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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
01/01/1970 29/06/2018 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
94 minuto(s)

Won't You Be My Neighbor?
Won't You Be My Neighbor?

Dirigido por Morgan Neville.

Fred Rogers estava se preparando para o seminário quando descobriu um invento chamado “televisão”. Era a primeira metade da década de 50 e o alcance daquela nova forma de comunicação em massa o impressionou imensamente – e foi com espanto que ele percebeu como algo com tamanho potencial para aproximar as pessoas e gerar ideias, sentimentos e ações positivas estava sendo empregado de forma tão pobre. No lugar de discussões produtivas, a pequena tela exibia indivíduos atirando tortas nas caras uns dos outros; em vez de inspirar compreensão, o que saía do aparelho eram expressões de raiva e violência; e, claro, tudo era entrecortado por anúncios que fomentavam o mais puro consumismo.


Pior: ele sabia que boa parte do público era composta por crianças.

Então, o Sr. Rogers fez aquilo que lhe pareceu lógico: procurou uma emissora local e se ofereceu para criar um programa voltado para o público infantil – e depois de alguns tropeços, experimentos atrapalhados e participações em diversos outros projetos, finalmente estreou na rede pública de televisão seu A Vizinhança do Sr. Rogers em 1968, permanecendo no ar pelos 33 anos seguintes e se tornando uma referência inquestionável na cultura norte-americana. Utilizando marionetes, canções (que ele mesmo compunha) e personagens como o policial Clemmons (vivido pelo músico François Clemmons), Lady Aberlin (Betty Aberlin) e o Sr. McFeely (David Newell), Fred Rogers produziu quase 900 episódios que, usando cenários simples, sempre tinham início com o apresentador entrando em casa e cantarolando um convite para que os jovens espectadores fossem seus vizinhos.

Com um sorriso repleto de dentes, modos calmos e uma fala lenta que jamais parecia se render à tal rapidez que a linguagem televisiva parece exigir, o Sr. Rogers não precisava de desenhos animados, de auditório ou de efeitos sonoros onipresentes; sua abordagem era a de alguém que reconhecia seres pensantes e complexos nas crianças às quais se dirigia, tratando-as com sensibilidade, doçura, mas sem condescendência. Em suas interações com os pequenos visitantes de seu show ou com as plateias presentes em episódios ocasionais, ele não buscava o riso fácil ou a lágrima apelativa; quando um garoto de dez anos de idade, preso a uma cadeira de rodas em função de um tumor na coluna descoberto ainda bebê, pediu para ir ao programa antes de uma cirurgia complicada, o Sr. Rogers o recebeu sem sensacionalismo ou melodrama, perguntando de forma aberta sobre seus problemas de saúde e convidando-o para um breve dueto que pegou os pais do menino de surpresa, criando no processo um momento não apenas inesquecível, mas fundamental na trajetória de todos os envolvidos (ele incluso).

Ao longo das décadas, aliás, A Vizinhança do Sr. Rogers não hesitou em abordar temas espinhosos dos quais a maioria das produções do gênero fugiria em pânico: quando Bobby Kennedy foi morto durante a convenção democrata, por exemplo, a marionete Daniel (um tigre manipulado e vocalizado pelo apresentador) perguntou para sua companheira de cena “o que é ‘assassinato’?”; quando a Challenger explodiu durante a transmissão ao vivo acompanhada por milhões de pessoas, ele dedicou um programa ao assunto; e quando a segregação racial era algo ainda bastante real nos Estados Unidos, gerando incidentes nos quais indivíduos negros eram expulsos de piscinas públicas, o Sr. Rogers incluiu passagens nos programas para combatê-la, incluindo um episódio no qual surgia molhando os pés num dia quente e convidando o policial Clemmons (que era negro) para se juntar a ele – e os planos fechados que exibiam os pés dos dois homens dividindo a pequena banheira dispensavam quaisquer discursos.

Com uma filosofia de vida calcada na inclusão e na diversidade, Fred Rogers tomava todo o cuidado possível para deixar patente como sua “vizinhança” – um microcosmos do mundo que ele idealizava – era aberta a tudo e a todos; em nenhum episódio, por exemplo, ele se identificou como o cristão devoto que era de fato, evitando, com isso, sugerir que sua religião era mais importante do que qualquer outra. O essencial, para o Sr. Rogers, era o abraço mútuo, o afeto recíproco, o esforço para enxergar o mundo através do olhar do outro.

Era, em resumo, o exercício constante da empatia.

Ainda assim, é importante observar que Won’t You Be My Neighbor? não tenta ocultar as inseguranças experimentadas por seu protagonista, suas irritações ou suas frustrações, apontando, inclusive, como o avançar da idade trouxe também uma impaciência que ele frequentemente manifestava através do Rei Sexta-Feira 13, uma de suas marionetes. De modo geral, contudo, é difícil tentar expor um lado sombrio de um homem que é descrito por basicamente todos que o conheceram como alguém gentil, benevolente e de espírito aberto. Aliás, em vários momentos do filme me surpreendi levado às lágrimas não por incidentes trágicos ou dolorosos, mas pela óbvia generosidade do Sr. Rogers – uma generosidade que se expressava muitas vezes por seu puro interesse em ouvir o próximo.

Pois há algo de contagiante na bondade. Assistindo a este documentário, me flagrei envergonhado por todos os pensamentos mesquinhos que já me ocorreram e ocorrem, por gestos de impaciência e estupidez em redes sociais e na vida real e por simplesmente não ser a melhor pessoa que poderia e deveria me tornar.

O que percebi, depois de 90 minutos acompanhando a trajetória daquele homem doce e admirável, é que queria poder fazer parte de sua vizinhança. Ou, no mínimo, de não vê-la se encolher tanto na sociedade contemporânea.

Há muitos Fred Rogers ao nosso redor, disto não duvido; que optemos por oferecer seus espaços para apresentadores intolerantes que enxergam uma ameaça na diversidade, contudo, é uma tragédia absoluta.

27 de Novembro de 2018

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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