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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
04/09/2009 01/01/1970 4 / 5 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
96 minuto(s)

Up - Altas Aventuras
Up

Dirigido por Pete Docter, Bob Peterson. Com as vozes de Ed Asner, Christopher Plummer, Jordan Nagai, Bob Peterson, Delroy Lindo, John Ratzenberger, Elie Docter e (na versão brasileira) Chico Anysio.

Um filme não precisa levar o espectador às lágrimas para ser bom: é bastante improvável, por exemplo, que alguém tenha chorado ao assistir a obras como O Informante, Tropa de Elite, Operação França ou O Exorcista, mas não há dúvidas de que se tratam de longas excepcionais. Por outro lado, é igualmente improvável que alguém se emocione ao assistir a um filme ruim, já que a capacidade de envolver o público emocionalmente é algo que exige no mínimo alguma habilidade – e no caso de um estúdio como a Pixar, celeiro de grandes talentos, não faltam exemplos de obras capazes de levar aos prantos até mesmo o mais durão dos cinéfilos. Ao longo dos anos, por exemplo, fui tocado pelas lembranças da cowgirl Jessie em Toy Story 2, pelo “Gatinho!” final de Monstros S.A., pelo flashback sensorial de Anton Ego em Ratatouille e pela devoção irrestrita de Wall-E por Eva. Ainda assim, confesso que fiquei surpreso ao perceber que já estava chorando apenas dez minutos depois do início de Up – Altas Aventuras, novo trabalho da empresa.

Co-escrito pelos diretores Pete Docter e Bob Peterson a partir de uma história criada por estes ao lado de Thomas McCarthy, Up tem início com uma seqüência absolutamente comovente que, em poucos minutos, retrata a bela história de amor entre Carl Fredricksen (Asner no original; Anysio na versão brasileira) e Ellie, da infância à velhice. Com uma economia narrativa extremamente elegante, esta introdução retrata, quase sem diálogo algum, a rotina de um casal que, sonhando com uma viagem para a América do Sul e com uma casa cheia de bebês, é obrigado a se adequar à realidade à medida que as dificuldades e decepções do cotidiano se atiram em seu caminho – e quando esta seqüência chega ao fim, não apenas o filme já conquistou e emocionou o público como ainda estabeleceu, de forma incrivelmente eficiente, as motivações e a personalidade do interessante protagonista.

O brilhantismo da Pixar, aliás, já pode ser comprovado na maneira segura e inteligente com que a narrativa é conduzida: cientes de que a introdução provavelmente mergulharia o público numa atmosfera melancólica, os cineastas imediatamente quebram este clima com uma pequena gag visual, quando Carl, levantando da cama, estala a coluna enquanto procura esticar o corpo – e o contraste entre este breve momento de humor e a triste cena que viera imediatamente antes já estabelece Up como um filme capaz de oscilar com talento entre a dor e a alegria. Além disso, logo em seguida Docter e Peterson introduzem um importante elemento que também servirá de ponto de referência para o público mais jovem: o pequeno escoteiro Russell (Nagai), que, por acidente, acaba embarcando com Carl em uma longa viagem. Exibindo a curiosidade e a energia típicas de uma criança, Russell se encarrega de tornar a trama mais leve com seu constante falatório (qualquer pai se identificará com o desespero de Carl diante da tagarelice do menino) e com sua espontaneidade sincera (“Você está vivo ainda?”). Isto não quer dizer, contudo, que o velho protagonista não seja capaz de provocar o riso – algo fácil de constatar em outra rápida gag envolvendo um sapo que é confundido com um despertador.

