Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
08/10/2004 | 16/04/2004 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
137 minuto(s) |
Dirigido por Quentin Tarantino. Com: Uma Thurman, Daryl Hannah, Michael Madsen, David Carradine, Michael Parks, Chiaki Kuriyama, Julie Dreyfus e Sonny Chiba, Gordon Liu, Michael Parks, Perla Haney-Jardine, Bo Svenson.
Que Tarantino é um sujeito extremamente egocêntrico, todo mundo já sabe – e cheguei a comentar este fato no início de meu artigo sobre Kill Bill Vol. 1. O problema é que, nesta segunda parte de sua saga sobre uma mulher determinada a se vingar de seus algozes, o cineasta revela uma auto-indulgência que compromete seu filme, algo que ele conseguira evitar no passado. Ao contrário do capítulo anterior, este Volume 2 revela-se muito mais longo do que o ideal, incluindo diversas cenas (ou mesmo trechos de cenas) que mereciam aparecer como extras no futuro DVD, e não na versão lançada nos cinemas.
Ainda assim, não há como negar que a metade final de Kill Bill, mesmo com todas as suas falhas (que abordarei em seguida), produz um número suficiente de surpresas narrativas para colocá-lo acima da maior parte do lixo que Hollywood produziu este ano (que tem se revelado tão ruim quanto 2000). Logo na seqüência inicial, por exemplo, a Noiva (Thurman), em um exercício curioso de metalinguagem, se refere aos anúncios usados para divulgar o Volume 1 e promete que o título do filme será justificado desta vez. A partir daí, somos levados a rever o massacre na capela (que inclui uma participação especial de Samuel L. Jackson), durante o qual a protagonista foi baleada na cabeça por seu ex-amante Bill - e, ainda que saibamos exatamente o que vai acontecer, Tarantino consegue criar um clima de tensão crescente que culmina em um belíssimo plano no qual a câmera sai da igreja, passa pelos quatro assassinos que trabalham para o vilão e afasta-se em direção ao céu, como se evitasse nos mostrar o terror que tomará conta do lugar.
Continuando a fazer referências constantes aos westerns spaghetti e aos filmes de artes marciais realizados no Japão e na China durante as décadas de 60 e 70, o diretor abusa (no bom sentido) de zooms rápidos nos rostos de seus atores e de closes fechadíssimos saídos diretamente de Era uma Vez no Oeste, de Sergio Leone. Além disso, a ótima trilha sonora se afasta um pouco das escolhas características de Tarantino (um fã inveterado das músicas dos anos 70) e aposta em melodias obviamente inspiradas em Ennio Morricone, empregando guitarras, flautas e assovios. Para completar, o diretor também inclui uma série de homenagens sutis a Rastros de Ódio, Blade Runner e ao seu próprio Cães de Aluguel, salientando o aspecto fantasticamente cinematográfico da história que está contando (mais uma vez, podemos interpretar estas citações como exercícios de metalinguagem, e não apenas como referências vazias).
Kill Bill Volume 2 traz, também, uma das melhores seqüências que Quentin Tarantino já dirigiu em sua carreira: aquela em que a Noiva é enterrada viva por um de seus inimigos. Tensa e bem desenvolvida, ela inclui um longo momento de escuridão durante o qual o cineasta utiliza apenas efeitos sonoros para ilustrar a situação desesperadora da heroína, o que é notável. Por outro lado, ele revela sua necessidade de se exibir ao empregar, também, uma breve mudança na razão de aspecto do longa, quando, por alguns segundos, a tela se `encolhe` para 1.33:1 sem motivo narrativo algum para que isto ocorra. Da mesma forma, o recurso da tela dividida, outra característica de Tarantino, aparece aqui de forma gratuita, apenas para retratar a queda simultânea da Noiva e da vilã Elle Driver (Hannah) durante uma luta. E, se a luta em questão é conduzida num tom violento e real (o que é ótimo), o diretor nos frustra ao interromper a seqüência do treinamento com Pai Mei (um dos melhores instantes do longa) de maneira súbita, sem maiores explicações.
