Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
13/06/2008 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
114 minuto(s) |
Dirigido por Louis Leterrier. Com: Edward Norton, Liv Tyler, William Hurt, Tim Roth, Tim Blake Nelson, Ty Burrell, Christina Cabot, Lou Ferrigno, Débora Nascimento e Robert Downey Jr.
Comandado em 2003 por Ang Lee, Hulk surgiu como uma versão bastante particular das superproduções protagonizadas por heróis dos quadrinhos: concentrando-se nos conflitos psicológicos entre pais e filhos (David vs. Bruce Banner; General Ross vs. Betty), o filme do cineasta taiwanês investiu pesadamente na dor emocional e psíquica cujas raízes se encontravam na história concebida por Stan Lee e Jack Kirby, ignorando as necessidades comerciais de se criar uma trama com mais ação e explosões – o que, naturalmente, desagradou boa parte dos fãs do personagem, que não se impressionaram nem mesmo com a fidelidade com que o diretor recriou a experiência estética dos quadrinhos, numa das mais bem-sucedidas experiências do gênero (algo que me leva, ainda hoje, a exibir trechos do longa de Ang Lee em meu curso sobre Linguagem Cinematográfica). Porém, como é o dinheiro que dita as regras desta Arte, a Marvel, que recuperou os direitos de adaptação da Universal, decidiu reinventar a série, ignorando o ótimo trabalho de 2003 e apostando numa versão que privilegiasse a ação.
Felizmente, com bons resultados. Radicalmente diferente do trabalho de Lee em tom, linguagem e ritmo, este O Incrível Hulk é, ao seu próprio modo, uma adaptação eficiente que, para a alegria da Marvel, ainda traz o bônus de ser bem mais acessível ao público que ressentiu o mergulho dramático feito no original. Escrito por Zak Penn (e revisado exaustivamente pelo ator Edward Norton, que aqui assina como Edward Harrison), o roteiro apresenta uma versão alternativa para a origem do Hulk já em seus minutos iniciais, quando acompanhamos a primeira transformação do cientista Bruce Banner (Norton), que, ao contrário do que víramos antes, aqui ocorre diante de sua namorada Betty Ross (Tyler), o que quase leva a uma tragédia. Perseguido pelos militares, Bruce tenta encontrar uma cura que o livre das indesejadas transformações e, para trabalhar em tranqüilidade, foge para o Brasil, escondendo-se na favela da Rocinha – o lugar ideal para que um norte-americano branquelo e de olhos claros que mal fala o português passe despercebido, naturalmente.
Brincadeiras à parte, o primeiro ato de O Incrível Hulk, que se passa inteiramente no Brasil, é também o mais eficiente do longa. Explorando bem as locações (há um plano aéreo da favela simplesmente magnífico), o diretor Louis Leterrier apresenta com talento o cotidiano de Bruce e seus esforços para controlar suas explosões de raiva – e até mesmo a música de Craig Armstrong, que busca incorporar batidas supostamente abrasileiradas na trilha de ação, soa apropriada sem cair no estereótipo. Além disso, o design de produção acerta na criação realista do barraco de Banner, que conta até mesmo com uma centrífuga construída a partir de pneus e de um pequeno motor. Infelizmente, a equipe do designer Kirk M. Petruccelli peca pela inconsistência, já que, no ato final, os escombros vistos durante a luta climática surgem artificiais, revelando claramente sua condição de cenários de Hollywood, o que contribui para tornar a seqüência ainda mais frágil, já que o esperado confronto entre Hulk e o Abominável também decepciona pela artificialidade (as criaturas denunciam suas naturezas digitais) e pela falta de imaginação (com exceção das “luvas” construídas pelo herói a partir de um carro de polícia, a luta é burocrática e não apresenta nada de notável).
Mas o mais curioso, nesta “reimaginação”, é que, apesar de todos os esforços para distanciá-la da abordagem mais “cerebral” de Ang Lee, seus momentos mais fortes acabam sendo justamente aqueles em que nos concentramos nas feridas psicológicas do protagonista. Surgindo bem mais vulnerável na pele do magro Edward Norton do que parecia ser como o obviamente malhado Eric Bana, o cientista Bruce Banner é um homem angustiado que parece carregar o mundo sobre os ombros. Aliás, mais do que na versão de Ang Lee, aqui realmente sentimos como o Hulk representa uma verdadeira maldição para o acadêmico – e lembrem-se de que, em 2003, Bana dizia gostar da sensação provocada pela transformação, ao passo que, aqui, Norton manifesta autêntico desespero para se “curar”. Neste sentido, O Incrível Hulk se aproxima bastante da saudosa série estrelada por Bill Bixby e Lou Ferrigno entre 1978 e 1982, o que fica ainda mais óbvio graças às várias referências feitas a ela pelo diretor Louis Leterrier, incluindo os planos-detalhes dos olhos de Banner no início das transformações e até mesmo a melancólica música-tema, que pode ser ouvida brevemente quando vemos o cientista caminhando solitariamente.
No entanto, se Norton se sai bem ao ilustrar a angústia do protagonista, o mesmo não pode ser dito com relação a William Hurt, cujo General Ross parece uma pálida sombra diante da versão viril e repleta de autoridade apresentada por Sam Elliott em 2003. Da mesma forma, Liv Tyler jamais soa convincente como uma respeitada cientista, funcionando melhor depois que assume a condição de simples par romântico do herói. Em contrapartida, os dois “Tim” (Roth e Blake Nelson) cumprem bem suas funções: o primeiro, ilustrando com arrogância as ambições do perigoso Emil Blonsky; e o segundo, transformando o dr. Samuel Sterns numa figura suficientemente interessante para justificar o papel obviamente maior que terá na provável continuação (embora devamos temer sua tendência ao exagero em prol do humor). Finalmente, o filme conta com as inevitáveis participações especiais de Stan Lee e Lou Ferrigno, cuja importância para os fãs é reconhecida por Edward Norton em cena e de maneira bem humorada. Aliás, até mesmo Bixby é homenageado com uma rápida imagem de arquivo, o que não deixa de ser apropriado.
E chegamos, finalmente, ao ponto mais delicado destas versões cinematográficas protagonizadas pelo gigante verde: o próprio. Por um lado, ao abandonar a cor verde-Shrek da versão de Lee, apostando num tom mais escuro, o Hulk de Leterrier se torna imediatamente mais verossímil – e a decisão de ignorar aqueles saltos absurdos vistos em 2003 é igualmente bem-vinda, já que, agora, a criatura parece mais sólida e pesada. Infelizmente, embora seja, de fato, mais realista, o personagem ainda não consegue ser totalmente convincente; e os momentos em que seu rosto domina a tela chegam a incomodar, já que denunciam ainda mais sua artificialidade (os olhos vidrados, sem vida, são particularmente problemáticos). Talvez a Marvel devesse considerar a possibilidade de contratar a WETA numa próxima ocasião, já que a empresa de Peter Jackson já demonstrou talento na construção de criaturas digitais a partir do motion capture, como atestam Gollum e King Kong.
Ágil e divertido (o humor do filme funciona bem, embora um pouco menos do que em Homem de Ferro), O Incrível Hulk ainda traz referências claras a outros personagens do universo Marvel, como Nick Fury e Tony Stark - o que enriquece ainda mais a narrativa. E ainda que continue a apreciar imensamente a riqueza temática e estética do Hulk de Ang Lee, não posso deixar de reconhecer que, com exceção do deficiente terceiro ato, esta nova versão conta com suas próprias e inegáveis virtudes.
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