Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
26/02/2010 | 01/01/1970 | 2 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Dirigido por Nancy Meyers. Com: Meryl Streep, Alec Baldwin, Steve Martin, John Krasinski, Lake Bell, Hunter Parrish, Zoe Kazan, Caitlin Fitzgerald, Rita Wilson, Mary Kay Place.
Nancy Meyers e Nora Ephron são duas cineastas que investem num nicho particular: comédias românticas dirigidas ao público feminino superior à faixa dos 40 anos de idade. Porém, enquanto a segunda já foi responsável por ao menos dois belíssimos filmes do gênero (Harry & Sally, que roteirizou, e Sintonia de Amor, que escreveu e dirigiu), a primeira alcançou seu auge criativo como co-roteirista da refilmagem de O Pai da Noiva, que, apesar de eficiente, deve muito ao seu ex-marido Charles Shyer, que comandou o projeto e o co-escreveu. Já como diretora e autora-solo, Meyers realizou uma série de besteiras sem graça ou peso algum, começando com Operação Cupido e passando por Do que as Mulheres Gostam, Alguém Tem que Ceder e O Amor Não Tira Férias – e coincidentemente, em 2009 ambas as diretoras trouxeram Meryl Streep como protagonista de seus projetos e encarnando uma cozinheira profissional: Ephron, no mediano Julie & Julia, e Meyers, nesta sua mais recente bobagem.
Rebatizado no Brasil como Simplesmente Complicado com o claro (e mal intencionado) propósito de associá-lo ao excelente Simplesmente Amor, o longa traz Streep como Jane Adler, dona de uma confeitaria bem-sucedida, mãe de três filhos já crescidos e ex-esposa do advogado Jake (Baldwin), com quem mantém uma relação semi-amistosa. Divorciada há dez anos, ela finalmente começa a se sentir livre da relação e cogita a possibilidade de se envolver com o arquiteto Adam (Martin) – até que, durante a festa de formatura de seu filho Luke, ela acaba indo para a cama com o ex-marido. Surpresa por ter se transformado em amante de Jake (que a havia deixado justamente para se casar com outra mulher), Jane se vê dividida entre os dois homens e...
... o resto é uma novela de Manoel Carlos. Aliás, como o autor da Globo, Meyers também adora escrever histórias sobre pessoas ricas que enfrentam dilemas emocionais, como se quisesse sempre provar que “rico também é gente”. Assim, Simplesmente Complicado já tem início numa festa que ocorre numa belíssima propriedade com vista para o mar e traz personagens que ocupam ambientes amplos e luxuosos construídos em terrenos aparentemente sem fim (Jane, por exemplo, parece não ter vizinhos). Porém, se a Globo ao menos insiste em incluir alguns núcleos narrativos dominados por figuras que fujam da definição “branco rico”, Meyers não tem o menor interesse em retratar a diversidade: seus filmes são invariavelmente ocupados por seus “pares”, ignorando a existência de qualquer etnia diferente da sua (os dois ou três latinos vistos ao longo da projeção são, claro, funcionários de Jane – e os negros parecem ter sido banidos do universo). Sim, o enteado de Jake se chama “Pedro” e sua esposa é mais morena do que a média do restante do elenco, mas também são vistos como criaturas excêntricas e, convenhamos, simplesmente irritantes.
