Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
17/02/2006 | 26/10/2005 | 5 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
124 minuto(s) |
Dirigido por Woody Allen. Com: Jonathan Rhys-Meyers, Scarlett Johansson, Emily Mortimer, Brian Cox, Matthew Goode, Penelope Wilton, Margaret Tyzack, Steve Pemberton, James Nesbitt.
Depois de assistir a Ponto Final – Match Point, saí do cinema feliz. Não, o filme está longe de ser uma comédia e, na realidade, é inegavelmente pessimista e angustiante – e parte de mim estava adequadamente melancólica. Porém, eu não conseguia deixar de me sentir entusiasmado ao constatar que Woody Allen, aos 70 anos de idade e já no seu 34º filme (não vou contar What’s Up, Tiger Lily? e nem seu “conto de Nova York”), ainda é capaz de realizar um trabalho cheio de energia e – o mais fascinante – não hesita em reinventar-se, criando um longa que, apesar de dividir temas com seu igualmente genial Crimes e Pecados, representa uma experiência diferente, investindo também em áreas inéditas na filmografia do cineasta, como o suspense puro e (ao contrário de Um Misterioso Assassinato em Manhattan) sem propósitos cômicos.
Depois de sua tradicional abertura com letreiros brancos em um fundo preto, durante a qual os atores são sempre listados em ordem alfabética (não há “astros” em um filme de Woody Allen), o diretor-roteirista dá início à história de Chris Wilton (Rhys-Meyers), um ex-jogador de tênis profissional que, cansado das constantes viagens e consciente de que jamais será um campeão, aceita um emprego como professor em um clube da alta sociedade. Ambicioso e carismático, o jovem logo faz amizade com o rico Tom Hewett (Goode), que lhe apresenta sua irmã Chloe (Mortimer). Não demora muito até que Chris e Chloe estejam namorando – e tudo parecer correr espetacularmente bem para o rapaz até que, certo dia, ele conhece a noiva de Tom, a americana Nola Rice (Johansson), por quem se interessa imediatamente, jogando a cautela para o alto e arriscando um futuro promissor pela possibilidade de se envolver com aquela belíssima mulher.
Demonstrando seu mais do que reconhecido talento para a composição de personagens complexos e interessantes, Woody Allen nos apresenta, em Match Point, a indivíduos de caráter sempre duvidoso: quem são aquelas pessoas e quais são suas motivações? Chloe, por exemplo, parece ser uma jovem sincera que quer genuinamente ajudar Chris a realizar suas ambições sem, com isso, obrigá-lo a fazer algo que não gosta. Porém, observe como ela sutilmente o leva a aceitar um emprego numa das empresas do pai e como, aparentemente sem se dar conta, revela que vem monitorando seu desempenho. E perceba como Tom, apesar de tratar Chris com imensa consideração, prontamente o apelida de “irlandês”, num lembrete inconsciente de que o ex-atleta pertence a uma casta inferior.
Esta dubiedade, aliás, se aplica ao próprio protagonista: inicialmente, Chris soa como um jovem orgulhoso, mas de bom caráter: ele quer “subir na vida”, “ser alguém”, mas faz questão de pagar a conta ao sair com o amigo milionário e parece hesitar em utilizar suas novas amizades como trampolim para a alta sociedade. Aos poucos, porém, vamos percebendo certas inconsistências em seu comportamento e começamos a desconfiar de que seu interesse por Dostoievski, por exemplo, tem menos a ver com seu enriquecimento cultural e mais com um esforço para impressionar o futuro sogro. E há algo de cuidadosamente estudado na forma aparentemente casual com que ele comenta com Chloe que “gostaria de ter mais alunos”, sugerindo ter problemas financeiros ao mesmo tempo em que mantém uma postura digna, de alguém disposto a trabalhar arduamente para ganhar dinheiro. Enquanto isso, Nola, que a princípio surge como uma femme fatale clássica, gradualmente se revela infinitamente mais ingênua e romântica do que poderíamos supor. Ela tem consciência do próprio poder de sedução, é verdade (“Os homens acham que eu seria algo muito especial.”), mas mostra-se totalmente vulnerável e sem auto-controle frente a Chris, comportando-se exatamente como Anjelica Huston diante de Martin Landau em Crimes e Pecados (e, convenhamos, normalmente esperaríamos que uma mulher jovem, sofisticada e confiante como Johannson agisse de maneira bem diferente da carente e relativamente inculta aeromoça de meia-idade vivida por Huston).
