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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
03/05/2018 17/05/2017 2 / 5 / 5
Distribuidora
Imovision
Duração do filme
114 minuto(s)

Os Fantasmas de Ismael
Les fantômes d'Ismaël

Dirigido por Arnaud Desplechin. Roteiro de Arnaud Desplechin, Julie Peyr e Léa Mysius. Com: Mathieu Amalric, Marion Cotillard, Charlotte Gainsbourg, Louis Garrel, Alba Rohrwacher, Lászlo Szabó e Hippolyte Girardot.

Os Fantasmas de Ismaël, novo filme do cineasta francês Arnaud Desplechin (Reis e Rainha, Um Conto de Natal), é uma colagem frágil e bagunçada de ideias, atmosferas e gêneros contrastantes. Contendo premissas que poderiam originar uns cinco roteiros diferentes (nenhuma delas particularmente original), o longa salta de um tom a outro com uma insegurança surpreendente para um diretor tão experiente, resultando numa narrativa sem a mínima coesão que enfraquece o drama de seus personagens ao investir na farsa e dificulta o riso ao conceber situações dramáticas demais.


Escrito por Desplechin ao lado de Léa Mysius e Julie Peyr, o filme já tem início in media res ao acompanhar um personagem que anda rapidamente em direção ao Ministério de Relações Exteriores francês enquanto uma música tensa toma conta da trilha sonora. Buscando ansiosamente por um certo Ivan Dedalus (Garrel), ele coleta histórias sobre o passado do sujeito em cenas carregadas de zooms, diálogos expositivos e atuações caricaturais – até que finalmente descobrimos que tudo faz parte de um roteiro escrito pelo cineasta Ismaël Vuillard (Amalric, em sua sexta colaboração com o diretor). A partir daí, a obra salta entre a história do personagem-título e o “filme dentro do filme”, o que não significa, contudo, que a carregada abordagem narrativa se altere de forma correspondente, já que os zooms e a trilha over seguem presentes.

Aliás, a trama principal que conduz o filme talvez seja mais problemática do que a concebida por Ismaël, já que gira em torno do desaparecimento da esposa deste, Carlotta (Cotillard), há 21 anos, quando simplesmente saiu de casa e não voltou mais, sendo declarada como “falecida” tempos depois. Servindo como único apoio psicológico para o sogro, o também diretor Bloom (Szabó), o protagonista acaba finalmente se envolvendo com outra mulher, a astrofísica Sylvie (Gainsbourg) – até que, claro, sua ex-esposa reaparece e manifesta o desejo de reatar o casamento.

Pouco sutil ao estabelecer diversos paralelos entre a trajetória de Ismaël e a do filme por ele criado, Desplechin cria reflexos variados entre os personagens das duas narrativas: Ivan e Sylvie observam o céu com telescópios; Ismaël e Ivan se recusam a usar celulares; e Carlotta e Arielle (Rohrwacher) se revelam companheiras desleais. Ao mesmo tempo, a natureza obcecada do protagonista é refletida por seu nome (eco de Moby Dick) e, talvez na referência mais óbvia, Carlotta “retorna dos mortos” assim como sua homônima de Um Corpo que Cai.

Contudo, por mais que o longa atire para todos os lados em suas reviravoltas e em suas “homenagens”, não demora a se tornar patente a falta de um centro que traga coesão ao projeto – e, assim, a montagem salta entre o presente e o passado e entre a realidade e a ficção sem qualquer lógica identificável, eventualmente abandonando subtramas de forma abrupta e frustrante (o que houve com o filho adotivo do protagonista? Por que Arielle age daquela maneira em sua última aparição? Quem era o tal russo e o que desejava?). Esta fragilidade diz respeito também às escolhas estéticas e de linguagem do diretor: além dos já mencionados zooms, por exemplo, as íris que marcam os flashbacks soam como preciosismos estéticos gratuitamente anacrônicos, ao passo que o terceiro ato representa uma conversão completa e artificial para a farsa, introduzindo um personagem (o produtor Zwy, vivido pelo sempre ótimo Hippolyte Girardot) cuja única função é (tentar) provocar o riso através de sua frustração crescente.

E, ainda assim, aqui e ali Os Fantasmas de Ismaël quase sobrevive a todos os seus equívocos graças às performances de Amalric e Gainsbourg, que conferem intensidade dramática a figuras que o roteiro imagina unidimensionalmente. Já Cotillard e Garrel... bom, basta dizer que esta é a segunda vez em que participam do mesmo projeto e que, considerando a mediocridade do primeiro (Um Instante de Amor), devemos torcer para que jamais se envolvam em uma terceira colaboração.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2017.

18 de Maio de 2017

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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