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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
11/01/2008 07/09/2007 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
123 minuto(s)

Desejo e Reparação
Atonement

Dirigido por Joe Wright. Com: Keira Knightley, James McAvoy, Saoirse Ronan, Romola Garai, Brenda Blethyn, Juno Temple, Benedict Cumberbatch, Vanessa Redgrave.

Desejo e Reparação, baseado na obra do escritor britânico Ian McEwan, é um romance de época que, equilibrando-se entre a tragédia e o melodrama, acaba se sobressaindo não exatamente pela história de amor que narra (embora esta funcione), mas sim pelo curioso experimento narrativo que se propõe a fazer – e, neste aspecto, acaba lembrando, de forma surpreendente, certos elementos de Funny Games – Violência Gratuita, de Michael Haneke. E esta é uma referência que eu certamente não esperava de um filme aparentemente tão tradicional como este.


Adaptado por Christopher Hampton, um roteirista especializado em desenvolver personagens ambíguos (Ligações Perigosas, Eclipse de uma Paixão, O Segredo de Mary Reilly, O Americano Tranqüilo), Desejo e Reparação tem início na Inglaterra, no período entre as duas Guerras Mundiais, e nos apresenta à jovem Briony Tallis (Ronan), que, caçula de uma família aristocrática, sonha em ser escritora. Dona de uma imaginação vivaz, ela vê, certa manhã, um estranho incidente envolvendo sua irmã Cecilia (Knightley) e o filho da governanta, Robbie Turner (McAvoy). Os mal-entendidos vão se acumulando até que, certa noite, Briony acusa Robbie de violentar uma parenta, praticamente destruindo a vida do rapaz. A partir daí, acompanhamos a trajetória do trio durante os anos seguintes, quando Robbie parte para o combate na França, Cecilia se torna enfermeira e Briony gradualmente compreende o terrível erro que cometeu.

Investindo numa montagem não-linear (e que funciona como mero indício do que o filme nos reserva), Desejo e Reparação freqüentemente apresenta seus acontecimentos a partir do ponto de vista de Briony apenas para, posteriormente, retornar a estes a fim de revelar o que realmente aconteceu – e se ficamos presos à visão subjetiva da garota, isto é mais do que apropriado, considerando que ela é a narradora de fato (com todas as vantagens que isto lhe traz). Porém, se a imaginação vívida da menina faz jus à sua precocidade em certos aspectos, isto não significa necessariamente que ela é madura o bastante para compreender tudo o que vê – e a falha de Cecilia e Robbie ao não conversarem com a garota a fim de explicar o que ela testemunhou revela um terrível grau de imaturidade por parte dos adultos, que, intimidados pelas próprias ações (e sentimentos), parecem não compreender a dimensão que tudo aquilo assume aos olhos de uma quase criança. Infelizmente, todos acabam pagando um preço alto por este equívoco, incluindo a própria Briony.

Depois de ter surgido como uma agradável surpresa no moderadamente divertido Nunca é Tarde para Amar, a jovem Saoirse Ronan converte-se no destaque inquestionável de Desejo e Reparação. Retratando Briony como uma garota dominadora e obviamente mimada, ela observa o mundo com um olhar frio e crítico que prenuncia um moralismo equivocado e ainda mais ambíguo em função de seus próprios sentimentos com relação a Robbie. Enquanto isso, James McAvoy, que também surgiu como surpresa em O Último Rei da Escócia, confere a Robbie um misto de inocência e malícia que explica boa parte do fascínio que ele exerce sobre a esnobe Cecilia: dono de um senso de humor repleto de sarcasmo, ele parece não se importar com a diferença de classes ao lidar com a moça (ao menos superficialmente) – e é este seu jeito desafiador que acaba por atraí-la irremediavelmente. Finalmente, Keira Knightley, voltando a trabalhar com o diretor Joe Wright depois de Orgulho & Preconceito, compõe Cecilia como uma jovem cujo idealismo crescente confronta a futilidade de sua existência aristocrática, preparando o palco para o sofrimento que a dominará após abandonar a proteção de um lar cercado de toda a segurança que o dinheiro pode comprar. Fechando o elenco, Brenda Blethyn, Romola Garai e Vanessa Redgrave exploram ao máximo o potencial dramático em suas pequenas participações - e Redgrave, em particular, provoca um profundo impacto ao evocar, em poucos minutos, o sofrimento e o remorso acumulados em toda uma vida.

Fazendo jus à promessa demonstrada em sua estréia na direção em Orgulho & Preconceito, o cineasta Joe Wright conduz com segurança uma narrativa que faz freqüentes saltos no tempo. E se peca ao investir em planos clichês como o do rapaz correndo atrás do ônibus que leva sua amada, ao menos compensa estes tropeços com outros momentos que se tornam inesquecíveis – o que me traz ao absolutamente fantástico plano-seqüência na praia de Dunkirk: durando cerca de cinco minutos, este plano comprova o virtuosismo que Wright exibiu em seqüências similares de seu trabalho anterior, superando-o graças à fabulosa dimensão que assume em Desejo e Reparação. Acompanhando Robbie enquanto este caminha chocado pela praia que serviria de ponto de retirada das tropas britânicas, o diretor retrata todo o caos e o desespero dos soldados que, cansados e doentes, ainda devem destruir todo e qualquer veículo, equipamento ou animal que possa servir de ajuda aos alemães – e a coreografia cuidadosamente planejada das centenas de figurantes e da própria câmera é uma obra de arte à parte, devendo ser atribuída à genialidade não apenas do próprio Wright, mas também da equipe de efeitos visuais e, é claro, do diretor de fotografia Seamus McGarvey.

Contando também com uma trilha sonora extremamente inteligente composta por Dario Marianelli, que funde, à música, efeitos sonoros diegéticos (orgânicos à história, oriundos do que estamos vendo na tela) como o som das teclas da máquina de escrever de Briony e as pancadas que a mãe de Robbie desfere num carro de polícia. Isto, aliás, remete ao ponto principal da narrativa: o fato de que, no final das contas, estamos assistindo a uma história cuja narradora se faz presente o tempo todo.

E assim chegamos ao desfecho de Desejo e Reparação – seu elemento que, como citei no início deste texto, me remeteu a Funny Games: assim como Haneke brincava com a percepção e os sentimentos do espectador naquele brilhante ensaio sobre a linguagem cinematográfica, aqui Joe Wright faz algo similar e igualmente cruel, enganando-nos para obter reações específicas. Assim, a pergunta que surge quando os créditos finais percorrem a tela é a seguinte (e não leia o restante deste parágrafo caso ainda não tenha visto o filme): o que você sentiu ao ver Robbie e Cecilia brincando na praia? Tristeza ao constatar tudo o que eles perderam? Ou uma espécie de satisfação artificial por ao menos testemunhar a encenação de uma ficção dentro da ficção?

O que me leva a uma pergunta ainda mais complexa e intrigante: afinal de contas, tudo a que assistimos em praticamente todos os filmes do gênero não se trata de ficção? Qual é a diferença entre o encontro de Tom Hanks e Meg Ryan ao fim de Sintonia de Amor e a felicidade demonstrada por James McAvoy e Keira Knightley naquela praia? Por que podemos aceitar um e não o outro? No final das contas, não somos sempre manipulados, de uma maneira ou de outra?

E – o mais importante – não é exatamente isto que buscamos quando compramos o ingresso?

11 de Janeiro de 2008

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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