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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
24/09/2010 01/01/1970 4 / 5 / 5
Distribuidora

Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme
Wall Street: Money Never Sleeps

Dirigido por Oliver Stone. Com: Michael Douglas, Shia LaBeouf, Carey Mulligan, Josh Brolin, Susan Sarandon, Eli Wallach, Frank Langella, Austin Pendleton, Vanessa Ferlito, Sylvia Miles, Oliver Stone.

Quando Wall Street chegou aos cinemas, em 1987, a sociedade norte-americana (e o mundo, de modo geral) estava começando a se dar conta dos excessos e da perversidade da natureza do mercado da especulação financeira: naquele mesmo ano, Tom Wolfe lançou seu fascinante livro A Fogueira das Vaidades e a expressão “Mestre do Universo” passou a ser associada não só ao He-Man (desculpem, sou filhote da época), mas aos grandes traders do mercado de ações. E se, por um lado, as atitudes implacáveis destas criaturas enojavam e chocavam o cidadão comum, que mal conseguia compreender a lógica por trás daquele mundo, por outro fascinavam justamente pelos excessos e – sejamos honestos – por nos apresentarem a personagens que se tornavam sedutores pela confiança e até mesmo pela total entrega ao único deus no qual acreditavam, o Dinheiro. Um deus cujo único mandamento foi resumido à perfeição por Gordon Gekko, o vilão que definiu a carreira de Michael Douglas: “A ganância é boa”.


É claro que, ao final daquele excelente filme, o sujeito era punido por seus pecados e enviado à prisão graças à ação de seu pupilo Bud Fox (Charlie Sheen), que, mesmo preso ao potente centro de gravidade do Mestre, conseguiu se distanciar a ponto de enxergar seu caráter destrutivo – e é um Gekko envelhecido e exaurido por oito anos de cadeia que encontramos no início deste O Dinheiro Nunca Dorme. Fóssil dos anos 80 e início dos 90 – como indica seu imenso celular -, o ex-trader perdeu não só sua colossal fortuna, mas também a família: o filho morreu de overdose, a esposa o abandonou e sua filha Winnie (Mulligan) não quer mais vê-lo. Teriam aqueles anos de punição alterado o caráter de Gekko? Sim, uma de suas primeiras atitudes ao sair da prisão é lançar um livro que aparentemente questiona seu credo antigo (“A Ganância é Boa?” é o título), mas ainda assim não é difícil perceber que a velha arrogância e a postura de dono do mundo parecem inalteradas no (agora) anti-herói.

Escrito por Allan Loeb e pelo diretor Oliver Stone, o roteiro continua tão crítico àquele universo quanto no filme de 87, mas com uma diferença fundamental: se antes os excessos daqueles personagens nos atraíam como insetos para a luz mortífera, agora nós sabemos quais foram as conseqüências de toda aquela especulação absurda: uma crise financeira que destruiu corporações e indivíduos sem a menor piedade, rivalizando com a Grande Depressão de 1929 e atingindo, em maior ou menor grau, todo o planeta. Neste contexto, Gekko é apresentado por O Dinheiro Nunca Dorme como uma espécie de profeta, já que surge prevendo a crise como resultado de uma bolha no mercado imobiliário – e Stone  também é hábil ao ilustrar a natureza enlouquecedora do mundo da especulação ao apresentá-lo como um universo frágil ao ponto de ser facilmente manipulado através de boatos e disse-que-me-disse, fortalecendo o argumento ao usar imagens de arquivo do noticiário da época. (“Época”? Estamos falando de 2008!)

Adotando uma lógica visual um pouco mais comedida desta vez (ele chega a usar “apenas” dois montadores, vejam só), o cineasta acertadamente resgata a dinâmica narrativa do filme original, empregando telas divididas para retratar a velocidade com que as informações trafegam e gráficos que chegam a surgir – apropriadamente - no horizonte de Manhattan para ilustrar as oscilações do mercado. Além disso, Stone já impressiona graças ao extenso travelling vertical que ocorre ao fim dos créditos iniciais e que, provavelmente construído com o auxílio de computadores, já leva o espectador a compreender a ostentação de mundo financeiro superinflado e prestes a explodir. E mais: sempre crítico com relação à mídia (e apropriadamente, diga-se de passagem), Stone não hesita em alfinetar o sentimento de auto-importância de âncoras e jornalistas ao trazer Gekko brincando com uma apresentadora de tevê sobre a popularidade de seu programa na penitenciária – algo no qual ela acredita sem problema algum. Por outro lado, o diretor abandona qualquer sutileza ao evocar as motivações de seu protagonista, o jovem Jake Moore (LaBeouf), que quer apenas se vingar do inescrupuloso Bretton James (Brolin), que, ao destruir a empresa de seu mentor (Langella), levou-o ao suicídio – uma obsessão que Stone ilustra ao trazer a imagem de Langella sobreposta, como um fantasma, em vários instantes. Aliás, é curioso notar que o cineasta se entrega a um literalismo em suas imagens que poderia fragilizar o filme, mas que acaba funcionando – como, por exemplo, ao constantemente trazer frágeis bolhas de sabão flutuando no céu de Nova York.

