Seja bem-vindx!
Acessar - Registrar

Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
19/01/2007 01/01/1970 3 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
142 minuto(s)

Babel
Babel

Dirigido por Alejandro González Iñárritu. Com: Brad Pitt, Cate Blanchett, Gael García Bernal, Adriana Barraza, Koji Yakusho, Rinko Kikuchi, Said Tarchani, Boubker Ait El Caid, Abdelkader Bara, Sfia Ait Benboullah, Mustapha Rachidi, Elle Fanning, Nathan Gamble, Clifton Collins Jr., Michael Peña.

Como seu próprio título já indica, Babel é um filme que busca analisar as angústias e tragédias provocadas pela falta de comunicação entre as pessoas – porém, embora retrate personagens de diferentes regiões e idiomas, o que impede o diálogo entre estes indivíduos não é a variedade de línguas, mas o preconceito, a brutalidade e a ignorância. Encerrando uma trilogia concebida pelo diretor Alejandro González Iñárritu e pelo roteirista Guillermo Arriaga (ambos mexicanos) e que inclui os excepcionais Amores Brutos e 21 Gramas, Babel é um filme ambicioso que merece créditos por abraçar um tema tão difícil, ainda que universal, mas o fato é que, ao investir em incidentes absurdamente extremos, acaba descambando para o melodrama e tornando-se um desfecho decepcionante para um projeto até então impecável.

Narrando histórias ambientadas em quatro países de três continentes, o longa tem início em Marrocos, onde duas crianças camponesas recebem um rifle comprado pelo pai com o objetivo de caçarem chacais. Para testarem o alcance da arma, os garotos miram em um ônibus de turistas e acabam atingindo a norte-americana Susan, que está viajando ao lado do marido Richard. Enquanto isso, nos Estados Unidos, a babá mexicana Amélia descobre que não poderá comparecer ao casamento do filho, já que não tem com quem deixar as duas crianças que estão sob seus cuidados – e, num impulso, decide levá-las consigo para a cerimônia, que acontecerá do lado pobre da fronteira. Finalmente, no Japão, a adolescente surda-muda Chieko, cuja mãe cometeu suicídio há poucos meses, lida com as ansiedades de sua idade e parece acreditar que a solução para sua confusão emocional encontra-se na perda da virgindade.

Assim como acontecia nos dois primeiros capítulos de sua trilogia, Iñárritu adota uma estrutura narrativa que retrata uma cadeia de acontecimentos através de uma cronologia fluida, obrigando o espectador a organizar a trama em sua própria mente – nada, porém, tão radical quanto em 21 Gramas (aliás, até mesmo Amores Brutos era mais complexo em sua montagem do que este novo longa). Infelizmente, porém, o diretor e seu roteirista expõem as principais ligações entre os personagens de maneira óbvia demais, permitindo que reconheçamos a voz de Pitt em um telefonema feito no início da projeção, exibindo as fotos de dois marroquinos em um telejornal japonês e revelando a presença de um outro indivíduo em uma fotografia no Marrocos. Não que Babel precisasse tratar estas questões como “revelações” ou “surpresas”, mas, ao possibilitar que constatemos todas as suas conexões com tanta antecedência, o filme se torna previsível – e como tem 142 minutos de duração, sua demora em alcançar o espectador soa como uma terrível auto-indulgência por parte dos realizadores.

Ainda assim, a montagem de Douglas Crise e do genial Stephen Mirrione faz o possível para manter a fluidez da narrativa: apesar de alguns saltos abruptos ocasionais (como ao cortar para a partida de vôlei), a dupla consegue criar transições eficazes e elegantes na maior parte do tempo, como ao justapor a corrida apavorada das crianças marroquinas e a correria divertida de Mike e Debbie, que brincam alegremente em sua casa nos Estados Unidos (da mesma maneira, cortar para a ensangüentada Susan logo depois de exibir a decapitação de uma galinha funciona como um contraponto ironicamente eficaz). Mas o principal efeito da montagem de Crise e Mirrione reside no triste contraste entre diferentes realidades, como ao ressaltar o conforto das crianças norte-americanas diante do cotidiano sofrido dos jovens marroquinos.

Por outro lado, enquanto a montagem investe nas diferenças, a ótima fotografia do talentoso Rodrigo Prieto busca a unidade: ao contrário do que acontecia em Traffic, por exemplo, que separava suas histórias paralelas através de contrastantes esquemas de cores, Prieto mantém a base naturalista de sua fotografia durante toda a projeção, usando até mesmo constantes planos gerais para situar os personagens em seus respectivos ambientes (o cemitério de pedras, o cruzamento em Tóquio, a vila no Marrocos, o casamento no México) – como se procurasse demonstrar que somos todos iguais, mesmo vivendo em regiões tão diferentes. Aliás, até mesmo a óbvia câmera subjetiva que retrata o universo silencioso de Chieko pode ser perdoada, já que, de certa forma, é inevitável e até mesmo necessária para que compreendamos melhor a personagem.

