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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
28/03/2014 01/01/1970 5 / 5 3 / 5
Distribuidora
Paris Filmes, O2 Play e Downtown Filmes
Duração do filme
100 minuto(s)

Entre Nós
Entre Nós

Dirigido por Paulo Morelli e co-dirigido por Pedro Morelli. Com: Caio Blat, Carolina Dieckmann, Martha Nowill, Maria Ribeiro, Júlio Andrade, Paulo Vilhena, Lee Taylor.

Entre Nós é um filme delicado, melancólico e que, em meio à dor de seus personagens, inclui momentos de humor e doçura contagiantes. É uma obra sobre as esperanças e ingenuidades da juventude e sobre os choques e as desilusões que só se tornam possíveis porque nossos eus adolescentes esperavam mais do que a vida poderia oferecer. É também um pequeno retrato da frustração originada do impulso artístico e da necessidade de auto expressão. É sobre estar vivo, mas sentir-se morto. E também sobre mortos que permanecem dolorosamente vivos em nossas memórias. É uma história, enfim, sobre a condição humana.


Escrito e dirigido por Paulo e Pedro Morelli (pai e filho), o longa inicia com a imagem de um homem que, diante de uma bela e tranquila paisagem, surge de óculos escuros e roupas sóbrias enquanto segura, com mãos trêmulas, um cigarro. Trata-se de Felipe (Blat), um escritor respeitado que, dez anos antes, viu o melhor amigo Rafa (Taylor) morrer em um acidente de carro. Em um extenso flashback ambientado em 1992, acompanhamos os dois rapazes enquanto passam um fim-de-semana ao lado de Silvana (Ribeiro) e dos jovens casais formados por Lucia (Dieckmann) e Gus (Vilhena), Cazé (Andrade) e Drica (Nowill). Bebendo, cantando, dançando e sonhando com futuras carreiras literárias, aqueles rapazes e moças finalmente enterram uma caixa com cartas para suas versões futuras e é justamente uma década depois que os reencontramos quando se reúnem para recuperar as mensagens, desenterrando no processo não apenas a caixa, mas também mágoas, segredos e inseguranças.

Sensível ao retratar a dinâmica entre aqueles jovens e alegres amigos, Paulo Morelli transforma o primeiro ato de Entre Nós em um retrato comovente da percepção impossivelmente otimista que a juventude mantém acerca do mundo que a cerca, quando ainda parece crer honestamente na imutabilidade do tempo e na permanência das coisas, sentimentos e pessoas. Há algo de tocante, por exemplo, na maneira com que aqueles indivíduos parecem experimentar uma urgência de viver, produzir Arte e amar, como se qualquer experiência adiada se tornasse gasta por antecipação. Ainda assim, o mais admirável no trabalho do elenco e do cineasta é constatar como, ao encontrarmos as versões adultas daqueles personagens, imediatamente enxergamos, sob suas expressões amadurecidas e desiludidas, os vestígios das sementes sonhadoras que deixaram no passado.

Neste aspecto, os diálogos criados por Teo Poppovic são fundamentais ao sugerirem dores profundas sob um verniz de humor e normalidade – como, por exemplo, no momento em que o personagem de Paulo Vilhena lê uma carta particularmente doída e, ao encerrá-la, comenta sobre seu desfecho: “Rimou, né?”, numa observação breve e bem-humorada que tenta cobrir desajeitadamente uma ferida exposta (e, da mesma maneira, é notável como Vilhena hesita ao rever a ex-namorada, vivida por Carolina Dieckmann, depois de dez anos, quando parece prestes a se quebrar diante de nossos olhos). Já em outro instante, é Caio Blat, um ator capaz de conferir imensa humanidade a qualquer personagem, quem evoca sentimentos contrastantes ao elogiar a escrita do amigo, quando permite que percebamos, em sua expressão, como o orgulho pelo companheiro divide espaço com um óbvio ressentimento diante do talento que eclipsa o seu próprio. E se a Drica interpretada com energia e alegria por Martha Nowill subitamente confessa tomar antidepressivos, isto não passa a defini-la como pessoa (e nem deveria), servindo apenas para conferir uma pincelada cinza em alguém que enxergávamos apenas com cores vivas e intensas.

