Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
29/11/2018 | 09/03/2018 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
California Filmes | |||
Duração do filme | |||
93 minuto(s) |
Dirigido por Erik Poppe. Roteiro de Anna Bache-Wiig e Siv Rajendram Eliassen. Com: Andrea Berntzen, Aleksander Holmen, Solveig Koløen Birkeland, Brede Fristad, Elli Rhiannon Müller Osbourne, Jenny Svennevig, Ingeborg Enes, Sorosh Sadat, Ada Eide, Mariann Gjerdsbakk, Daniel Sang Tran, Torkel Dommersnes Soldal, Magnus Moen.
No dia 22 de julho de 2011, uma bomba foi detonada diante de vários prédios do governo da Noruega, em Oslo. Poucas horas depois, na ilha de Utøya, onde a juventude do Partido do Trabalho estava concentrada em um acampamento de verão, o mesmo responsável pela explosão (um extremista de direita) iniciou um ataque com armas de assalto, matando dezenas de adolescentes em um massacre que durou 72 minutos.
É neste pavoroso incidente que U: 22 de Julho se concentra depois de uma breve introdução com imagens de arquivo que registraram o primeiro atentado. Apresentado num plano-sequência de cerca de 90 minutos que recria os acontecimentos em tempo real, o filme do diretor Erik Poppe é irmão de alma de obras como Elefante e Politécnica – e que reencenações de tiroteios em ambientes ocupados por estudantes já tenham virado um subgênero é algo trágico por si só.
Acompanhando a jovem Kaja (Berntzer), que viajou para o acampamento ao lado da irmã mais nova, o longa a princípio nos apresenta às garotas e aos seus amigos, passeando rapidamente pelo local antes que o ataque tenha início a fim de que o espectador possa conhecer algumas daquelas pessoas, a atmosfera de jovial camaradagem entre elas e, por contraste, o choque experimentado quando uma realidade tão brutal invade aquele espaço de confraternização. Ancorando a câmera na excelente atriz Andrea Berntzer, que atua como nossa ligação imediata com a narrativa, o filme nos mantém sempre próximos a ela, permitindo que testemunhemos seu choque inicial, a dificuldade para compreender o que está acontecendo, o desespero crescente, a dor diante do que presencia e assim por diante.
Mas a câmera não se limita a seguir a protagonista; é, também, uma quase participante da ação, abaixando-se ao ouvir tiros, olhando nervosamente para várias direções à procura de uma saída e rastejando para evitar ser atingida. Graças a esta estratégia, a tensão experimentada pelo público torna-se ainda maior, já que sabemos exatamente o mesmo que os personagens, não recebendo informações privilegiadas sobre a posição do atirador (que vemos uma única vez, de relance e à distância) nem sobre a situação das pessoas que não estão perto de Kaja. Durante boa parte da projeção, aliás, nossa única referência acerca do terrorista é o volume e – graças ao som surround – a direção dos tiros, sendo um alívio sempre que estes param temporariamente (quando retornam, o desapontamento amedrontado no rosto dos personagens reflete nossa reação).
Por outro lado, a decisão de acompanhar apenas uma estudante cria um problema para o cineasta, que passa a ser obrigado a mantê-la sempre em movimento – e nem sempre as motivações da jovem para voltar a correr são plausíveis. Além disso, quando a protagonista interrompe suas andanças, o filme não pode cortar para outros indivíduos e, para não permanecer enfocando alguém em silêncio, é levado a criar conversas que soam ocasionalmente artificiais (e o fato de a garota cantar em certo momento a pedido de um colega é simplesmente absurdo). Como se não bastasse, pontualmente o roteiro tenta incluir pequenos alívios cômicos, ignorando que o público não se encontra à vontade para rir com os personagens.
Responsável ao abordar questões políticas obviamente relacionadas ao incidente (ao ouvir sobre a bomba, um jovem muçulmano torce para que os responsáveis não sejam islâmicos, já que isto aumentaria as reações de ódio contra todos os fiéis), U: 22 de Julho é uma produção tristemente contemporânea, já que o ressurgimento de uma onda de extrema-direita fascista e nacionalista vem resultando em atos cada vez mais assustadores de violência e ódio em todo o planeta. Além disso, ao contrário do que os defensores da liberação de armas tentam argumentar, é imprescindível politizar, sim, tragédias como esta ou os frequentes tiroteios em escolas norte-americanas – porque estes eventos são políticos, seja pela motivação dos atiradores, seja pelos interesses por trás do lobby da indústria de armas.
E não há argumento mais forte contra a liberação de armas do que a imagem de uma criança morta enquanto, ao lado de seu cadáver, seu celular exibe uma ligação da mãe que ainda não sabe que a filha já não pode mais atendê-la.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Berlim 2018.
20 de Fevereiro de 2018