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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
20/11/2014 01/01/1970 5 / 5 4 / 5
Distribuidora
Paris Filmes

Jogos Vorazes: A Esperança - Parte 1
Mockingjay - Part 1

Dirigido por Francis Lawrence. Roteiro de Peter Craig e Danny Strong. Com: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Woody Harrelson, Philip Seymour Hoffman, Julianne Moore, Willow Shields, Sam Claflin, Mahershala Ali, Jeffrey Wright, Stanley Tucci, Jena Malone, Elizabeth Banks, Natalie Dormer, Elden Henson, Wes Chatham e Donald Sutherland.

Há um momento, neste Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1, que resume bem a força do filme: encurralados em um bunker que sofre bombardeio intenso por parte da Capital, alguns rebeldes se colocam em volta de Katniss Everdeen (Lawrence) enquanto esta projeta a luz de uma lanterna para brincar com o gato da irmã, provocando uma distração momentânea que desperta o sorriso daquelas pessoas tão carentes de um. Trata-se de um instante delicado, doce e contemplativo que pode não contribuir para o andamento da trama do longa, mas certamente torna aqueles personagens mais reais e multifacetados – e que o filme tenha a coragem de encontrar tempo para uma cena que a maior parte das produções do gênero descartariam (especialmente por se tratar de uma franquia de aventura) é algo digno de nota.

Adaptado por Peter Craig e Danny Strong a partir do terceiro livro da série concebida por Suzanne Collins, o roteiro deste A Esperança – Parte 1 tem início com sua protagonista encolhida num canto escuro enquanto revive o terror do que viveu no capítulo anterior – um estado de espírito sombrio que encontra eco na postura de seu companheiro Finnick (Claflin), que expressa seu lamento por não terem todos morrido e sido poupados daquela dor inconsolável que agora experimentam. Escondidos nos restos subterrâneos do Distrito 13, cuja presidenta Alma Coin (Moore) é assessorada pelo inteligente Plutarco Heavensbee (Hoffman), Katniss e os rebeldes tentam se organizar para a luta contra o presidente Snow (Sutherland) e, para isso, a garota recebe a tarefa de protagonizar vídeos de propaganda que poderão motivar os demais distritos a apoiarem a rebelião.

Sim, mesmo voltado para um público adolescente, A Esperança não tem, como prioridade, a criação de sequências de ação absurdas que trariam Katniss derrotando a(o) poderosa(o) Capital apenas com seu arco e sua coragem – o que seria cinematográfico, mas não verossímil. Em vez disso, o filme e seu grupo de rebeldes compreendem que mais importante do que agir como heroína é projetar a imagem de uma, já que um ato heroico por si só dificilmente resultaria em vitória, ao passo que vender o conceito de heroísmo poderia fazer toda a diferença. Aliás, não é à toa que, a partir daí, inicia-se uma verdadeira guerra midiática entre Coin e Snow na qual cada um usa seu melhor garoto-propaganda – e é ao ver-se disputando os corações e as mentes dos cidadãos de Panem com seu querido Peeta (Hutcherson) que Katniss percebe a dificuldade de viver um papel que deixou de ser apenas ficcional e passou a representar seus sentimentos pelo rapaz.

Tematicamente, portanto, Jogos Vorazes se mostra incrivelmente maduro e relevante, substituindo o espetáculo vazio da ação por ideias complexas que são tratadas com seriedade pela narrativa. Assim, se por um lado as falas e ações espontâneas de Katniss são imediatamente reembaladas na forma de slogans que passam a ser repetidos exaustivamente pelos rebeldes, por outro os fortes discursos proferidos por uma carismática Coin acabam se revelando construções cuidadosamente planejadas por Plutarco, o que elimina, na prática, a fronteira entre realidade e propaganda.

