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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
02/09/2011 01/01/1970 4 / 5 / 5
Distribuidora

O Homem do Futuro
O Homem do Futuro

Dirigidopor Cláudio Torres. Com: Wagner Moura, Alinne Moraes, Fernando Ceylão, GabrielBraga Nunes, Maria Luisa Mendonça, Rodolfo Bottino, Gregório Duvivier, RogérioFróes.

Em 2004, quando assisti a Redentor, filme de estreia do cineasta Cláudio Torres, tive a certeza de estar testemunhando o surgimento de um grande realizador: tratava-se de um longa que, flertando com diversos gêneros, navegava com segurança em seus temas e surpreendia com seu visual estilizado e sua abordagem irreverente. Assim, foi com imensa decepção que conferi o trabalho seguinte do diretor, A Mulher Invisível, que, além de tolo e previsível, trazia uma linguagem típica de televisão, apelando também para o humor fácil enquanto tentava despistar sua fragilidade através da beleza estonteante da personagem-título. Felizmente, O Homem do Futuro comprova a minha impressão inicial acerca de Torres: envolvente, bem construído e tocante, o filme escrito e dirigido pelo filho de Fernanda Montenegro e irmão de Fernanda Torres é mais uma evidência de que o talento realmente corre no sangue de uma família que também contava com o belíssimo (e saudoso) ator Fernando Torres, pai do realizador.


Protagonizado por Wagner Moura, o projeto gira em torno de João “Zero”, um físico solitário e deprimido que, depois de ter sido humilhado por sua única grande paixão em uma festa da faculdade, há 20 anos, leva uma existência calcada no ressentimento e no desejo de alcançar um sucesso que sempre parece abandoná-lo. Certa noite, auxiliado pelo melhor amigo – e também físico – Otávio (Ceylão), Zero liga a máquina que, supõe, garantirá sua riqueza como nova fonte de energia sustentável, mas, para seu espanto, esta se revela capaz de abrir uma ponte para o passado, levando-o até a traumática noite na qual a bela Helena (Moraes) o trocou pelo playboy Ricardo (Nunes). Decidido a aproveitar a oportunidade, o sujeito tenta alterar os acontecimentos, dando início a uma série de incidentes que se revelam catastróficos.

Obviamente inspirado no espanhol Los cronocrímenes, de Nacho Vigalondo (ou isso ou trata-se de uma coincidência espantosa), o roteiro supera aquele bom trabalho ao conseguir construir uma trama mais complexa que, de quebra, adiciona humanidade à intrigante estrutura circular exigida pela narrativa. Homenageando de maneira sutil e divertida grandes exemplares do gênero “viagem no tempo” (como De Volta para o Futuro e O Exterminador do Futuro), o filme também explora o potencial desse tipo de história ao desenvolver paradoxos, revisitar cenas a partir de pontos de vista diferentes e ao permitir que seus personagens modifiquem suas ações enquanto tentam atingir resultados diferentes. E se o primeiro ato peca pelos diálogos excessivamente expositivos (e ruins, sejamos honestos), eventualmente estes se tornam mais orgânicos e naturais, oferecendo informações relevantes sem se tornarem muito artificiais.

Enquanto isso, Cláudio Torres nos faz esquecer os planos deselegantes e mais apropriados à televisão vistos em A Mulher Invisível ao estabelecer uma lógica visual eficaz e direta – e observem, por exemplo, como ele repete os quadros que trazem Zero despertando em realidades alternativas a fim de salientar as diferenças bem estabelecidas pela boa direção de arte de Yurika Yamasaki. Da mesma maneira, o cineasta mantém controle absoluto sobre a narrativa mesmo ao construir sequências envolvendo versões diferentes dos mesmos personagens agindo de forma independente, contando, para isso, com a montagem ágil e inteligente de Sérgio Mekler (dos ótimos Mutum, Casa de Areia e O Homem do Ano). Sim, aqui e ali o longa soa desajeitado – como na fraca cena que traz Zero descobrindo ter viajado para o passado -, mas estes momentos de fragilidade são mais do que compensados por outros inspiradíssimos (como aquele em que o protagonista tenta se identificar para o amigo Otávio, durante um julgamento).

A competência técnica de O Homem do Futuro, aliás, aplica-se também a um aspecto no qual as produções brasileiras costumam falhar com frequência: os efeitos visuais. Totalmente satisfatórios tanto em seus instantes mais óbvios (as “desmolecularizações”) quanto nos mais sutis (o imenso prédio que abriga a empresa “Homem do Futuro”), eles jamais deixam de ser convincentes – e os planos que trazem versões diferentes de Zero interagindo poderiam facilmente ter derrubado o longa caso não funcionassem. E se a fotografia de Ricardo Della Rosa exagera nos flares em alguns flashbacks (até J.J.Abrams os consideraria excessivos), de modo geral também se apresenta eficaz, contrapondo os tons frios do cotidiano de Zero às cores quentes das sequências na festa à fantasia, que, afinal, representa o momento-chave de sua vida. Em contrapartida, a trilha sonora instrumental se estabelece como o único elemento que fracassa completamente no longa, insistindo em temas engraçadinhos mesmo quando os acontecimentos na tela exigiriam uma abordagem mais sóbria ou mesmo sombria – como no instante em que Otávio confronta o amigo com uma arma, numa cena importante e claramente dramática que, justamente por sua força e peso, ressalta a leveza do filme que a cerca.

Pois se O Homem do Futuro funciona tão bem é porque nos importamos com seus personagens, jamais os encarando como figurinhas bobas de uma comédia tola – e mesmo sendo capaz de arrancar risos do espectador, o filme sempre leva aqueles indivíduos a sério. Sim, Otávio (vivido pelo divertido Fernando Ceylão) pode nos fazer rir com sua confusão diante dos acontecimentos, mas quando lamenta a traição sofrida ou o amor que nunca se concretizou, sentimos seu sofrimento – e é isto que o torna importante e querido para o público, que torce por ele em vez de descartá-lo como apenas um coadjuvante cômico. Da mesma maneira, Alinne Moraes, com sua beleza e carisma, se estabelece como um objetivo digno de ser perseguido através das décadas – e mesmo que a princípio seu interesse pelo protagonista soe artificial e abrupto demais (um erro do roteiro, não da atriz), eventualmente compreendemos suas motivações e admiramos a complexidade de sua composição.

Mas é claro que a maior parte da responsabilidade pelo sucesso do filme cabe a Wagner Moura, um ator que jamais deixa de encantar e surpreender - mesmo que sua muleta de interpretação clássica, os olhos lacrimejantes acompanhados de um rápido piscar, aqui esteja em força total. Extremamente hábil ao construir as diferentes versões de seu personagem, ele demonstra inteligência ao contrapor a insegurança gaguejante do jovem Zero à dureza fria e rancorosa de sua versão adulta, culminando numa serenidade inquestionável e comovente que surge como resultado natural de suas experiências ao longo da narrativa. Além disso, se acreditamos em sua obsessão por Helena, isto se deve em grande medida ao olhar encantado, apaixonado, que Zero lança à garota – e o resultado é que o sujeito se torna uma figura tridimensional cujas ações no terceiro ato soam convincentes e dignas de um verdadeiro herói.

Com uma trilha incidental impecável que vai de Legião Urbana a INXS, passando por Radiohead e R.E.M., O Homem do Futuro é um filme tocante e doce que diverte sem soar trivial. E – mais importante – que prova que Redentor não foi um mero acidente; Cláudio Torres merece mesmo nossa atenção.

02 de Setembro de 2011

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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