Enquanto isso, seu marido, vivido por Júlio Andrade, se estabelece como um daqueles indivíduos que parecem se sentir sempre superiores ao mundo apenas por enxergá-lo como um lugar apodrecido – o que não o impede de, mesmo surdo aos desejos maternais da esposa, exibir preocupação e carinho pela companheira. E se Maria Ribeiro é hábil ao manifestar a independência de Silvana em relação a sonhos de maternidade e matrimônio ao mesmo tempo em que permite que notemos sua frustração acerca de um antigo romance não concretizado, Carolina Dieckmann merece aplausos por basicamente construir Lúcia a partir dos olhares dolorosos e doloridos que direciona ao marido e da expressão angustiada que parece fazer parte de seu belo rosto.

Porém, Entre Nós não é eficiente apenas por criar personagens bem definidos, mas também por estabelecer uma dinâmica complexa entre estes, sugerindo uma tensão subjacente às interações que ocorrem nos três dias que concentram a narrativa e que aqui e ali vazam em provocações e ofensas que, de tão certeiras e cruéis, só podem ser trocadas entre pessoas que se amam e se conhecem profundamente. Por outro lado, o filme é inteligente ao trazer momentos de humor e leveza que justifiquem o prazer que aquelas pessoas sentem ao se encontrarem, sendo divertido, por exemplo, ouvir Gus reclamando durante uma partida de futebol que ninguém lhe permite “criar” apenas para receber, em troca, a alfinetada “Vai, artistão!” – uma troca de diálogos que ouvimos à distância, já que estamos concentrados em outros personagens naquele instante, o que confere ainda mais naturalidade à narrativa. Da mesma maneira, é emocionante perceber como, ao ouvir alguém soltar de forma brincalhona um “Você não existe!”, certo personagem repete a frase para si mesmo, enfatizando não o elogio às suas particularidades, mas uma leitura sobre sua insignificância.

Construindo metáforas visuais com a mesma habilidade com que utiliza os diálogos para tornar seus personagens tridimensionais, Morelli não tenta chamar nossa atenção, por exemplo, para a árvore cortada ao lado da caixa enterrada, permitindo que a natureza daquela mutilação sugira por si mesma um paralelo não só com o destino de Rafa, mas de seus amigos. E se Felipe surge constante com o rosto semimergulhado em sombras, isto faz um eco perfeito aos óculos escuros que o escritor usa para se manter escondido diante de todos – e não é à toa que ele não se preocupa em resgatar o besouro que luta para se endireitar sobre a madeira, limitando-se a observar o inseto e contrapondo-se ao esforço de Rafa para salvar um pequeno pássaro que caíra do ninho. Para finalizar, é notável constatar como a montagem de Lucas Gonzaga mantém a fluidez da narrativa não só nas passagens mais complicadas que envolvem transições de tempo (como no belo corte que salta do carro em chamas ao fogão de lenha), mas também ao incluir reações importantes pontuando diálogos rápidos e densos.

Certeiro ao demonstrar que uma tragédia como a vivida por aqueles jovens representa um rasgo que jamais se fecha, Entre Nós, devo confessar, me tocou não só por sua competência como estudo de personagens e como narrativa que oscila com talento entre o humor e a lágrima, mas também ao me fazer recordar como, no mesmo 1992 que abre a trama, vi de perto e senti a tragédia de vidas encerradas precocemente. Foi ali, em 14 de março, que meus colegas e eu perdemos três criaturas lindas, Analu, Flávia e Luciana Helena, em um acidente de carro após um churrasco da turma – uma perda que permanece como uma memória teimosa e que o filme, sem querer, tornou ainda mais dolorosa.

Rimou, né?

25 de Março de 2014

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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