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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
05/02/2015 28/11/2014 2 / 5 3 / 5
Distribuidora
Diamond Filmes
Duração do filme
114 minuto(s)

O Jogo da Imitação
The Imitation Game

Dirigido por Morten Tyldum. Roteiro de Graham Moore. Com: Benedict Cumberbatch, Keira Knightley, Matthew Goode, Rory Kinnear, Allen Leech, Matthew Beard, Mark Strong e Charles Dance.

Filmes inspirados em fatos reais raramente são fiéis à história cuja veracidade insistem em proclamar – isto é algo natural e até compreensível, já que a realidade normalmente não acontece em atos bonitinhos e bem divididos que ajudam a estabelecer uma estrutura dramática eficiente. O problema é quando, para criar drama, um longa toma liberdades criativas óbvias a ponto de permitir que o espectador identifique os absurdos imediatamente – algo que ocorre com frequência neste O Jogo da Imitação. Para piorar, se Sniper Americano transforma a história de um personagem desprezível em algo memorável, aqui ocorre o contrário: a trajetória admirável do matemático Alan Turing, que ainda traz uma mensagem importante sobre homofobia, é desperdiçada em uma obra cuja mediocridade é impossível ignorar.


Partindo de um prólogo no qual um policial já surge soltando diálogos expositivos de maneira artificial, o roteiro de Graham Moore logo nos apresenta a Turing (Cumberbatch), que imediatamente insulta os oficiais com seus modos abruptos provocados por um quase autismo que aparentemente o impede de perceber qualquer convenção social. Saltando no tempo a fim de ilustrar passagens da infância do personagem e, claro, seu envolvimento com a inteligência britânica durante a Segunda Guerra, quando foi instrumental ao criar uma máquina capaz de decodificar as mensagens nazistas criptografadas através da lendária Enigma, o filme se mostra incapaz de criar um retrato multifacetado do personagem mesmo abordando décadas de sua vida, o que chega a ser uma proeza.

Vivido por Benedict Cumberbatch como um homem que não só chegou aos 28 anos sem entender o conceito de ironia, mas sem nem mesmo saber o que é uma piada (não, não estou exagerando), o Alan Turing visto em O Jogo da Imitação é um sujeito cuja incapacidade de interagir com os demais oscila de acordo com as necessidades imediatas do roteiro: em uma cena, ele não entende a mais óbvia das brincadeiras; em outra, não só percebe o subtexto da situação doméstica da personagem de Keira Knightley como ainda emprega a dissimulação para enganar os pais desta. Com isso, o protagonista jamais se apresenta como um ser humano crível, comportando-se como uma caricatura grosseira de gênio excêntrico que nem mesmo o talentoso Cumberbatch consegue converter em algo minimamente verossímil – e mesmo que ele demonstre cuidado ao recriar a gagueira nervosa de Turing e protagonize alguns bons momentos dramáticos no terceiro ato, é tremendamente injusto que ele tenha recebido uma indicação ao Oscar justamente por um de seus desempenhos mais esquemáticos.

Saltando de forma competente de uma época para outra – embora esta estrutura cronológica jamais seja justificada pelo roteiro -, O Jogo da Imitação constantemente emprega os flashbacks para explicar elementos dispensáveis ou que já se tornaram patente, como a primeira vez em que Turing ouviu falar de criptografia ou seu relacionamento com Christopher, cuja natureza já compreendemos plenamente no primeiro flashback, mas que o filme continua a martelar até o fim da projeção. Esta obviedade, aliás, é quase uma marca registrada da obra: se quer investir no humor, o filme cria sequências patéticas nas quais Turing tenta se mostrar cordial com os companheiros; se tenta estabelecer tensão, investe numa coincidência ridícula na qual não só os personagens decifram uma mensagem minutos antes de um bombardeio como ainda descobrem que o navio a ser atacado traz o irmão de um deles na tripulação, criando um dilema absurdamente artificial que funcionaria melhor numa novela mexicana. E o que dizer da cena em que o comandante interpretado por Charles Dance desliga a máquina de Turing sem motivo aparente (aliás, não faria diferença de qualquer maneira) ou daquela na qual acusa o herói de espionagem de forma contundente apenas para deixar a questão para lá como se não houvesse importância em permitir que um espião continuasse ali?

Ao longo dos intermináveis 114 minutos de projeção, momentos como estes surgem numa frequência alarmante: aqui, os companheiros de Turing se posicionam de forma inesperada (faltou apenas começarem a aplaudi-lo lentamente); ali, um amigo soca o outro gratuitamente apenas para provocar impacto dramático. E se o longa não se envergonha nem mesmo de usar o velho clichê do sujeito que, de tão agitado, traz metade da camisa para fora da calça (até quando, Jesus?), pior é testemunhar como Turing descobre algo porque um objeto foi derrubado bem abaixo de uma Bíblia que se encontrava aberta bem na passagem que ele ouvira anteriormente e...

... não dá. Além disso, é incrível perceber como o roteiro nem sequer tenta explicar como a máquina de Turing funciona, desperdiçando um tempo precioso com desencontros amorosos em vez de, sei lá, gastar alguns minutos apresentando o equipamento que é o objetivo principal da narrativa. Mas seria difícil esperar algo diferente de um projeto que, centrado em Alan Turing, nem sequer parece compreender o famoso teste que este criou e que é ilustrado de forma incorreta em certo momento.

Sim, pontualmente o longa acerta em alguma escolha narrativa: o corte de um míssil disparado para um cigarro que se apaga é engraçadinho e o instante no qual o som das bobinas girando é incorporado à trilha instrumental se revela engenhoso, mas até estes exemplos empalidecem diante dos efeitos digitais artificiais usados para recriar a Londres semidestruída por bombardeios e, claro, do cinismo do projeto como um todo.

E que cinismo: a fim de tentar conferir alguma importância social e temática ao longa, o roteiro incorpora quase que de improviso, de forma desajeitada, a atitude homofóbica do governo britânico diante da orientação sexual de Turing. Surgindo no ato final, numa espécie de nota de rodapé, a questão acaba tentando se apresentar como algo central ao filme, rendendo até mesmo letreiros explicativos ao final da projeção – o que é curioso, já que, até ali, a homossexualidade do protagonista servira apenas como um recurso dramático bobo e mal utilizado.

Obviamente construído para atrair a atenção do Oscar (algo no qual foi tristemente bem sucedido), O Jogo da Imitação é um amontoado deselegante de clichês que, tentando nos convencer de sua importância, merecia apenas desprezo por tentar utilizar um homem tão notável como mera isca de troféus.

20 de Fevereiro de 2015

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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