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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
03/01/2014 01/01/1970 5 / 5 4 / 5
Distribuidora
Disney
Duração do filme
102 minuto(s)

Frozen - Uma Aventura Congelante
Frozen

Dirigido por Chris Buck e Jennifer Lee. Com as vozes de Kristen Bell, Idina Menzel, Jonathan Groff, Josh Gad, Santino Fontana, Alan Tudyk, Ciarán Hinds.

Frozen: Uma Aventura Congelante poderia ter falhado de várias maneiras – e, em diversos momentos da projeção, parece prestes a fazê-lo. Aqui, surge prestes a sucumbir aos mais velhos clichês; ali, sugere flertar com a possibilidade de trair as naturezas de seus personagens; mais tarde, ameaça abandonar a trama principal apenas para introduzir um coadjuvante engraçadinho. Em todos estes instantes, no entanto, a mais nova animação da Disney acaba evitando o tropeço enquanto, piscando para o espectador, parece dizer “Confie em mim” ao mesmo tempo em que usa a sugestão de clichê para subverter as convenções que o próprio estúdio ajudou a estabelecer ao longo das décadas.

Escrito pela co-diretora Jennifer Lee a partir de uma das inúmeras fábulas de Hans Christian Andersen, Frozen traz em sua história maldições, príncipes, traições, magia, estranhas criaturas falantes, animais com comportamento antropomorfizado e nada menos do que duas princesas (o que não atrapalhará em nada a venda de bonecas, claro), mas nenhum destes elementos tradicionais soa gratuito ou como mera exploração comercial, justificando amplamente suas presenças na narrativa. Aliás, o prólogo do longa já merece destaque não só pela economia ao nos apresentar aos personagens e ao conflito principal da história, mas também por sua força emocional (que, neste sentido, remete à poderosa introdução de Up): nascida com o poder (maldição?) de criar gelo e neve, a princesa Elsa acaba ferindo Anna, sua irmã caçula, por acidente – e, para salvar a menina, os trolls que moram na floresta são obrigados a apagar a memória da pequena. Anos depois, com o rei e a rainha mortos em um naufrágio, Elsa encontra-se prestes a ser coroada como nova soberana de Arendelle, mas vive isolada – até mesmo da irmã – por temer ferir mais alguém com seus poderes. Quando isso acontece, porém, ela acaba fugindo para as montanhas e congelando o reino por acidente, o que obriga Anna a ir atrás da outra para trazê-la de volta.

Dividindo vários elementos estilísticos com Enrolados (a ponto de parecer se situar no mesmo universo daquela produção), Frozen tem uma identidade visual ao mesmo tempo coerente com aquele filme e suficientemente particular para não soar como cópia, contando com um design de produção magistral que explora com talento o universo branco, cinza e azul imposto pela história para criar cenários inesquecíveis como o castelo de gelo, as florestas congeladas (com suas gotas de orvalho em gelo, reminiscentes de enfeites de Natal) e o imenso lago que sustenta navios surpreendidos pela magia de Elsa. Seria fácil, convenhamos, recair numa estética enfadonha e repetitiva, mas o designer David Womersley parece encontrar sempre novas formas de introduzir algum elemento que destaque cada paisagem em relação às demais, seja através de uma escadaria de gelo, de pontos isolados de verde (no caso do habitat dos trolls) ou das construções de Arendelle. Além disso, é preciso aplaudir a consistência de certas rimas visuais, como a onipresença de padrões que remetem a flocos de neves – começando já pelo vitral que, no imenso salão visto na introdução, permite a passagem de luz no formato exato de um destes fractais.

Neste aspecto, diga-se de passagem, a animação digital da Disney nada deixa a desejar à Pixar (vale lembrar que John Lasseter é diretor criativo do estúdio e produtor executivo de Frozen) – e quando vemos os passos de Elsa sobre o mar se espalhando em fractais roxos e azuis que congelam a água, percebemos como ela literalmente parece difundir gelo com os pés. Da mesma maneira, o trabalho dos animadores com os reflexos nas várias superfícies geladas e com os movimentos dos personagens é exemplar – e ver as mãos de Elsa tremendo enquanto ela estende os braços para pegar a coroa e o cetro é testemunhar um trabalho técnico de qualidade artística indiscutível.