Fotografado com competência por Rodrigo Prieto, que oscila entre a ostentação luminosa daquele cotidiano bilionário e a austeridade sombria dos ambientes nos quais o destino destes bilhões é decidido, Wall Street 2 também é beneficiado por um elenco afiadíssimo: assumindo a condição de centro moral da narrativa, Jake é vivido por Shia LaBeouf como um homem que, fascinado por seu trabalho, já desperta abrindo automaticamente o notebook e ligando a tevê num programa financeiro, mas que, ainda assim, se mantém humano ao tentar não ignorar as pessoas ao seu redor – algo que o ator ilustra economicamente, por exemplo, ao beijar o mentor que acaba de lhe presentear com um milionário bônus. Inteligente e ambicioso, o rapaz – influenciado pelo futuro sogro (Jake é noivo de Winnie, filha de Gekko) – mergulha num jogo que domina intelectualmente, mas para o qual se mostra despreparado por não possuir o caráter cruel dos demais jogadores, numa insegurança que vem à tona quando ouve uma pergunta disparada por Bretton e, mesmo tentando exibir segurança, acaba gaguejando ao revelar não tê-la compreendido.

Josh Brolin, aliás, volta a oferecer uma performance admirável como o vilão desta continuação: exibindo a arrogância que nasce do sucesso e da certeza de ser intocável, Bretton é um Gordon Gekko piorado, já que não apenas sabe que está prejudicando outras pessoas (o que nunca foi um problema para Gekko) como ainda tem consciência de estar colaborando para destruir toda a economia (algo que o personagem de Douglas certamente contestaria até mesmo por interesse próprio). Encarnando a ganância como estilo de vida, Bretton James acaba sintetizando o próprio caráter numa única palavra que usa para responder qual seria o número que consideraria suficiente para abandonar aquele jogo: “mais”. Isto, claro, o contrapõe ao velho Louis Zabel, que, embora também ganancioso, mantém uma certa dignidade moral que o torna menos impiedoso. Vivido de forma sensível por Frank Langella, aliás, Zabel demonstra atuar naquele mercado não só por ganância, mas por gostar da profissão, já que, mesmo com toda uma equipe de traders à sua disposição, mantém uma mesa ao lado dos jovens na qual ainda atua ligando para clientes e especuladores. Autêntico representante da velha guarda, não é à toa que ele eventualmente toma uma decisão mais característica dos falidos da Grande Depressão do que de seus contemporâneos, optando pelo suicídio – uma atitude que Gekko respeita, mas que, suspeito, jamais tomaria justamente por ser filhote de uma época de intenso narcisismo.

Mas Wall Street não seria Wall Street sem uma performance invejável de Michael Douglas – e o ator não decepciona. Encarnando Gordon Gekko com a mesma aura de inteligência e absoluta auto-confiança que marcou seu desempenho original, Douglas mantém o espectador sempre inseguro com relação às motivações de seu personagem: teria ele realmente mudado na prisão? Encontra-se mesmo mais sensível e vulnerável? Teria aprendido a valorizar mais as pessoas em vez do dinheiro? O segredo do desempenho de Douglas, claro, encontra-se em seu carisma - e embora queiramos acreditar em suas mudanças justamente por gostarmos do sujeito (ou do seu intérprete), ficamos com os dois pés atrás ao percebermos um grão da velha arrogância por baixo da aparente humildade recém-conquistada. Além disso, aqui e ali Gekko deixa os velhos hábitos virem à tona, como ao interromper uma conversa com a filha – sua maior chance de reconquistá-la – apenas para cumprimentar um velho conhecido com o claro propósito de tentar restabelecer a própria importância. Neste aspecto, o desempenho de Michael Douglas demonstra um equilíbrio e uma disciplina admiráveis, funcionando como o principal atributo do filme.

Que, no final das contas, acaba se enfraquecendo por apostar tanto no romance de Jake e Winnie como centro de seu arco narrativo. Sim, Carrey Mulligan é boa atriz e sua personagem é, de certa forma, a grande bússola moral do filme, guiando até mesmo as ações do herói Jake. No entanto, além de ser inacreditável que a garota fosse se envolver justamente com um trader, já que demonstra profundo desprezo pela profissão do pai (que, afinal, também lhe custou a família), é ainda mais difícil aceitar a pequena crise que Stone e Loeb constroem para dar rumo ao terceiro ato do longa – uma crise, aliás, cuja resolução é tão artificial quanto sua construção. E apostar que isto seria o bastante para guiar o espectador rumo ao desfecho é algo que apenas compromete o impacto que O Dinheiro Nunca Dorme poderia ter sobre o público.

O que Stone parece não ter compreendido é que a força do filme reside em sua natureza racional, não na emoção – e, com isso, a catarse que tenta provocar soa apenas como um teatro infantil que subestima a capacidade do espectador de se satisfazer com uma conclusão que valorizasse mais seu intelecto do que sua necessidade de chorar ao final de uma novela da Globo.

Observação: É curioso que o toque do celular do protagonista seja o tema de Três Homens em Conflito, já que o “feio” Eli Wallach encontra-se no elenco de O Dinheiro Nunca Dorme.

Observação 2 (e mini-spoiler): Aparentemente, Bud Fox não conseguiu resistir às tentações que conheceu ao lado de Gekko, como aponta a breve (e excelente) participação de Charlie Sheen nesta continuação.

24 de Setembro de 2010

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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