocast - SEM SPOILERS - sobre o filme: