Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
11/02/2005 | 15/12/2004 | 5 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
132 minuto(s) |
Dirigido por Clint Eastwood. Com: Clint Eastwood, Hilary Swank, Morgan Freeman, Brian O’Byrne, Margo Martindale, Lucia Rijker, Bruce MacVittie.
Clint Eastwood é um raro exemplo de astro do Cinema que parece ter gostado – e muito – de envelhecer. Livre de todas as convenções que o amarraram durante décadas a personagens fortes e viris, o ator/diretor encontrou, no terceiro ato de sua carreira, um nicho pouquíssimo explorado: aquele que envolve personagens vulneráveis que, já no fim de suas vidas, reavaliam o próprio passado e procuram, com maior ou menor ansiedade, uma forma de concluírem suas existências com dignidade. E foi justamente esta descoberta da própria finitude que revelou, no antigo intérprete de ícones como o Homem Sem Nome e Dirty Harry, um improvável estudioso das angústias da velhice.
Com a voz ainda mais rouca do que de costume, Eastwood interpreta, aqui, Frankie Dunn, um veterano treinador de boxe que, dono de uma academia fracassada, está prestes a realizar seu sonho de conduzir um lutador ao título. Porém, depois que o tal boxeador o troca por um treinador/empresário mais ambicioso, Frankie percebe que provavelmente jamais treinará um campeão e que seus anos restantes de vida serão uma melancólica repetição de dias de tédio passados ao lado do velho amigo Eddie (Freeman), que trabalha como faz-tudo em sua academia. É então que surge em cena a garçonete Maggie Fitzgerald (Swank), que sonha em se tornar campeã feminina de boxe e insiste para que Frank a treine – algo que contraria a visão sexista do sujeito. Aos poucos, no entanto, os dois vão se aproximando até que Frank percebe que, afinal de contas, Maggie pode ser a campeã com quem tanto sonhou.
Em circunstâncias similares, a maior parte dos diretores-atores de Hollywood acabaria incluindo um romance improvável entre o velho treinador e a jovem boxeadora – especialmente cineastas mais idosos, sempre ansiosos para reafirmarem a própria virilidade (ver Woody Allen em Dirigindo no Escuro, Robert Redford em O Encantador de Cavalos, Kevin Spacey em Beyond the Sea e o próprio Eastwood em Crimes Verdadeiros e Dívida de Sangue). Aqui, porém, a relação entre Frankie e Maggie logo adota uma dinâmica de pai-e-filha, o que se torna mais do que natural, considerando-se que a garota, vinda de um lar sem harmonia, guarda boas lembranças apenas do pai, enquanto Frankie luta para reaproximar-se da própria filha, com quem não conversa há anos (aliás, um tema recorrente na filmografia de Eastwood).
Encarnando o veterano treinador como um homem cansado e desapontado com os rumos que a própria vida tomou, Eastwood não procura transformar seu personagem em um indivíduo simpático, o que o tornaria inverossímil. Em vez disso, ele permite que descubramos as características redentoras do sujeito aos poucos: Frankie é orgulhoso e bruto, sim, mas também é capaz de tudo para defender os interesses daqueles que conseguiram romper sua barreira de frieza e conquistar sua amizade (como o ex-lutador interpretado com grande carisma por Morgan Freeman e com quem estabelece um relacionamento franco e combativo: os dois homens se conhecem tanto que já nem precisam falar muito para expressar o que estão pensando). Mais do que convincente como conhecedor dos segredos do boxe, Eastwood oferece uma performance minimalista, que deve ser apreciada em seus detalhes e sutilezas: notem, por exemplo, sua expressão de orgulho contido e seu sorriso quase imperceptível ao acompanhar as lutas de Maggie e percebam, também, seu rosto marcado por linhas de expressão durante a importante conversa que ele tem com um padre durante o terceiro ato. Esta é, sem dúvida alguma, uma das performances mais completas da carreira de Eastwood – e que só se tornou possível, repito, graças à sua compreensão sobre a própria mortalidade.
Enquanto isso, Hilary Swank constrói uma personagem que, confesso, permaneceu em minha mente durante dias depois de assistir a Menina de Ouro. Extremamente determinada, Maggie sabe que, aos 31 anos de idade, é velha demais para iniciar uma carreira no boxe profissional (percebam que, novamente, Eastwood discute o efeito inexorável que o tempo exerce sobre nossas metas), mas se recusa a abandonar seus sonhos em função disso – e é comovente acompanhar sua dedicação sem limites ao seu objetivo. Dona de um entusiasmo contagiante, a garota luta para conquistar a aprovação de Frankie, mal contendo sua felicidade ao perceber que este irá finalmente aceitá-la como pupila (numa das cenas mais tocantes do filme, quando também reage com dignidade – `Não diga isso!` - a uma frase particularmente cruel dita pelo treinador).
Durante seus primeiros 90 minutos de projeção, Menina de Ouro assume, portanto, as características de um drama convencional sobre boxe, com direito ao mais do que tradicional arco narrativo do `novato que supera as adversidades para conquistar seus objetivos` – e, mesmo que não seja original (ver o também ótimo Mulheres na Lona), é envolvente o bastante para merecer aplausos. No entanto, é a partir de seu terço final que Menina de Ouro surpreende o espectador e revela sua verdadeira face, tornando-se infinitamente mais sombrio, complexo e instigante. É claro que não me atrevo sequer a sugerir o que acontece para provocar tamanha reviravolta dramática (você terá que assistir ao filme para descobrir), mas digo que, a partir dali, o longa levanta uma série de questões polêmicas que enviará o espectador para fora do cinema com a mente carregada de auto-questionamentos do tipo `o que eu faria naquelas circunstâncias?`.
Desta forma, Menina de Ouro se assume como um projeto infinitamente mais ambicioso do que o esperado, comprovando que, além de envelhecer como o vinho, Eastwood é um cineasta que, aos 74 anos, está longe de se acomodar a fórmulas pré-estabelecidas e não tem medo de controvérsias.
26 de Janeiro de 2005
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