Neste aspecto, diga-se de passagem, a performance de Jennifer Lawrence é impecável ao sugerir o desconforto da protagonista por estar sendo claramente usada pelos líderes da revolução – mesmo concordando com a causa destes. Oscilando entre a afetação artificial de uma garota que tenta encarnar uma persona heroica e a intensidade autêntica que exibe quando simplesmente age como heroína, Lawrence ainda é eficiente ao evocar os esforços de Katniss para agir da maneira correta mesmo sem ter certeza o tempo todo de qual seria esta. Além disso, seu dilema diante do amor que sente por Gale (Hemsworth) e Peeta é palpável, já que ela se encontra em meio a um triângulo sentimental no qual os dois pretendentes se mostram igualmente dignos de sua devoção – e, mesmo sem ter lido os livros, temo que uma tragédia acabe resolvendo este conflito interno da protagonista, já que, de outra maneira, uma simples escolha acabaria soando anticlimática independentemente da identidade do “vitorioso”. (A propósito: é notável perceber a maturidade dos personagens diante de uma situação impossível – e fiquei genuinamente tocado pela forma melancólica com que Gale percebe que a obviedade de seu sofrimento parece despertar o carinho de Katniss, o que depõe favoravelmente em relação ao caráter de ambos.)

Mas A Esperança – Parte 1 devota cuidado similar ao desenvolvimento também de seus personagens secundários: se Coin é encarnada por Julianne Moore como uma líder determinada e inteligente, mesmo que propositalmente fria na maior parte do tempo (um reflexo não só de seu passado, mas de suas responsabilidades atuais), Plutarco traz Philip Seymour Hoffman em mais uma performance que ressalta a perda que sua morte representou, já que interpreta o sujeito como um homem que, exibindo imensa segurança em sua área (propaganda e estratégias midiáticas), logo revela o pânico e o temor naturais diante da constatação de um ataque militar iminente. Para finalizar, Donald Sutherland, claro, demonstra sua força habitual ao transformar Snow em um adversário temível e cujo cinismo rivaliza apenas com sua imensa crueldade.

Dirigido por Francis Lawrence com a segurança de um cineasta que, mesmo comandando a terceira parte de uma superprodução, tem a coragem de conferir um tom quase contemplativo à narrativa, o longa encontra tempo para permitir que seus personagens conversem sobre seus sentimentos ou simplesmente se entreguem a um raro momento de relaxamento enquanto observam um riacho ou a tranquilidade de um animal em seu elemento natural. Em contrapartida, quando é necessário investir na tensão, Lawrence é hábil ao construir sequências que parecem saídas de um autêntico filme de guerra, usando sua câmera para seguir de forma dinâmica os personagens em meio a tiros e explosões, ou ao empregar a ótima montagem para saltar entre ações paralelas que tornam o clímax da projeção um belo exercício de suspense.

Há, claro, pequenos tropeços: é absurdo, por exemplo, que Snow deixe a Vila dos Vitoriosos intacta depois de destruir todo o Distrito 12, já que a sobrevivência daquele local seria simbolicamente constrangedor para seus propósitos – e, da mesma maneira, não faz sentido algum a ação dos rebeldes que detonam um explosivo em uma represa e depois saem correndo, já que os milhões de litros de água liberados certamente afogariam todos em seu caminho. Por outro lado, é bacana perceber como a paleta multicolorida que surgia presente em parte do design de produção dos capítulos anteriores agora cede lugar totalmente ao cinza e a tons pastéis, contribuindo, ao lado da fotografia sombria, para mergulhar a narrativa em um clima triste e claustrofóbico.

Com isso, A Esperança – Parte 1 se apresenta não apenas como um filme de gênero(s) eficiente, mas também como um surpreendente estudo de personagem e uma obra que, em seu retrato sobre a frieza estudada da mídia, se revela complexo, inteligente e tristemente contemporâneo.

19 de Novembro de 2014

Críticas dos filmes anteriores: Jogos Vorazes e Em Chamas.

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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