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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
06/01/2012 01/01/1970 2 / 5 3 / 5
Distribuidora
Disney
Duração do filme
146 minuto(s)

Cavalo de Guerra
War Horse

Dirigido por Steven Spielberg. Com: Jeremy Irvine, Peter Mullan, Emily Watson, David Thewlis, Niels Arestrup, Tom Hiddleston, Celine Buckens, David Kross, Leonhard Carow, Nicolas Bro, Eddie Marsan, Liam Cunningham, Robert Emms, Toby Kebell, Hinnerk Schönemann, Geoff Bell.

Juntando-se a Amistad e a A.I. – Inteligência Artificial na trilogia “Chore ou te mato” de Steven Spielberg (e que conta ainda com a pavorosa cena final de A Lista de Schindler em que Liam Neeson se arrepende por não ter vendido anéis, roupas e camisinhas usadas para salvar mais pessoas, quase arruinando aquele ótimo filme), Cavalo de Guerra traz o diretor em um de seus momentos mais melodramáticos e artificiais – e seu desespero para levar o público às lágrimas é tamanho que chega a espantar que não tenha lançado uma versão em “4D” durante a qual uma bomba de gás lacrimogênio é arremessada na plateia.

Forçando a mão do início ao fim da projeção, o cineasta já abre a narrativa com planos aéreos que descortinam um vale paradisíaco no qual um potrinho nasce diante dos olhos encantados do jovem Albert (o estreante e inexpressivo Irvine), que – vejam só que coincidência mágica! – meses depois acaba descobrindo que seu pai (Mullan) pagou uma pequena fortuna pelo cavalo em um leilão mesmo sem ter condições financeiras para tanto e precisando na realidade de outro tipo de animal para arar seus campos. Estabelecendo uma forte amizade com o personagem-título, Joey, o rapaz fica naturalmente abalado quando o pai decide vender o amigo para um militar britânico, que o leva para a guerra recém-declarada com a Alemanha. A partir daí, Joey salta de um dono a outro enquanto Albert tenta manter sua promessa de voltar a encontrá-lo – e, no processo, John Williams martela o espectador durante toda a história com uma trilha genérica que faz a mais absoluta questão de ressaltar cada alteração no tom da narrativa, do drama à tensão, passando pelos instantes engraçadinhos e por aqueles nos quais Spielberg parece nos encarar por trás da tela com os olhos gigantes do Gato de Botas tentando nos comover.

Inspirado no livro de Michael Mopurgo, o roteiro de Lee Hall (Billy Elliot) e Richard Curtis (Simplesmente Amor) não consegue contornar o caráter episódico da história, vendo-se obrigado a nos apresentar a novos personagens e a novas circunstâncias a cada 20 ou 30 minutos, quando, então, apela para diálogos expositivos e criaturas unidimensionais para ganhar um tempo do qual não dispõe. Assim, temos “os irmãos desertores”; “o avô superprotetor e a neta sonhadora”; “o militar generoso e de bom coração”; “o tratador de cavalos que ama os animais”; “o comandante que encara os bichos como ferramentas descartáveis”; “o proprietário de terras ganancioso e explorador”; e assim por diante. Para facilitar nossa identificação com aquelas pessoas, Spielberg procura, como é natural, escalar rostos marcantes ou no mínimo já nossos conhecidos e que assim tragam alguma bagagem emocional de outras produções – mas por melhores que sejam, não há muito que Emily Watson, Eddie Marsan, David Thewlis e Niels Arestrup possam fazer com personagens tão rasos e situações tão clichês.

Da mesma maneira, os diálogos jamais apresentam uma sonoridade ou uma construção acima do minimamente funcional, encarregando-se, na maioria das vezes, apenas de passar informações diretamente relacionadas ao que está acontecendo ou de lembrar (desnecessariamente) o espectador sobre determinados incidentes – como no instante em que alguém diz para (sim) Joey, o cavalo: “Quem te ensinou isso acaba de salvar sua vida” ou, ainda pior, no momento em que a guerra é anunciada e um figurante informa que os sinos das igrejas só voltarão a tocar quando esta for encerrada (levando, obviamente, a outra cena, duas horas depois, na qual outro personagem avisa que – duh! – os repiques sacros poderão ser ouvidos em alguns minutos). Mas o que esperar de um roteiro no qual todos os personagens parecem girar em torno do que ocorre com um cavalo e seu dono, chegando ao ponto de parar o funcionamento de toda a vila para que possam ver se estes conseguirão arar um pequeno campo sob o sol e a chuva?