Contando com performances magníficas de um elenco que traz vários atores não-profissionais, Babel consegue peso dramático simplesmente através da força dos rostos aos quais nos apresenta, desde a face sofrida e cheia de linhas de expressão do marroquino Abdullah (Rachidi) até a velhinha de olhos impossivelmente fundos (Benboullah) que passa a cuidar de Susan – e nem mesmo Brad Pitt se esquiva em exibir suas rugas e os cabelos grisalhos ao encarnar com intensidade visceral o sofrimento de seu personagem. Já Adriana Barraza retrata a babá Amélia como uma mulher carinhosa, ainda que inconseqüente, sobrevivendo até mesmo às reviravoltas irritantemente absurdas nas quais o roteiro a mergulha. E um reconhecimento especial deve ser feito à qualidade brilhante das atuações do elenco infantil: como Debbie e Mike, Elle Fanning (irmã de Dakota) e Natham Gamble exibem a inocência de crianças mantidas à distância dos horrores do mundo real e o pavor que experimentam quando são confrontadas por estes, ao passo que, como os jovens marroquinos Ahmed e Yussef, Said Tarchani e Boubker Ait El Caid ilustram o peso da responsabilidade daqueles pobres garotos sem que, com isso, deixem de lado a leveza inconseqüente da infância.

Finalmente, chegamos a Rinko Kikuchi, a grande revelação de Babel: vivendo a confusa Chieko com um desapego físico admirável, a atriz exibe um carisma tão grande que quase nos leva a ignorar a falta de cuidado com que sua personagem é desenvolvida pelo roteiro. Com uma ligação apenas tangencial com os demais acontecimentos do longa, Chieko parece pertencer a um outro filme – um que, de preferência, tivesse mais interesse em investigar seus problemas emocionais. Porém, ao encaixá-la desajeitadamente neste projeto, Iñárritu permite apenas que constatemos a carência da garota e nada mais, conferindo, à sua freqüente nudez, um caráter de mero fetiche por parte dos realizadores (principalmente se considerarmos sua figura de colegial japonesa, com microssaia e jeito de moleca). Como se não bastasse, a adição de um longo bilhete cujo conteúdo jamais descobrimos acaba soando como uma tentativa de Arriaga de copiar o misterioso sussurro de Encontros e Desencontros – com a diferença que, aqui, a personagem não foi suficientemente desenvolvida para que sua ação fale por si só, tornando suas palavras desnecessárias.

Sim, Babel é eficiente ao retratar o isolamento constante em que vivemos – seja este emocional (Susan se afasta do marido por não perdoar suas ações passadas), geográfico (como imigrante ilegal, Amélia vive afastada dos parentes), político (os norte-americanos logo assumem que o tiro que atinge Susan é fruto de um ato terrorista), social (os marroquinos são oprimidos pela polícia de seu país) ou auditivo. E também é curioso que Richard encontre apoio justamente em um marroquino, já que seus companheiros turistas parecem pensar apenas em si mesmos, recusando-se a permanecer ao seu lado em função do medo e da falta de conforto. Porém, Iñárritu acaba exagerando no tom de suas demais mensagens, como ao retratar Yussef destruindo o rifle em um quase ritual anti-armas - e quem leu meu texto sobre Crash sabe que concordo com o diretor; o que me incomoda é a obviedade da pregação (aliás, o mesmo pode ser dito sobre a maneira panfletária com que ele aborda a arrogância do governo norte-americano; outra posição com a qual me identifico, mas que aqui irrita pelo tom carregado).

Em um mundo já excessivamente dividido por fronteiras, crenças religiosas e ideologias políticas, Babel é um filme que tem o coração no lugar certo: é triste percebermos que, apesar de sermos todos da mesma espécie e resultarmos dos mesmos erros e acertos da Evolução, acabamos nos tornando estranhos uns para os outros em função de conceitos abstratos que não deveriam ser mais importantes do que nossas dores e alegrias em comum. Infelizmente, para defender este credo, o longa apela para extremos, para incidentes absurdos que, por sua natureza exagerada, dificultam nossa ligação emocional com nossos irmãos-personagens – e não é só o isolamento que estes parecem dividir (com o perdão do paradoxo), mas também a estupidez, já que poucas vezes vi tantas pessoas agindo de maneira tão idiota em um único longa-metragem.

Assim, Babel acaba trazendo Iñárritu e Arriaga em um caminho que já percorreram duas vezes – só que, aqui, eles o fazem de maneira bem mais esquemática, melodramática e, conseqüentemente, menos interessante.

19 de Janeiro de 2007

Comente esta crítica em nosso fórum e troque idéias com outros leitores! Clique aqui!

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

Para dar uma nota para este filme, você precisa estar logado!