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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
17/12/2004 26/11/2003 4 / 5 3 / 5
Distribuidora
Duração do filme
91 minuto(s)

Papai Noel às Avessas
Bad Santa

Dirigido por Terry Zwigoff. Com: Billy Bob Thornton, Tony Cox, Brett Kelly, Lauren Graham, Lauren Tom, Bernie Mac, John Ritter, Ajay Naidu, Tom McGowan, Cloris Leachman.

Há alguns dias, participei pela primeira vez de um ritual que certamente irá se repetir pelos próximos anos: levei meu filho para tirar uma foto com o Papai Noel. Enquanto aguardava na longa fila, observei o simpático velhinho sentado no majestoso trono do shopping center e pude constatar que ele se encontrava obviamente cansado, apesar de esforçar-se ao máximo para receber cada criança com o mesmo sorriso de satisfação. Não deve ser nada fácil agüentar dez horas diárias de beijos, abraços e flashes fotográficos – e ainda ter que simular interesse ao repetir a velha pergunta `O que você quer ganhar?` pela enésima vez. Certamente deve haver algum momento em que o `bom velhinho` sente uma forte vontade de se revoltar e atirar alguma criança para o alto (felizmente, isso não aconteceu na vez do meu filho).

Aliás, os irmãos Joel e Ethan Coen, donos de um senso de humor mordaz, provavelmente imaginaram algo parecido quando tiveram a idéia deste projeto, que poderia perfeitamente receber o título de O Mau Velhinho em seu lançamento no Brasil (o original é Bad Santa e a tradução oficial é Papai Noel às Avessas). A diferença é que, aqui, o Papai Noel interpretado por Billy Bob Thornton não se preocupa em ocultar sua impaciência ao escutar os diferentes pedidos de seus pequenos espectadores – e, ao ouvir o nome de um brinquedo que não conhece, ele não pensa duas vezes antes de perguntar `Que porra é essa?`.

Escrito por John Requa e Glenn Ficarra (a partir da premissa criada pelos Coen), Papai Noel às Avessas gira em torno de Willie (Thornton), um ladrão alcoólatra e mulherengo que, ao lado do parceiro Marcus (Cox), se especializou em um golpe atípico: todo ano, eles conseguem emprego em uma grande loja de departamentos como Papai Noel e seu assistente elfo (Marcus é anão) e aproveitam o acesso ao estabelecimento para descobrirem as senhas do sistema de segurança, efetuando o roubo na véspera do Natal. O problema é que Willie está se tornando cada vez mais instável (para desespero de seu comparsa), criando uma série de confusões que levam o gerente da loja (vivido por John Ritter, em seu último papel no Cinema) a prestar atenção redobrada em suas ações. E quando digo `confusões`, não me refiro a situações engraçadinhas comuns nas comédias americanas, mas sim à insistência de Willie em transar com clientes nos provadores localizados no setor de roupas para mulheres obesas e, é claro, ao seu hábito de trabalhar bêbado.

Na realidade, o filme está sempre buscando novas maneiras de chocar ainda mais as pobres crianças que se deparam com este imprevisível Papai Noel. Em certo momento, por exemplo, um garotinho puxa a barba de Willie e, confuso, constata que esta é falsa – e a resposta do sujeito é de uma crueldade absolutamente hilária:

- Eu tinha uma barba de verdade, mas ela caiu quando eu fiquei doente.

Qualquer outro roteirista teria parado por aí e se parabenizado pelo ótimo diálogo, mas Requa e Ficarra não se dão por satisfeitos e continuam:

- Como você ficou doente? – pergunta o garotinho.

- Eu transei com uma mulher que não era limpa.

- A Sra. Noel?

- Não, a irmã dela.

Como você pode perceber, Willie não conhece limites – e Billy Bob Thornton se entrega totalmente ao personagem, não fazendo esforço algum para amenizar seu caráter desprezível. Aliás, por mais que admire o trabalho de Bill Murray (cogitado inicialmente para o papel), não posso deixar de constatar que ele seria a escolha errada para viver Willie, já que seu cinismo característico nos faria duvidar da seriedade do sujeito – e é justamente por acreditarmos na natureza auto-destrutiva e impiedosa retratada por Thornton que acabamos nos envolvendo de fato com a história. Em determinado instante de Papai Noel às Avessas, Willie diz: `Hoje espanquei uns garotos. Isso me fez sentir bem comigo mesmo`. Caso Murray dissesse esta fala, provavelmente seríamos levados a pensar que ele se divertiu com a situação, mas Thornton confere tanto peso à afirmação que não há como deixarmos de refletir sobre o paradoxo contido no incidente.

Enquanto isso, o pequeno Brett Kelly, que interpreta o garotinho que acaba se tornando o companheiro (indesejado) de Willie, não se limita a criar um personagem `bonitinho` - Thurman é mais do que isso; é uma criança profundamente perturbada e solitária que não se deixa assustar ou intimidar pelo jeito explosivo do `amigo`, mas não por ser corajosa, e sim por precisar desesperadamente de sua companhia. Com seu olhar inocente e sua firme convicção de que Willie é Papai Noel, Thurman é uma figura comovente - e a relação entre os dois personagens jamais soa forçada, o que é admirável.

Dirigido por Terry Zwigoff, do ótimo Mundo Cão (outro filme sobre personagens pouco sociais), Papai Noel às Avessas realiza a façanha de provocar o riso a partir de personagens absurdamente patéticos (no sentido deprimente da palavra). E se você ainda não se convenceu de que este longa investe em situações nada convencionais, eu pergunto: quando foi a última vez que você viu um sujeito alcoólatra, uma criança e um anão se agredindo em um ringue de boxe?

Mas não se deixe enganar: apesar de tudo, Papai Noel às Avessas segue os passos de produções como Milagre na Rua 34 (1947), Meu Papai é Noel e Um Duende em Nova York, fazendo um belo discurso sobre o `espírito do Natal`. No entanto, arrisco-me a dizer que talvez sua mensagem seja ainda mais significativa em função da canalhice de seu protagonista – afinal, desta vez o dilema não diz respeito a uma criança que `deixou de acreditar em Papai Noel` ou a um `adulto que odeia o Natal`, mas sim a um sujeito que jamais se importou com qualquer outro ser humano em toda sua vida. E sua redenção é, portanto, uma lição de crescimento e otimismo que todas as crianças deveriam receber.

Isto é, caso pudessem assistir a este filme. E acreditem quando digo que isto é uma coisa que elas definitivamente não devem fazer.
``

20 de Dezembro de 2003

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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