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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
22/06/2017 28/04/2017 1 / 5 / 5
Distribuidora
Imagem
Duração do filme
110 minuto(s)

O Círculo
The Circle

Dirigido por James Ponsoldt. Roteiro de James Ponsoldt e Dave Eggers. Com: Emma Watson, Tom Hanks, John Boyega, Patton Oswalt, Karen Gillan, Nate Corddry, Mamoudou Athie, Ellar Coltrane, Eve Gordon, Smith Cho, Amir Talai, Poorna Jagannathan, Judy Reyes, Bill Paxton e Glenne Headly.

O Círculo é uma versão de Snowden feita por pessoas que não entenderam os elementos mais básicos da discussão sobre privacidade na Internet e que, ainda assim, tentam transformá-la em base para um thriller sem suspense encabeçado por uma personagem aparentemente incapaz de aprender qualquer coisa com as próprias experiências.


A protagonista em questão é Mae (Watson), uma jovem que consegue um emprego na corporação Círculo, que o roteiro de James Ponsoldt e Dave Eggers (baseado no livro deste) concebe como um amálgama de Facebook, Google e Apple. Liderado por Eamon Bailey (Hanks), um CEO que transforma as apresentações dos novos produtos em um espetáculo, o Círculo conta ainda com o calculista Stenton (Oswalt) como seu diretor financeiro e funciona em um espaço colossal que parece uma mistura de spa, clube, campus universitário e arena para shows, recebendo casualmente a visita de senadores e até do próprio Dalai Lama. Encantada pela empresa, que também arca com as despesas do tratamento médico de seu pai (Paxton), Mae acaba se tornando a garota-propaganda da política de seus empregadores, que defendem “transparência total”, passando a exibir sua vida através de micro câmeras que a acompanham 24 horas por dia. Aos poucos, contudo, ela começa a questionar se Bailey é mesmo o visionário idealista que diz ser.

Eu disse “aos poucos”? Perdão, o que quis dizer é “de uma hora para outra”. Pois tudo que ocorre ao longo dos 110 minutos de projeção parece se desenrolar aos saltos, como se os roteiristas tivessem criado uma checklist de eventos e estruturassem o roteiro com o único objetivo de marcá-los o mais rapidamente possível – algo que fazem desde o primeiro segundo, já que mal o filme começa e já vemos Mae num caiaque, conversando com um consumidor insatisfeito pelo telefone, recebendo a notícia de que poderá trabalhar no Círculo e parando na estrada com um carro defeituoso que logo é consertado pelo amigo Mercer (Coltrane), que aproveita para manifestar sua paixão. Tudo isso antes da marca dos cinco minutos, já que esta não é uma obra que entende os conceitos de sutileza ou de desenvolvimento de personagens.

Este padrão, vale ressaltar, é mantido até o fim: aqui, Mae é uma novata tímida; ali, já está discursando à vontade para centenas de pessoas. Em um momento, vê as políticas do Círculo com ressalvas; em outro, não só as abraça como sugere expandi-las, retornando ao ceticismo logo a seguir. Além disso, a moça tem um talento especial para ser conduzida subitamente a locais com acesso restrito, o que talvez explique sua confiança quando, do nada, anuncia para os pais ser “a única pessoa” capaz de resolver um problema grave envolvendo a corporação - ainda que seu bom senso tenha falhado quando, mesmo experiente no caiaquismo, decidiu inexplicavelmente tentar remar à noite, sozinha, e ultrapassar as boias de segurança. (Uma desculpa esfarrapada para avançar a trama.) Por outro lado, para que exigir bom senso de alguém se aqueles que o cercam não exibem lógica ou racionalidade? Afinal, até o supostamente brilhante Ty (Boyega) diz sem explicação coisas como “não podemos ser vistos juntos” e “você tinha razão, isso muda tudo” – clichês que são recitados gratuitamente e jamais justificados.

