Seja bem-vindx!
Acessar - Registrar

Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
29/05/2014 01/01/1970 3 / 5 4 / 5
Distribuidora
Disney

Malévola
Maleficent

Dirigido por Robert Stromberg. Roteiro de Linda Woolverton. Com: Angelina Jolie, Elle Fanning, Sharlto Copley, Imelda Staunton, Juno Temple, Lesley Manville, Brenton Thwaites, Kenneth Cranham, Hannah New, Isobelle Molloy, Vivienne Jolie-Pitt, Sam Riley e a voz de Janet McTeer.

Assinar a direção de um filme não é algo particularmente difícil quando se está trabalhando com um orçamento milionário: basta contratar as pessoas certas para as posições-chave, apontar a câmera mais ou menos na direção dos atores e gritar “Ação!”. A não ser que algum desastre ocorra, você produzirá material suficiente para que um montador competente consiga criar uma narrativa relativamente coesa. Porém, para criar um longa realmente eficiente, capaz de evocar uma atmosfera própria, com ritmo e tom bem definidos, aí, sim, é preciso ser um bom diretor. Infelizmente, isto é algo que Malévola não tem, o que força o filme a depender única e exclusivamente da beleza do design de produção, do razoável roteiro e do carisma de sua protagonista.

Igualmente inspirado pelo conto dos irmãos Grimm e pelo clássico lançado por Walt Disney em 1959, o roteiro escrito por Linda Woolverton (O Rei Leão) funciona tanto como releitura dos eventos narrados na animação quanto como uma prequel desta ao iniciar com a infância de Malévola (Molloy e, posteriormente, Jolie), que, protetora da floresta mágica que cerca o reino e das criaturas que ali habitam, certo dia conhece aquele que virá a ser o futuro rei Stefan (Copley). Com o passar dos anos, eles se apaixonam, mas a ambição do humano o leva a cometer um ato de traição inominável, o que transforma as ações da fada/bruxa ao amaldiçoar Aurora (Fanning) em um ato de vingança em vez de algo motivado por pura maldade. Ainda assim, Malévola (apesar do nome que tem; o que seus pais estavam pensando?!) insiste em acompanhar o crescimento da garota enquanto esta sobrevive às trapalhadas das três fadas incumbidas de protegê-la (Staunton, Temple e Manville), sendo auxiliada em sua vigilância pelo corvo Diaval (Riley, de Control).

Interessante ao reposicionar os personagens com os quais já nos encontrávamos familiarizados (movendo Malévola ao posto de heroína/anti-heroína e o rei ao de vilão) ao mesmo tempo em que se mantém suficientemente coerente com o clássico a fim de permitir que os encaremos como algo pertencente ao mesmo universo, Malévola usa não apenas o roteiro para criar este efeito, mas também seu excepcional design de produção – que, não à toa, é justamente a área de atuação original do diretor estreante Robert Stromberg, que ajudou a criar o visual de filmes como Alice no País das Maravilhas e Avatar, ambos obviamente influentes na abordagem que ele adota aqui. Assim, não só as cores dos figurinos das fadinhas se mantêm respeitosas às da animação como também o visual barbado e longilíneo do rei Stefan, a figura escura e com ângulos fortes de Malévola, a floresta de espinhos e assim por diante.

Criando um mundo fabulesco a partir da utilização de cores fortes e vibrantes que podem ser apreciadas principalmente enquanto a fotografia do veterano Dean Semler não as mergulha nas sombras que tomam conta da tela a partir do segundo ato, o design de produção nos apresenta a imagens arrebatadoras, como o bosque cheio de vida em volta de um plácido lago, as extensas paisagens observadas por um sol que parece espalhar seus raios não como luz, mas como uma névoa brilhante, e, claro, as criaturas mágicas que, com seus olhos grandes e feições expressivas, parecem ter sido diretamente inspiradas pelos bonecos de Jim Henson (especificamente aqueles vistos em Labirinto). Envolvente não só em seus elementos grandiosos, mas também em seus detalhes (como as borboletinhas azuis que parecem incapazes de deixar em paz uma das fadas), Malévola é tecnicamente impecável – e a maquiagem concebida para Angelina Jolie, que consegue reproduzir as maçãs do rosto afiadas de sua versão animada, deixando-a com um aspecto ameaçador sem sacrificar sua beleza, é algo certamente digno de prêmios.