Tecnicamente admirável (embora muitos dos planos mais fechados que trazem imagens externas ao fundo sugiram bastante o green screen), a fotografia do veterano Janusz Kaminski evoca a atmosfera épica, clássica, obviamente desejada por Spielberg – e dos vales ensolarados às trincheiras mergulhadas nas sombras, Kaminski faz pelo filme seu melhor, usando as luzes e as cores com expressividade e inteligência. Cavalo de Guerra, aliás, é repleto de planos plasticamente memoráveis – como aquele levemente inclinado que observa Peter Mullan através de uma cerca, lançando sementes no chão em contraluz, e um outro que, a partir de um ângulo alto, aguarda a passagem da pá de um moinho para ocultar um instante particularmente chocante. Além disso, as sequências de guerra trazem um imediatismo e um realismo já esperados do diretor de O Resgate do Soldado Ryan, mesmo que as passagens nas trincheiras inevitavelmente acabem remetendo a Nada de Novo no Front e a Glória Feita de Sangue (não que isto seja um problema). Na realidade, os melhores instantes de Cavalo de Guerra são aqueles que envolvem os confrontos e os riscos assumidos pelos personagens – e é particularmente memorável a longa corrida de Joey ao lado das trincheiras e sobre estas (aliás, com o cavalo digital mais convincente que já vi) e que resultam numa cena que oscila entre o pesadelo e o tocante. Para completar, Spielberg e seu velho montador Michael Kahn executam uma transição especialmente bela envolvendo a fusão entre o crochê de Emily Watson e uma plantação – o que me fez lembrar de outra fusão espetacular vista recentemente no ainda inédito no Brasil Meek’s Cutoff.

Claro que eventualmente Spielberg retorna ao óbvio e ao artificial para garantir a reação esperada do público – e pude contar ao menos quatro ou cinco primeiros planos de Peter Mullan nos quais o pobre ator é obrigado a evocar algum tipo de reação confusa a diferentes incidentes enquanto move os olhos de um lado para o outro encarando a distância. Como se não bastasse, em determinados pontos o cineasta parece se esquecer de estar dirigindo Cavalo de Guerra e mostra-se prestes a abraçar uma abordagem A Menina e o Porquinho, focando sua câmera nas reações de cavalos e até mesmo gansos – e confesso que, em certo instante, esperei um voice over da ave comentando a situação que testemunhava.

Porém, a cena que sintetiza a mão pesada e a pura incapacidade de Spielberg de deixar que o público pense sozinho sobre o que está vendo é aquela em que dois soldados inimigos se unem momentaneamente para ajudar Joey: se inicialmente os modos reservados e silenciosos de ambos evocam uma humanidade tocante que se sobrepõe aos seus receios naturais impostos pelo contexto da guerra, eventualmente o diretor não se controla e passa a enfocá-los trocando confidências, piadinhas, provocações divertidas até que, claro, possam dizer em alto e bom som o título do filme. Duas vezes.

Inventando obstáculos tolos que garantam mais algumas lágrimas arrancadas a fórceps dos pobres olhos torturados de seu público (como explicar a tolice do leilão ao fim e a conversa entre os dois ex-donos de Joey – um deles, atraído pela notícia de um “cavalo milagroso”?), Spielberg finalmente revela suas pretensões John Fordianas/Victor Flemingianas em sua derradeira cena, que parece tentar combinar Rastros de Ódio e ...E o Vento Levou numa única imagem icônica que, de tão cuidadosamente composta, surge mais como uma referência vazia do que como algo dotado de algum significado próprio. Sim, sabemos que a família e a lealdade são o contraponto à guerra, que “tira tudo de todos” (como vários personagens dizem repetidamente ao longo da projeção), mas o diretor não precisava de 140 minutos e de criar uma sequência final no Photoshop para transmitir esta mensagem.

Sem lançar um longa memorável desde 2005, quando nos ofereceu o soberbo Munique, é melhor que Steven Spielberg acerte em seu As Aventuras de TinTim – ele é talentoso e experiente demais para ficar tanto tempo mergulhado na mediocridade.

07 de Janeiro de 2012

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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