Neste sentido, aliás, Nancy Meyers talvez mereça créditos por construir uma filmografia com voz própria, mas, infelizmente, esta “voz” é profundamente limitada em alcance e profundidade. Interessada em escrever apenas sobre variações de si mesma e de sua vida encantada, a cineasta concebe personagens que falam sobre viagens à Toscana e a Paris e que provam sua “sofisticação” ao manifestarem interesse por festivais de “filmes franceses”. Não é à toa, aliás, que o design de produção de todos os trabalhos de Meyers trazem a mesmíssima abordagem nouveau riche, revelando a superficialidade da própria diretora. Da mesma maneira, a fantasia feminina (não feminista, já que Meyers encara seu próprio sexo como um apanhado de neuroses e carências) de Simplesmente Complicado inclui até mesmo a obrigatória rodinha de amigas que existem apenas para rir do “ex” da protagonista e para aconselhá-la, sumindo assim que cumprem esta função – e reparem que, embora supostamente grandes amigas de Jane, as tais mulheres (entre as quais Rita Wilson, “melhor amiga” profissional desse tipo de produção) não são vistas nem mesmo nas comemorações da formatura do filho desta, o que me leva a crer que talvez sejam figuras imaginárias criadas por Jane para apoiá-la quando necessário. Ok, talvez não por Jane, mas certamente por Nancy Meyers.
Dito isso, Simplesmente Complicado tem suas virtudes: é interessante, por exemplo, notar como Alec Baldwin e Meryl Streep conseguem retratar com competência a dinâmica confortável que seus personagens estabelecem quando voltam a se envolver – algo natural num casal que passou quase duas décadas junto. Da mesma forma, é surpreendente perceber como o dilema vivido por Baldwin acaba se estabelecendo como o mais complexo e crível da narrativa, já que se torna fácil perceber como um homem como aquele pode, ao mesmo tempo, se sentir tentado a reatar a velha relação com a ex-esposa ao mesmo tempo em que permanece preso à família atual – e o olhar do ator ao se despedir enquanto vê Jane e os filhos em volta da mesa comove por ilustrar bem sua vontade de poder se sentir parte daquele grupo. Em contrapartida, Meyers exibe um mau-caratismo imenso na concepção do personagem Pedro: por um lado, faz questão de estabelecer que o menino não é filho biológico de Jake, embora este praticamente o tenha criado desde o berço (com isso, parece sugerir que ele não agirá de forma “errada” ao abandoná-lo, o que é reforçado pelo fato do garoto ser chatíssimo; por outro, não deixa de usar a criança como muleta dramática numa única cena em que Jake demonstra hesitação justamente por sentir carinho pelo enteado (algo ignorado nas cenas seguintes).
Este padrão de abandonar linhas narrativas ou facetas de personagens, aliás, é padrão nos roteiros de Meyers: em certo instante, por exemplo, percebemos como o divórcio de Jane e Jake ainda afeta seus três filhos quase adultos, mas, na cena seguinte, a diretora força a mão ao mostrá-los excessivamente infantilizados enquanto dividem a mesma cama. O exagero, vale dizer, também se apresenta na longa cena da festa, já que, aparentemente julgando que a idéia de mostrar três indivíduos de meia-idade afetados por um baseado seria algo formidável, a cineasta estende a seqüência por um tempo interminável – e sem jamais conseguir criar uma gag minimamente interessante, o que chega a ser uma proeza. E o que dizer do momento em que Jake e Jane vão para a cama e que é seguido de maneira óbvia por um plano em que um regador se ergue no jardim e passa a disparar água em todas as direções – algo que se tornou batido desde que foi exposto como piada barata em Corra que a Polícia Vem Aí? (Ainda assim, a fala de Alec Baldwin logo após a primeira noite com a ex-esposa é, desde já, o momento mais inspirado da produção.)
Trazendo uma Meryl Streep que, mesmo carismática como sempre, tropeça no excesso de risadinhas adolescentes da personagem, Simplesmente Complicado ao menos é consistente em sua mediocridade, errando até o último instante: se poderia terminar numa nota agridoce e até mesmo madura em uma cena que traz dois personagens num balanço, Nancy Meyers não resiste à tentação de se entregar ao água-com-açúcar uma última vez e inclui uma cena desnecessária, artificial e tola como a própria visão de mundo da diretora.
E eu não me espantaria caso seu livro de cabeceira fosse Crepúsculo.
26 de Fevereiro de 2010
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