Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
02/03/2012 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Imagem Filmes | |||
Duração do filme | |||
100 minuto(s) |
Dirigido por Nicolas Winding Refn. Com: Ryan Gosling, Albert Brooks, Carey Mulligan, Ron Perlman, Oscar Isaac, Bryan Cranston, Christina Hendricks, Kaden Leos.
Drive é um estudo de personagem disfarçado de romance vestindo uma fantasia de filme de ação. Com um estilo visual e uma trilha saídas diretamente da década de 80 e sequências de ação extraídas dos anos 70, este longa de Nicolas Winding Refn ainda traz um protagonista que pertence à irmandade do Homem Sem Nome de Clint Eastwood: o herói solitário, calado e de passado misterioso que acaba fazendo o que é certo mesmo sem ter a intenção clara de fazê-lo.
Escrito por Hossein Amini a partir do livro de James Sallis, o roteiro acompanha o Motorista sem nome vivido por Ryan Gosling, que já na excelente introdução pré-créditos explica sua linha de trabalho: dirigir o carro de fuga para criminosos. Sem se envolver no crime em si e sem pertencer a qualquer quadrilha, ele se compromete a buscar e levar os bandidos para onde desejarem desde que eles estejam em seu carro numa janela pré-determinada de cinco minutos. Atuando também como dublê em Hollywood e mecânico na oficina do amigo Shannon (Cranston), ele acaba se encantando pela vizinha Irene (Mulligan), uma jovem mãe cujo marido encontra-se na cadeia. Quando este é libertado e passa a ser pressionado por antigos comparsas para cometer um último assalto, o Motorista decide ajudá-lo, dando início a uma série de incidentes cada vez mais violentos que o colocam no caminho dos perigoso gângsteres Nino (Perlman) e Bernie (Brooks).
Encarnando o protagonista como um sujeito monossilábico e com ar sempre cansado e triste, Gosling faz aqui um tipo anti-Tarantino, que só abre a boca para dizer exatamente o que é preciso sem desperdiçar uma única palavra. Sem jamais revelar ao público (ou a quem quer que seja) as circunstâncias que o levaram até ali, o Motorista soa inicialmente como um tipo pacato e deprimido – o que, por contraste, o torna ainda mais assustador e perigoso quando percebemos sua capacidade para a violência. Da mesma maneira, é justamente sua impassividade habitual que leva o público a compreender a importância de seu relacionamento com Irene mesmo que o sujeito manifeste muito pouco de sua alegria, deixando apenas que um levíssimo sorriso ocasional altere sua expressão sempre tão fechada – e, neste aspecto, o rosto juvenil e o olhar esperançoso de Carey Mulligan funcionam como motivadores perfeitos para que um homem tão seco finalmente tente se abrir para alguém.
Mas o elenco de Drive reserva outras atrações em seus papéis secundários: compondo Shannon como um perdedor crônico que parece eternamente destinado à mediocridade e à frustração, Bryan Cranston sugere uma figura paterna mais do que apropriada ao Motorista em fuga de algo que desconhecemos, ao passo que Oscar Isaac merece créditos por evitar os clichês e transformar o marido de Irene não em um antagonista ao romance sonhado pelo anti-herói, mas sim em um homem que, mesmo determinado a honrar sua família, vê-se obrigado pelas circunstâncias a repetir os velhos erros. E se Ron Perlman continua a representar uma presença sempre interessante em qualquer filme, é mesmo Albert Brooks quem rouba o filme com seu pequeno mafioso Bernie Rose: abandonando qualquer traço do comediante brilhante que sempre foi, Brooks surge aqui como um homem calculista e extremamente perigoso , encarregando-se de boa parte das falas mais memoráveis do longa.
Criando uma atmosfera melancólica ecoada de forma impecável pela trilha de Cliff Martinez (obviamente inspirado no trabalho do Tangerine Dream para o cinema durante a década de 80), o cineasta dinamarquês Nicolas Winding Refn é hábil ao refletir a natureza do protagonista em sua própria direção, que se mostra sempre objetiva ao gastar o menor tempo possível para mover a narrativa – e percebam, por exemplo, como a evolução do relacionamento entre o Motorista e Irene é contada numa sequência rápida que, sem gastar um quadro sequer com firulas emocionais, constrói o envolvimento da dupla com eficiência e agilidade. De forma similar, Refn planeja as sequências de ação com um equilíbrio admirável entre estilo e funcionalidade: sim, aqui e ali o diretor inclui planos em câmera lenta que ressaltam determinados incidentes de maneira interessante e mesmo divertida, mas isto jamais se sobrepõe ao interesse de permitir que o espectador saiba exatamente o que está ocorrendo e como o protagonista age naquelas circunstâncias – e é interessante notar, por exemplo, como o Motorista confere importância não só à velocidade às manobras mais radicais, mas também à observação cuidadosa do ambiente e, inclusive, aos momentos em que parar o carro em algum lugar se revela mais eficaz do que disparar numa corrida desenfreada.
Com uma fotografia que remete com inteligência ao noir e uma montagem que oscila bem entre os momentos mais intimistas de construção de personagem e aqueles devotados à ação (destacando-se principalmente no confronto final, que soa simultaneamente tenso e triste), Drive é um filme protagonizado por um homem violento que lamenta sê-lo e cuja tristeza constante é uma resposta não só à vida que leva, mas à constatação de que, por mais que tente ou deseje, jamais poderá fugir da própria natureza.
Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio de 2011.
18 de Outubro de 2011