Com um apuro técnico típico das produções Pixar, Up representa a primeira incursão do estúdio à tecnologia 3D – e não é à toa que o filme já começa com uma brincadeira metalingüística ao exibir imagens “de arquivo” que, através do recuo da câmera, se revelam como cenas projetadas em uma tela de cinema, estabelecendo uma ligação entre o mergulho daquela platéia e o nosso próprio em nossas respectivas telonas. Dito isso, os diretores jamais utilizam o 3D como um fim em si mesmo, empregando o recurso apenas como um complemento da ação – e, assim, em vez de confiarem em objetos que parecem saltar em direção ao espectador, Docter e Peterson preferem depositar suas energias no belo design de produção, como ao conceberem um dirigível cujo exterior convencional acaba surpreendendo por abrigar um ambiente interno cujos corredores estreitos acabam se abrindo para espaços impossivelmente amplos. Da mesma maneira, o visual dos personagens revela-se uma atração à parte, desde o rosto quadrado de Carl, que se contrapõe ao seu nariz impecavelmente redondo, até a fisionomia do vilão Charles Muntz (Plummer), claramente inspirada no rosto inconfundível de Kirk Douglas. (Além disso, reparem como a barba do protagonista começa a despontar com o passar do tempo, num cuidadoso detalhe que serve como típico exemplo daquilo que separa a Pixar das demais empresas de animação computadorizada.)

A animação dos personagens, diga-se de passagem, representa um espetáculo à parte: reparem, por exemplo, o olhar inseguro e amedrontado de Carl ao perceber que Russell está prestes a fornecer uma informação importante a Muntz e notem, também, a mão trêmula do protagonista enquanto este tenta usar uma chave para cortar os fios que amarram balões à sua casa. Aliás, a velhice de Carl surge como um dos grandes atrativos de Up: triste, desiludido e cansado, este é o típico personagem que prenuncia um belo arco dramático – e como é bom constatar que Chico Anysio, um dos melhores atores que o país já produziu, continua fabuloso ao se mostrar capaz de transmitir uma infinidade de emoções apenas com o uso de sua voz. E já que falei de vozes, a decisão de empregar um timbre inesperado na composição da fala de um ameaçador doberman é um dos grandes acertos do filme, que também ganha pontos graças ao carisma infantil do cãozinho Dug (Peterson), que, com a entrega típica de cães e crianças, não hesita em declarar seu amor incondicional a uma pessoa que acabou de conhecer.

Ainda assim, Up tem seus problemas óbvios, o que é uma pena – e o mais decepcionante destes diz respeito à forma pouca imaginativa com que os diretores concebem as “locações” do filme: se inicialmente poderíamos supor que o tal Paraíso sonhado por Carl e Ellie se revelaria um lugar de tirar o fôlego, logo somos obrigados a constatar que este não passa de um ambiente rochoso e sem vida, desperdiçando a chance que o longa teria de nos deslumbrar visualmente (e, neste aspecto, Up é um dos trabalhos mais burocráticos da Pixar). Como se não bastasse, a relação entre Carl e Russell soa esquemática, tornando-se ainda mais artificial em função da maneira confusa e clichê com que o roteiro retrata os problemas que o garoto enfrenta com o pai. E o que posso dizer sobre o destino do malvado Muntz, que segue o mesmo caminho batido de tantos outros vilões da Disney?

Por outro lado, Up mantém a tradição da Pixar de usar suas histórias leves para abordar temas surpreendentemente adultos – e aqui talvez o estúdio ataque um dos mais difíceis deles: a expectativa do ser humano diante dos próprios sonhos e da perda. Ao tentar cumprir o que havia prometido a Ellie, Carl está obviamente buscando resgatar a proximidade que tinha com a esposa, como se chegar às Cataratas do Paraíso (nome significativo, este) pudesse trazer algum tipo de conforto à sua perda – e ao constar que sua solidão e sua dor permanecem imutáveis, o protagonista não tem outra saída a não ser a de continuar vivendo. Aliás, me pergunto se os pais que acompanharão seus filhos ao cinema perceberão a mensagem secular da narrativa, já que não há, aqui, o conforto de espíritos ou mesmo de meras fantasias; a Carl restam apenas suas memórias e o impulso de criar novas lembranças antes que ele também parta definitivamente.

Unindo-se a O Túmulo dos Vagalumes e a O Rei Leão na lista de animações capazes de levar os adultos a infindáveis lágrimas, Up – Altas Aventuras é mais um exemplo de como a Pixar consegue construir, digitalmente, aquilo que a maior parte dos realizadores contemporâneos falha em criar com atores reais: histórias e personagens repletos de humanidade e doçura.

Observação: Neste filme, o estúdio de John Lasseter apresenta sua nova vinheta oficial, que agora traz o abajurzinho Luxo Jr. saltando em 3D.

03 de Setembro de 2009

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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