No entanto, nem mesmo a técnica mais refinada seria capaz de criar uma obra eficaz caso não nos importássemos com os personagens – e a relação entre Elsa e Anna é, ao seu próprio modo, a alma de Frozen. Individualizadas não apenas em seus visuais, mas em suas personalidades, as duas irmãs são simultaneamente contraponto e complementos uma da outra, com os cabelos ruivos de Anna refletindo sua natureza impulsiva e apaixonada ao passo que os fios loiros, quase brancos, de Elsa obviamente estabelecem seu poder e a frieza (literal e metafórica) à qual ela se aprisiona para evitar ferir a irmã. Elsa, diga-se de passagem, é uma figura particularmente complexa, já que, com seus perigosos poderes, eventualmente assume o papel de antagonista na narrativa, mas não por ser má ou por ver-se corrompida pela mágoa e pelo isolamento, mas sim por ver-se incapaz de controlar seu dom e por sentir-se finalmente livre ao afastar-se do mundo (e é fantástico que um intenso vermelho surja por trás do gelo quando ela usa a magia num acesso de raiva, simbolizando sua raiva e frustração). Enquanto isso, os personagens secundários são suficientemente desenvolvidos para merecerem nossa atenção, desde o solitário e estoico Kristoff até o boneco de neve Olaf, que parece incapaz de perceber que sua fascinação pelo calor pode representar seu fim.

O mais interessante em Frozen, porém, é a forma com que o filme faz graça com as convenções narrativas do próprio estúdio que o produzido – em particular, com a ideia perigosa, tola e, sim, machista do “amor perfeito”, pelo qual uma mulher deve abrir mão de tudo que julga importante a fim de seguir o homem idealizado que a tornará completa e a fará se tornar uma criatura com função (esposa, mãe, etc). Ao apaixonar-se pelo príncipe Hans, Anna se convence de estar diante do Homem De Seus Sonhos – e, por alguns perigosos minutos, o próprio filme parece investir neste velho clichê – até que vários personagens começam a questionar a estupidez da decisão da garota de se casar com um sujeito que acabou de conhecer (uma postura que Auroras, Brancas de Neve e Cinderellas não hesitaram adotar). Assim, quando eventualmente Frozen parece introduzir outro conceito recorrente no universo Disney (o do “ato de amor verdadeiro”), associando-o ao beijo do homem amado, novamente tememos pela mensagem anacrônica (ou nem tanto: vide Crepúsculos e afins), mas até isto é eventualmente subvertido pelo filme, que defende acertadamente a ideia de haver outros tipos de amor tão autênticos quanto e mais importantes do aquele devotado a um homem.

Ao mesmo tempo, Frozen é capaz de se entregar a outra tradição do estúdio – as sequências musicais – sem que esta surja como uma mera obrigação “corporativa/autoral”, usando as lindas canções de Kristen Anderson-Lopez e seu marido Robert Lopez como forma não só de avançar a história, mas de desenvolver os personagens. Neste aspecto, o tema musical principal do longa se revela mesmo a fabulosa “Let It Go”, que ainda é beneficiada pela inteligência dos dois diretores do projeto, que trazem Elsa inicialmente envolvida em um vestido verde e em uma capa roxa (símbolos de morte, já que ela jamais conseguiu viver com seus dons) apenas para que ela eventualmente se livre daqueles itens e se envolva de azul ao finalmente sentir-se livre - num instante que, para mim, já se encontra entre os mais icônicos da História do estúdio.

Pecando apenas ao trazer um desfecho que nos apresenta a uma solução súbita demais para os conflitos de Elsa, Frozen é uma obra emocionante, divertida e que, vindo logo após Enrolados e Detona Ralph, comprova que as animações com o selo Disney continuam tão inventivas e envolventes quanto na época em que o velho Walt comandava a companhia. Com a vantagem de, agora, mostrar ao seu jovem público feminino que não há qualquer necessidade de esperar pela ação de um príncipe encantado, já que as princesas são perfeitamente capazes de resolver seus próprios dilemas.

Observação: o curta protagonizado por Mickey que é exibido antes de Frozen é igualmente fabuloso, usando a metalinguagem para fazer comentários geniais sobre as diferenças entre o 2D e o 3D, o preto-e-branco e a fotografia em cores e até mesmo as diferenças de frame rate e de razão de aspecto. Só este curta já vale o ingresso em 3D.

Observação 2: há uma curta cena após os créditos finais.

Update: Assisti ao filme uma segunda vez e pude confirmar os problemas na dublagem que já haviam me incomodado da primeira, mas que temi serem responsabilidade do cinema. Não eram. Em vários pontos da projeção, as canções se tornam incompreensíveis em função da mixagem porca do estúdio brasileiro - o que, aliado à adaptação medíocre, que traz versos com métrica completamente equivocada, compromete muito a experiência. Para piorar, Fábio Porchat - embora um ator e comediante talentoso - faz um trabalho muito fraco como dublador (comentei os bastidores da questão aqui). Como se não bastasse, a Disney Brasil ofereceu uma única sessão legendada em todo o país, eliminando, na prática, qualquer possibilidade de escolha por parte dos fãs das animações do estúdio. Absolutamente lamentável.

05 de Janeiro de 2014

 

Confira, abaixo, videocast gravado por Pablo Villaça no qual discute o filme com seus filhos Luca e Nina, de 10 e 5 anos, respectivamente:

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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