Considerando o péssimo roteiro, aliás, é difícil realmente culpar o elenco pelos horríveis personagens: Bill Paxton e Glenne Headly, que morreram precocemente pouco depois de terminarem o filme, trazem certa humanidade aos pais da protagonista, mas só; Karen Gillan vê sua Annie mudar abruptamente de comportamento, surgindo enciumada, pálida, sem maquiagem e com os cabelos ensebados de uma cena para outra; John Boyega é quase um figurante de luxo e Ellar Coltrane, tão eficiente em Boyhood, aqui diz suas (pavorosas) falas em um tom monocórdico e inexpressivo. Enquanto isso, Watson (que, como Coltrane, cresceu diante das câmeras na série Harry Potter) fica presa a uma protagonista sem personalidade e que gera mais antipatia do que apreço, tornado difícil, para o público, o processo de identificação com sua situação. Para finalizar, Tom Hanks e Patton Oswalt se saem um pouco melhor apenas por evitarem transformar seus personagens em caricaturas vilanescas, embora os executivos que interpretam jamais demonstrem qualquer coerência em suas atitudes.

Ora, tomemos, como exemplo, a apresentação do SoulSearch, serviço capaz de localizar qualquer pessoa através da colaboração de usuários em todo o planeta: depois de ilustrarem a eficácia da plataforma com a rápida prisão de uma mulher que matou os três filhos, os dois executivos decidem testá-la com um cidadão comum – uma ideia que qualquer empresário com dois neurônios funcionais imediatamente perceberia ser algo com imenso potencial para gerar publicidade negativa (e, claro, o filme força a barra ainda mais ao retratar as consequências do experimento em uma sequência ridícula a ponto de beirar a comédia). Para piorar, ao personificar em Hanks e Oswalt o potencial destrutivo da tecnologia, O Círculo sabota a discussão que pretende iniciar, resumindo tudo ao julgamento comprometido de dois homens e ignorando como praticamente toda inovação da área oferece vantagens e perigos: duvido, por exemplo, que Mark Zuckerberg tenha concebido a transmissão ao vivo no Facebook como algo que incentivaria alguém a executar estranhos e a exibir os crimes em streaming, mas foi o que ocorreu.

O curioso é que, durante a projeção, é possível perceber os realizadores palpando o terreno à sua volta, como se intuíssem estar diante de um tema promissor, mas sem jamais conseguir encontrá-lo. Em certo instante, quando dois funcionários do RH abordam Mae e começam a recitar bordões que resumem a cínica lógica da cultura corporativa contemporânea, que insiste em convencer os funcionários de que a empresa que os emprega tem uma filosofia a ser admirada, não estando interessada apenas no lucro, o filme quase descobre algo a dizer, falhando miseravelmente ao transformar os dois personagens em caricaturas patéticas. Da mesma maneira, a discussão sobre a interferência das grandes corporações na política com o fim de eliminar qualquer regulamentação é quase desenvolvida, sendo abandonada quando os “vilões” passam a debater seriamente a ideia de obrigar todos os cidadãos a usarem seus serviços.

Não que extremos e caricaturas não possam operar como forma de análise da sociedade e da cultura, pois é óbvio que podem; isto, porém, exigiria uma abordagem satírica que o diretor James Ponsoldt nem chega a considerar como opção, investindo, em vez disso, em uma narrativa cujo naturalismo torna tudo apenas – e inadvertidamente - risível.

Com isso, O Círculo se apresenta como um filme de extremos: os produtos da empresa são maravilhosos ou péssimos; os personagens, nobres ou corrompidos. E, como se não bastasse, o desfecho estúpido comprova que, no fim das contas, ninguém envolvido no projeto parece compreender as implicações mais óbvias do que a própria trama apresentou, convertendo o plano final em um tapa na cara de qualquer espectador que tenha esperado um mínimo de coerência por parte dos realizadores.

23 de Junho de 2017

(Agora imagine Steve Jobs em um palco anunciando um novo produto: um site de Cinema que busca publicar textos aprofundados sobre os filmes que chegam às salas. A plateia aplaude o conceito, mas, então, Jobs explica que, para sobreviver, o site em questão - vamos supor que se chama Cinema em Cena - precisará de seu apoio para continuar a existir e a produzir conteúdo de forma independente. Pois é. Você não vai decepcionar o Steve Jobs, vai? Para saber como ajudar, basta clicar aqui - só precisamos de alguns minutinhos para explicar. E obrigado desde já pelo clique!)

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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