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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
23/01/2004 30/01/2004 1 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
90 minuto(s)

A Cartomante
A Cartomante

Dirigido por Pablo Uranga e Wagner de Assis. Com: Deborah Secco, Ilya São Paulo, Luigi Baricelli, Cristiane Alves, Silvia Pfeifer, Silvio Guindane, Giovanna Antonelli, Mel Lisboa.

A boa notícia: A Cartomante é uma produção capaz de gerar boas risadas. A má: o filme não é uma comédia, mas sim uma espécie de `drama romântico com toques de thriller psicológico`. Honestamente? A única forma deste desastre em película funcionar como `drama romântico` seria através de sua exibição compulsória para casais em início de namoro. E `thriller psicológico` seria obrigar os espectadores a permanecerem no cinema para mais uma sessão.


Levemente inspirado em um conto de Machado de Assis (ênfase na palavra `levemente`), A Cartomante já se compromete na seqüência que precede o título: em uma boate lotada, o jovem Camilo (Baricelli) se aproxima de uma garota (Antonelli) a fim de seduzi-la. Depois de conversarem através de quase sussurros (apesar do altíssimo som que toma conta do ambiente), os dois partem rumo ao apartamento da moça, que realmente parece ser bem atraente: bêbada e viciada em ecstasy, ela não apenas é extremamente vulgar como ainda agride o rapaz, dizendo que este deve `fazer o que ela mandar`. Quem não gostaria de uma mulher assim? Surpreendentemente (ênfase no cinismo), a noite acaba mal e Camilo é hospitalizado, vítima de overdose, tendo sua vida salva por um amigo de infância, o médico Antônio Vilela. O que ocorre em seguida é previsível: Vilela apresenta o amigo para sua noiva, Rita (Secco), e, pouco tempo depois, já está sendo traído pela dupla.

A primeira grande incoerência de A Cartomante reside na postura do casal de amantes, que age como se não tivesse outra opção a não ser fazer de tudo para manter o romance em segredo – embora eles queiram ficar juntos. Ora, o que impede Rita de romper com Vilela - principalmente depois que este se revela um sujeito agressivo e dominador? No conto, as condições eram totalmente diferentes: Vilela e Rita eram casados e a história se passava no conservador século 19. Já o roteiro não se preocupa em apresentar justificativas para os temores dos amantes.

Mas este talvez seja o menor dos pecados desta adaptação, que tortura o público com diálogos absurdamente ruins: em certo momento, por exemplo, a personagem de Giovanna Antonelli (que faz pouco mais que uma ponta no filme) diz: `Quero fazer sexo. Quero fazer muito sexo!`, enquanto Deborah Secco, em outra cena, afirma para o noivo: `Eu quero ser o seu almoço!`. Aliás, não sei o que é mais vergonhoso: ouvir um ator (talentoso ou não) dizer falas como estas ou constatar que Machado de Assis, sempre tão cuidadoso na construção impecável de seus textos, tenha servido de inspiração para este projeto. Ah, quase esqueço de mencionar meu instante favorito: ao atender um paciente no pronto-socorro, o dr. Vilela ausculta o coração do sujeito e faz o diagnóstico: `Parou!`. Só faltava ele dizer que iria `precisar dar umas pancadas no peito da vítima pra ver se ela acorda` – mas, felizmente, a cena chega ao fim antes que isso aconteça.

O desenvolvimento dos personagens também é interessante, variando de acordo com as necessidades imediatas do roteiro: inicialmente, Vilela é um sujeito bacana, transformando-se instantaneamente em vilão quando Rita e Camilo se tornam o casal central da trama. Depois de cumprir o papel de antagonista, no entanto, ele volta a apresentar indícios de bondade. Da mesma forma, Camilo alterna seu comportamento entre o de um garotão inconseqüente, um conquistador barato e um amante apaixonado, sem maiores explicações. De modo geral, no entanto, é justo dizer que o triângulo amoroso visto em A Cartomante é formado por um babaca, uma mulher medíocre e um egocêntrico. Difícil é entender porque o espectador deveria se importar com três personagens tão detestáveis.

Por incrível que pareça, a direção do projeto consegue competir com a mediocridade do roteiro: os `cineastas` Pablo Uranga e Wagner de Assis parecem incapazes de compor um quadro sequer com a mínima elegância e demonstram desconhecer os princípios básicos da linguagem cinematográfica, como podemos observar em algumas cenas em que os planos e contraplanos são realizados em eixos de sentido diferentes (o resultado é que os dois interlocutores visto na seqüência parecem olhar para a mesma direção, e não um para o outro). Apelando para clichês mais do que batidos (como ao realizar um zoom nos rostos de Rita e Camilo quando estes se vêem pela primeira vez, a fim de estabelecer o `amor à primeira vista`), a dupla de diretores cria alguns planos tão ridículos que chegam a provocar o riso, como no close `sensual` da orelha de Deborah Secco e na tomada em que Vilela aperta dramaticamente um copinho de plástico cheio de café. A impressão final é a de que A Cartomante é um filme amador, e não uma produção supostamente profissional (observe a seqüência que se passa em um bar, envolvendo dois homens e uma arma, e perceberá a falta de veracidade que domina toda a narrativa).

Eu ainda poderia citar a trilha sonora caótica, que jamais se define por um tom, ou as péssimas atuações (com destaque para Antonelli, cuja performance chegou a me deixar constrangido), mas isto seria como chutar cachorro morto. Pensei, também, em discutir a `revelação` final, mas não vejo razão para isso: se nem mesmo os cineastas parecem levar a tal reviravolta a sério, por que eu deveria fazê-lo? Por outro lado, não posso deixar de observar que praticamente todo o elenco é citado nos créditos de `produtores associados`, o que significa, na prática, que Baricelli, Secco e cia. aceitaram receber menos do que o habitual para participar do projeto. A pergunta é: por que?

Ah, sim: talvez seja interessante informar que o roteiro de A Cartomante foi escrito por Wagner de Assis, responsável por obras como Xuxa Popstar e Xuxa e os Duendes. Seja como for, A Cartomante já é sério candidato a um prêmio que criei de maneira informal este ano: o troféu Histórias do Olhar 2004.

28 de Janeiro de 2004

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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