Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
05/01/2007 | 01/01/1970 | 3 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
“Sempre que algo de valor é encontrado na África, o resultado é guerra civil e miséria”.
Apresentada já nos segundos iniciais de Diamante de Sangue, a afirmação acima representa uma das conclusões mais trágicas e desesperadoras do novo trabalho do cineasta Edward Zwick, que, dono de uma carreira apenas regular (seu melhor trabalho, Tempo de Glória, foi lançado há 17 anos), cria um filme bem intencionado que, além de didático, funciona como bom exemplar do gênero “ação”, embora se enfraqueça em função de equívocos bobos que poderiam facilmente ter sido evitados.
Escrito por Charles Leavitt, o roteiro busca explorar o problema político, econômico e social representado pelos diamantes garimpados em zonas de conflito e usados por milícias e governantes destas áreas como forma de gerar fundos para a compra de armas ou mesmo para pagar mercenários. Com a comercialização proibida por tratados internacionais, estes diamantes são rotineiramente contrabandeados e misturados a pedras originadas em países vizinhos, caindo sem grandes problemas no mercado – embora, de acordo com o filme, suas verdadeiras origens sejam de conhecimento dos empresários e executivos que teoricamente se comprometeram a não comercializá-los. Assim, quando um pescador aprisionado por rebeldes
Demonstrando ter aprendido uma ou duas lições com Fernando Meirelles e seu O Jardineiro Fiel, Edward Zwick busca retratar de maneira crua a miséria de um país mergulhado no caos da guerra civil – e a intensa guerrilha urbana é enfocada com eficácia em uma seqüência que não tenta maquiar o horror dos civis encurralados entre militares e rebeldes: em meio à batalha, vemos crianças ensangüentadas e uma jovem mãe carregando um bebê enquanto procura fugir das balas e explosões. E o mais trágico é que, neste tipo de guerra, há crianças como vítimas e carrascos, já que o grande índice de baixas acarreta na “necessidade” de se buscar combatentes em faixas etárias cada vez menores – e poucas imagens são mais dolorosas do que a de uma criança empunhando uma arma. Da mesma forma, Diamante de Sangue faz um comentário breve, mas intrigante, sobre a frieza necessária na cobertura jornalística (especialmente em tempos de guerra): em certo instante, dezenas de fotógrafos se deparam com as vítimas de um ataque promovido por rebeldes e imediatamente disparam suas máquinas – e cabe a Solomon (personagem de Hounsou), o único nativo, a iniciativa de oferecer algum tipo de ajuda aos feridos.
Lamentavelmente, ao mesmo tempo em que busca a miséria em suas locações, Zwick não resiste à tentação de incluir planos fotografados com uma beleza (na realidade, um quase glamour) que simplesmente não combina com a proposta de crueza apresentada a princípio – e é justamente por esta razão que constatei, com triste surpresa, que seu diretor de fotografia é o brilhante português Eduardo Serra, que, infelizmente, não conseguiu manter a coesão estilística alcançada por seu colega César Charlone no longa de Meirelles. Além disso, ao tentar encerrar a narrativa com uma nota de inegável otimismo, o filme se rende ao pior dos vícios hollywoodianos, traindo, inclusive, sua boa intenção de alertar o espectador através do choque de realidade: no fim das contas, é como se o mundo civilizado finalmente conseguisse domar os bárbaros africanos através de conferências internacionais e entrevistas coletivas – o que não poderia estar mais longe da verdade.
No entanto, talvez o mais grave dos problemas de Diamante de Sangue resida na personagem de Jennifer Connelly, que representa, sozinha, alguns exemplos pavorosos da mentalidade simplista de boa parte do Cinema norte-americano contemporâneo. Em primeiro lugar, ela surge como um totalmente dispensável interesse romântico para Leonardo DiCaprio, cuja podridão moral (que discutirei adiante) mostra-se passível de redenção simplesmente em função do “Amor” (sim, com letra maiúscula e tudo mais). Além disso, a jornalista vivida por Connelly é empregada, pelo roteirista, como o ponto de vista do próprio espectador, manifestando nosso choque e nossa revolta diante de todos os brutais acontecimentos que testemunhamos – como se isto fosse necessário para esclarecer que os próprios realizadores se recusam a compactuar com as ações de seu violento protagonista. Como se não bastasse, a atriz também é levada a fazer as pregações que o diretor e o roteirista não podem fazer pessoalmente, mastigando as mensagens do filme de maneira irritantemente condescendente, como se não fôssemos capazes de percebê-las sem o auxílio nada sutil da jornalista. Assim, engessada por representar um mero artifício narrativo-moral do roteiro, Connelly nada mais pode fazer a não ser criar uma figura unidimensional em sua bondade e suas intenções nobres.
E é justamente por isto que a performance sem concessões de Leonardo DiCaprio representa a grande força de Diamante de Sangue: cínico e durão, Archer é o tipo de sujeito que não hesita em disparar tiros adicionais nos corpos de seus inimigos para se certificar de que estes não se levantarão para importuná-lo novamente – e mesmo depois de criarmos certa ligação com o personagem (e até mesmo afeto) não deixamos de reconhecer que este é um homem perigoso até mesmo para seu aliado Solomon (especialmente se o pescador representar um risco desnecessário para sua vida). Aliás, a determinação de DiCaprio em manter a coerência interna de Archer é tamanha que, mesmo quando o roteiro procura suavizá-lo (com um passado trágico e - mais uma vez -desnecessário), o ator volta a mostrar as garras do mercenário assim que possível.
Enquanto isso, Djimon Hounsou encarna Solomon como um homem sempre no extremo de suas forças e com uma grande intensidade emocional: manipulado por todos, o personagem encontra a única maneira possível de manter a sanidade e a vontade de viver concentrando-se exclusivamente no desejo de resgatar o filho. Em contrapartida, Diamante de Sangue mostra-se pouco sutil na composição dos demais personagens, exagerando particularmente na benevolência insensata e auto-destrutiva do professor Benjamin Kapanay (Wallace) e na vilania caricatural (com direito a cicatriz sobre o olho!) do rebelde Capitão Poison (Harewood).
Buscando abordar mais questões do que consegue discutir, Diamante de Sangue se divide entre a proposta inicial de falar sobre os “diamantes de sangue” e a tentativa de desenvolver, também, discussões sobre os efeitos nocivos de certos interesses capitalistas no Terceiro Mundo; a miséria desumana destes países; a pilhagem constante de seus recursos naturais; a utilização de crianças na guerrilha; o papel da mídia neste cenário inconstante; e a contratação de exércitos particulares por governos sem escrúpulos (algo abordado pelo brilhante documentário Shadow Company, diga-se de passagem). Não é de se espantar que, com tantas preocupações, o filme se torne ocasionalmente sem foco, perdendo parte da força em seu extenso segundo ato.
De todo modo, Diamante de Sangue é eficiente o bastante para nos levar a concordar com o desejo manifestado por um personagem, em certo momento da projeção: Deus queira que jamais encontrem petróleo em um daqueles países.
06 de Janeiro de 2007
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