Ao contrário do Volume 1, que se concentrava na ação, esta continuação confere grande importância aos diálogos, o que, a princípio, poderia ser ótimo, já que Tarantino tornou-se famoso por isto. Infelizmente, excetuando-se uma ou outra fala mais inspirada (`Os 88 Loucos não eram, de fato, 88 pessoas. Apenas se chamavam assim. (...) Eles deviam achar que o nome soava bem.`), as conversas retratadas no Volume 2 jamais se tornam tão memoráveis quanto aquelas ouvidas em Pulp Fiction, Cães de Aluguel ou Jackie Brown. Para piorar, praticamente todos os personagens falam de forma lenta, repleta de pausas, como se tudo que dissessem fosse repleto de significados. Não é. E, por mais fascinante que seja o monólogo de Bill sobre o Super-Homem, o fato é que o discurso não combina com o personagem; quem está falando aquilo é Quentin Tarantino, não o personagem de David Carradine.
Carradine, por sinal, revela-se uma tremenda decepção como o personagem-título. Sem possuir peso dramático suficiente, ele adota o estilo pausado de falar como forma de conferir um pouco mais de solenidade e personalidade a Bill, mas sem sucesso. O máximo que consegue fazer é retratar o vilão como alguém que simplesmente adora ouvir a própria voz, embora quase nunca tenha algo interessante para dizer – e o problema de dicção do ator (língua presa) contribui para tornar Bill ainda menos ameaçador. Não há dúvidas de que Harrison Ford ou Warren Beatty (escolha inicial de Tarantino) fariam um trabalho infinitamente melhor no papel. No final das contas, a verdade é que Bill é um cara chato, aborrecido – e, portanto, não é surpresa constatar que as melhores cenas do Volume 2 são aquelas nas quais ele não aparece (o cemitério; a conversa entre Elle e Budd; a briga entre a Noiva e Elle; e, é claro, o treinamento com Pai Mei).
Em contrapartida, Michael Madsen e Daryl Hannah roubam o filme como os perigosos Budd e Elle, respectivamente. Enquanto esta última protagoniza um momento brilhante no qual lê algumas informações em um bloco de anotações, o primeiro cria uma figura capaz de despertar até mesmo a simpatia do espectador. Budd é um sujeito que, apesar de não ter orgulho do que fez no passado (especialmente com a `Noiva`), não está nem um pouco disposto a se deixar derrotar pela inimiga – e, de certa forma, ele é aquele que mais dá trabalho à heroína, revelando-se o mais perigoso de seus oponentes. Finalmente, Uma Thurman continua a convencer como a assassina vingativa, emprestando grande energia e intensidade à personagem.
Mas não há como evitar a constatação de que esta continuação é mais longa do que deveria: para cada boa cena (como aquela em que duas matadoras compartilham um inesperado elo de feminilidade), há duas outras que deveriam ter sido cortadas - um bom exemplo é a longa (e chata) conversa entre a Noiva e Esteban, um velho cafetão que representa uma `figura paterna` para Bill. E, por falar neste último, o tão esperado confronto entre o vilão e a heroína representa um terrível anti-clímax, encerrando de forma decepcionante a jornada da Noiva. Sem revelar nada de importante, posso dizer que gosto do que acontece a Bill, mas que a luta entre ele e sua ex-amante deveria ser mais elaborada para fazer jus à expectativa do público.
Prejudicado ainda por um terceiro ato terrivelmente longo para suas pouco mais de duas horas de duração, o Volume 2 comprova uma suspeita que eu já manifestara ao falar sobre o primeiro capítulo: ao dividir (por interesses comerciais) seu filme em duas partes, Quentin Tarantino desfez o equilíbrio entre ação e diálogos que normalmente engrandece seus trabalhos. Não tenho dúvidas de que Kill Bill funcionaria muito melhor como um único longa.
Como conseqüência, Tarantino pode até ter ganhado alguns dólares a mais, mas, no processo, quase matou Bill. Não o personagem, mas seu próprio filme.
Observação: há uma pequena cena de bastidores após os créditos finais. Mas, caso a tenha perdido, não se preocupe: ela mostra apenas Uma Thurman arrancando o `olho` de um dos 88 Loucos e, depois do `Corta!`, pedindo para fazer outra tomada. Bobagem.
8 de Outubro de 2004