Utilizando os diálogos como janelas elegantes para a psique de seus personagens, Allen mais uma vez exibe sua inteligência, por exemplo, ao ilustrar o bom caráter e a preocupação do poderoso Alec Hewett (Cox) com a família através de pequenos comentários feitos por este, como ao indagar se o filho, que o seguia em outro carro, “não estaria indo rápido demais”, estabelecendo a personalidade do sujeito de maneira econômica, o que lhe permite gastar mais tempo com as figuras mais complexas da história. Além disso, note como, ao conversar com Nola sobre Chloe, Chris descreve a segunda como sendo “muito agradável”, um elogio aparente que, no entanto, tem o claro propósito de diminuí-la – algo que Nola percebe imediatamente. Aliás, a conversa entre o casal de amantes na cena em questão representa uma verdadeira e disputada partida de tênis: sempre de forma elegante, Chris manifesta seu interesse por Nola, que o rebate de maneira firme, colocando-se em posição superior diante do rapaz – que, ainda assim, vence o duelo apenas ao questionar onde estava a confiança da moça durante o teste que acabara de fazer e no qual fracassara. Somente uma cena como esta já justificaria a indicação do roteiro de Match Point a qualquer premiação da categoria.
Contudo, o roteiro de Woody Allen reserva muito mais surpresas para o espectador do que apenas diálogos bem construídos. Depois de investir 90 minutos no desenvolvimento da história e na construção dos personagens, o diretor pega o espectador desprevenido ao fazer uma impactante reviravolta de gênero, revelando camadas muito mais profundas e obscuras na personalidade daquelas pessoas. E, apesar de tudo, o roteiro foi construído com tamanha delicadeza que, ao ser analisado em retrospecto, é perfeitamente possível perceber que Allen vinha se preparando desde o início para aquela manobra: ao enfocar Chris lendo Dostoievski, por exemplo, ele não queria apenas revelar a ambição do personagem ao se preparar para discussões literárias com o futuro sogro, mas também planta, ali, a semente de acontecimentos posteriores da trama (o mesmo se aplica a um comentário casual feito por Nola sobre incidentes ocorridos em seu prédio que, além de estabelecer o cotidiano da moça, se torna mais relevante ao ser associado a outras informações). E como deixar de se encantar com a fantástica rima visual criada por Woody Allen ao combinar o primeiro plano do filme com outro visto no fim do segundo ato, quando determinado personagem atira algo no rio (outra referência, diga-se de passagem, à obra de Dostoievski)?
Encerrando-se de maneira brilhantemente cínica, Match Point indica que, além de tudo, Allen ainda permanece um cineasta corajoso, que não se entrega a compromissos com o público a fim de melhorar as perspectivas comerciais de seus projetos (aliás, quem encarar de maneira literal os dois personagens que surgem nos dez minutos finais de projeção provavelmente ficará desapontado; aqueles homens se prestam a um comentário satírico, social, e não devem ser vistos de outro modo). E é bastante provável que os fãs do diretor tenham um novo enigma para discutir nas próximas décadas: a gravidez de certa personagem (que, particularmente, acredito não ter existido). É um detalhe talvez bobo, inconseqüente, mas não menos fascinante do roteiro.
Match Point é mais uma prova de que jamais deveríamos considerar a carreira de Woody Allen como item do passado. Para cada Celebridades e O Escorpião de Jade (ou mesmo os apenas corretos Tudo o que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo, Os Trapaceiros e Igual a Tudo na Vida), há a possibilidade bastante real de que o próximo projeto do cineasta se revele um novo Annie Hall, Crimes e Pecados, Desconstruindo Harry ou Todos Dizem Eu Te Amo.
18 de Fevereiro de 2006
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