Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
15/05/2009 | 01/01/1970 | 3 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Dirigido por Ron Howard. Com: Tom Hanks, Ewan McGregor, Stellan Skarsgård, Armin Mueller-Stahl, Ayelet Zurer, Pierfrancesco Favino, Nikolaj Lie Kaas.
Escritor com um estilo medíocre, mas com uma bela imaginação, Dan Brown se especializou no tipo de livro que, por encerrar cada capítulo com um pequeno clímax dramático, leva o leitor a sentir forte compulsão em continuar a virar páginas até o desfecho – e mesmo que tenhamos que ler descrições pavorosas como personagens com “vozes metálicas” e sejamos forçados a engolir tramas absurdas, o fato é que, de uma maneira absolutamente descartável, as obras de Brown prendem a atenção e divertem. E é exatamente neste nível que opera Anjos & Demônios, novo filme de Ron Howard e continuação do igualmente esquecível O Código Da Vinci.
Sim, “continuação”, pois embora o livro que inspira este novo longa conte uma história que precede a perseguição ao “Santo Graal”, os roteiristas David Koepp e Akiva Goldsman decidiram (acertadamente, creio) ambientar esta nova aventura num período posterior ao do filme anterior – levando, com isso, o protagonista a ter que lidar com o ressentimento da mesma Santa Sé que aqui solicita seu auxílio. Especialista em simbologia, o professor Robert Langdon (Hanks) é levado ao Vaticano quando os quatro cardeais favoritos à sucessão do Papa recém-falecido são seqüestrados por uma seita antiga e misteriosa, os Illuminati, que tem como propósito destruir a Igreja Católica. Para alcançar este objetivo, eles ameaçam executar um cardeal por hora até que, à meia-noite, uma imensa explosão provocada por um tubo contendo anti-matéria destrua todo o Vaticano. Para evitar o desastre, Langdon inicia uma desesperada corrida pelas antigas igrejas de Roma, que supostamente contêm pistas que o levariam à antiga sede dos Illuminati – e, para isso, ele é auxiliado pela Dra. Vetra (Zurer), uma física, e conta com o apoio do camerlengo Patrick McKenna (McGregor), auxiliar do falecido Papa que, até a escolha de um novo Sumo Pontífice, detém os poderes do cargo.
Empregando o velho conflito entre Fé e Razão como base temática de sua narrativa, Anjos & Demônios já se inicia contrapondo dois dos grandes ícones de cada uma destas correntes, o Vaticano e o LHC (Grande Colisor de Hádrons), ilustrando também a força de uma época dominada pela Ciência ao trazer um cientista que, sob o jaleco, traz o colarinho do sacerdócio – e que, não por acaso, se torna a primeira vítima dos conspiradores. Da mesma maneira, Howard se detém ao retratar os cardeais que, aguardando o início do conclave no qual elegerão um novo Papa, conversam em seus celulares e filmam os arredores com visível empolgação. Tudo isso se contrapõe, obviamente, à natureza ritualística do catolicismo – e um dos aspectos mais fascinantes de Anjos & Demônios (filme e livro) reside justamente na revelação de detalhes sobre algumas das mais curiosas leis da Igreja, como o poder temporário do camerlengo, as regras que regem o conclave e assim por diante.
Porém, o objetivo principal do longa não é funcionar como um pseudo-documentário sobre os bastidores da Igreja, mas sim como thriller – e, neste sentido, Howard faz um trabalho eficiente: investindo numa história em que a corrida contra o tempo é constante, o diretor gera tensão suficiente para que permaneçamos mergulhados na narrativa durante a maior parte da projeção. Para isso, ele conta com o auxílio da boa trilha de Hans Zimmer e do próprio roteiro, que mantém a história em movimento mesmo que nada do que esteja acontecendo faça muito sentido (e esta velocidade no desenrolar dos acontecimentos é eficaz ao evitar justamente que percebamos muitos dos furos imediatamente).
Beneficiado pelo charme das locações, Anjos & Demônios complementa as paisagens naturais de Roma com o ótimo design de produção de Allan Cameron, que recria os interiores e exteriores de diversos marcos da arquitetura local, como a Capela Sistina, a Praça de São Pedro e o Panteão, convencendo o espectador de ter acesso a estes ambientes e conferindo – na medida do possível, claro – certa verossimilhança à trama. Além disso, os cenários são inteligentes também ao fazerem eco ao tema do filme, contrapondo constantemente a Religião e a Ciência, como podemos observar, por exemplo, no interior da biblioteca do Vaticano, cuja ostentação e conservadorismo são curiosamente justapostos à tecnologia clean dos arquivos que mantêm os documentos mais sensíveis protegidos dos desgastes provocados pelo ambiente. Em contrapartida, Howard tropeça em diversos momentos, como ao tentar gerar um susto barato ao enfocar um par de botas sobre uma plataforma (no intuito de que pensemos, por alguns segundos, que há alguém atrás dos heróis) ou ao diminuir absurdamente o ritmo da passagem do tempo (como na seqüência
Igualmente sem sal é a interpretação do geralmente brilhante Tom Hanks: embora confira carisma e inteligência a Langdon, o ator é sabotado por um roteiro que confunde ação com desenvolvimento de personagem, jamais permitindo que o acadêmico se torne algo mais do que um mero herói de ação. Enquanto isso, Ewan McGregor acerta na composição do camerlengo ao retratá-lo como um homem de voz suave e jeito sensato, convencendo com facilidade o espectador de que o sujeito possui uma alma bondosa. Por outro lado, a atriz israelense Ayelet Zurer surge absolutamente inexpressiva – tornando-se ainda mais frágil em função da maneira estúpida com que a dra. Vetra é desenvolvida pelo roteiro: embora seja física, a garota não demora a revelar profundos conhecimentos sobre a História do catolicismo e até mesmo sobre as propriedades de um medicamento em particular.
Prejudicado por um excesso perturbador de diálogos expositivos (particularmente patético é o momento em que, no arquivo do Vaticano, Hanks e Zurer trocam informações que ambos claramente dominam), o roteiro de Koepp e do geralmente incompetente Goldsman traz ainda um dos piores clichês do gênero: aquele que obriga mocinho e mocinha a se passarem por um casal com o intuito de que a tensão sexual resultante possa ser explorada pelo diretor (isto para não mencionar o assassino que, impiedoso, mata todos que cruzam seu caminho – menos, claro, os heróis). Para piorar, os roteiristas não conseguem contornar alguns dos piores furos da história de Brown, como o fato do primeiro cardeal ser morto num local que dificilmente seria descoberto pelo Vaticano – algo estranho, já que o intuito dos Illuminati é justamente o de expor publicamente a fragilidade da Igreja.
Curiosamente equilibrado na apresentação de seus argumentos acerca do confronto entre Fé e Razão, Anjos & Demônios acaba não assumindo claramente um lado, já que acaba retratando a Igreja de maneira surpreendentemente otimista ao apostar numa abertura diante da Ciência que dificilmente se tornará realidade durante a “gestão” de Bento XVI. Além disso, a realidade é que o Vaticano está longe de contar, nos dias de hoje, com o poder e a influência que lhe são atribuídos pela história de Brown – mas creio que isto seja necessário para o desenrolar da trama. De todo modo, o filme prende a atenção enquanto dura, o que, de certa maneira, é o suficiente para divertir.
Pena que o esqueçamos ante mesmo de chegarmos ao saguão do cinema.
16 de Maio de 2009