Aliás, observem também como os figurinos da protagonista mudam ao longo da projeção: embora jamais particularmente alegres, eles claramente passam por uma transformação em direção ao sombrio após a traição de Stefan, retornando ao seu tom original no instante em que Malévola percebe amar a criança que amaldiçoou (ainda assim, para não prejudicar a coesão com o visual da animação, ela volta ao preto logo depois, o que sacrifica um pouco a lógica narrativa em prol da ligação com o clássico, o que é uma pena). Da mesma maneira, o tom de verde empregado para ilustrar sua magia é aquele normalmente associado ao conceito de morte e destruição (vide o cabelo do Coringa e, ora, boa parte das animações Disney, que desde Branca de Neve ajudaram a reforçar este simbolismo). E, finalmente, reparem como, por mais escura que seja a floresta dominada por Malévola, o castelo do rei Stefan consegue surgir ainda mais mergulhado em sombras, evidenciando sua influência negativa e comprovando seu posto de vilão da narrativa.

E, claro, os méritos por esta abordagem visual também devem ser atribuídos ao diretor (que, repito, veio do design de produção). No entanto, se acerta na estética, Robert Stromberg falha no resto – especialmente ao jamais conseguir construir um tom de risco em uma narrativa que exigia isto. Em nenhum instante tememos de fato pelo destino dos personagens ou acreditamos que possam ser destruídos – e percebam que seria facílimo convencer o espectador de que algo terrível aguarda Malévola, já que temos o destino da personagem na animação em nossas mentes. Assim, se o cineasta falha no que é mais simples, imaginem quando tem em mãos uma tarefa mais complicada como conceber o ritmo e a tensão da sequência-chave do longa: a concretização da maldição sobre Aurora. Ali, não só Stromberg fracassa vergonhosamente em criar a atmosfera de urgência que precede o espetar do dedo na roca como ainda faz uma bagunça completa na cronologia da narrativa: em um momento, faltam dois dias para o aniversário; de repente, já estamos na véspera quando, opa!, o sol se põe e percebemos que deveríamos ter temido o fato de já estarmos no dia da maldição há horas. Como se não bastasse, mal Aurora cai em sono profundo e uma solução já se apresenta, desperdiçando o trabalho feito pelos dois primeiros atos que precederam o incidente.

Mas não é só isso: em dois ou três momentos, fica patente que estamos vendo planos em câmera lenta que não foram concebidos como tais, dependendo de uma pavorosa repetição de frames para que possam atingir o efeito desejado e evidenciando, mais uma vez, a falta de planejamento do diretor. Além disso, Stromberg basicamente limita seus quadros a dois tipos: gerais, para que vejamos a beleza dos cenários reais e digitais; e primeiros planos, para que vejamos a perfeição do rosto de Angelina Jolie (e, com menos frequência, o igualmente belo rosto de Elle Fanning). Assim, saltamos de paisagens a closes e de closes a paisagens durante toda a projeção, sacrificando o potencial estético e narrativo de um universo repleto de possibilidades.

Sim, no processo podemos acompanhar Angelina Jolie percorrendo um arco dramático interessante (e gosto principalmente de como consegue chamar Aurora de “praga” em um tom relutantemente afetuoso), Elle Fanning sendo adorável como uma Aurora que parece incapaz de parar de sorrir e, claro, Sharlto Copley mais uma vez provando que, perto dele, Nicolas Cage é um ator até sutil. Também somos presenteados com a bela trilha de James Newton Howard, que concebe temas que sugerem certa tensão sem jamais sacrificarem a ideia de que tudo aquilo é muito divertido, e com um roteiro que, mesmo falho, desenvolve personagens femininas fortes que – seguindo a tendência já evidenciada por Valente e Frozen – não se rendem às convenções machistas dos “filmes de princesa”, optando por heroínas perfeitamente capazes de se defenderem e que jamais dependem dos homens que as cercam.

Faltou apenas um diretor que conseguisse converter todos estes elementos em um novo clássico.

31 de Maio de 2014

Curiosidade engraçadinha: a menininha que vive Aurora aos 4 anos e pede colo a Malévola é vivida por Vivienne Jolie-Pitt. Adivinhem quem é?

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

Para dar uma nota para este filme, você precisa estar logado!