Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
22/08/2003 | 25/08/2004 | 3 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
106 minuto(s) |
Dirigido por Guel Arraes. Com: Selton Mello, Débora Falabella, Virginia Cavendish, Bruno Garcia, André Mattos, Tadeu Mello, Heloísa Perissé e Marco Nanini.
Há alguns dias, tive o azar de entrar em um elevador no qual duas senhoras de meia-idade conversavam. Nada tenho contra senhoras de meia-idade, obviamente – o problema é que estas duas mulheres falavam em um tom de voz altíssimo, como se estivessem a metros de distância uma da outra e, além disso, fossem surdas. Apesar de ter ficado apenas um ou dois minutos ao lado da dupla, saí do elevador atordoado, como se tivesse acabado de levar uma surra – e posso jurar que continuei a ouvir ecos da conversa durante horas. Pois bem: ao sair do cinema depois de assistir a Lisbela e o Prisioneiro, tive uma sensação bastante parecida, já que praticamente todos os personagens do filme atravessam a história gritando suas falas, como se isto tornasse o que estão dizendo mais divertido. Infelizmente, o resultado é justamente o oposto: em vários momentos, torci para que surgisse uma vinheta anunciando um intervalo comercial que me permitisse aproveitar alguns segundos de silêncio.
Aliás, não foi por acaso que a idéia do intervalo me veio à mente: dirigido por Guel Arraes, um veterano da televisão (e responsável pelo núcleo mais criativo da Globo), Lisbela e o Prisioneiro possui um ritmo muito mais compatível com esta mídia do que com o Cinema propriamente dito. Na tevê, é fundamental que os programas mantenham uma narrativa ágil, contínua, para que o espectador tenha sempre a impressão de que algo está acontecendo – e, assim, não mude de canal. Desta forma, neste primeiro trabalho de Arraes realizado diretamente para as telonas (os anteriores, O Auto da Compadecida e Caramuru, foram `reciclados` de produções para a Globo), a edição assume um caráter quase histérico, contendo um número de cortes que provocariam inveja até mesmo em Michael Bay (em certo momento, a sedutora Inaura, vivida por Virginia Cavendish, deita-se em uma cama e, durante este simples movimento, há cerca de cinco cortes, o que é assustador). Mas não é só isso: ao longo dos 106 minutos de projeção, é impossível encontrar 3 segundos nos quais haja silêncio: contendo um número de diálogos mais apropriado para uma peça de teatro, o filme traz personagens que não parecem sequer pensar antes de dizer algo: durante as conversas, simplesmente não há pausa entre os diálogos, como se as respostas estivessem engatilhadas antes mesmo da formulação das perguntas – e isso inevitavelmente satura o espectador.
Escrito por Guel Arraes, Pedro Cardoso e Jorge Furtado (a partir de peça de Osman Lins), o roteiro gira em torno de Leléu, um simpático trapaceiro que viaja pelo sertão nordestino vendendo `elixires para impotência` e apresentando atrações como `Monga, a Mulher-Gorila`, a Paixão de Cristo e `trapezistas cegos` (ele viaja em uma caminhonete que revela bastante sobre seu temperamento e estilo de vida, já que traz frases como `80 tentação 20 ver` e possui uma porta que só abre por fora). Depois de se envolver com a esposa (Cavendish) de um perigoso matador (Nanini), Leléu foge para outra cidade e acaba conhecendo a ingênua e romântica Lisbela (Falabella), filha única de um delegado (Mattos) e que está prestes a se casar com o antipático Douglas (Garcia). A partir daí, as coisas se complicam à medida em que Leléu e Lisbela se apaixonam e o assassino Frederico Evandro chega ao lugarejo.
Retratando Lisbela como uma garota apaixonada por seriados de Cinema (um formato popular entre as décadas de 10 e 50, quando o sucesso da televisão – vejam a ironia! – decretou seu fim), a narrativa utiliza o curioso recurso de estabelecer paralelos entre suas reviravoltas e os clichês das produções de Hollywood, em auto-referências sempre inventivas (as cenas criadas para os `seriados` são absolutamente geniais). Assim, a personagem-título antecipa, em vários instantes, fatos que estão para ocorrer em sua própria história, o que não deixa de ser divertido. Da mesma forma, Lisbela e o Prisioneiro conta com ótimos diálogos, algo que já era de se esperar em um roteiro com a assinatura de Furtado (responsável pelo recente O Homem que Copiava). Em contrapartida, várias das situações cômicas apresentadas ao longo da trama soam excessivamente forçadas e pouco eficazes. Além disso, o filme ocasionalmente afunda em cenas dramáticas artificiais que jamais encontram resposta por parte do espectador, já que os personagens são absurdos demais para estabelecerem algum tipo de identificação com a platéia (rimos de suas aventuras, é claro, mas isso não quer dizer que soframos por eles).
Selton Mello, como Leléu, está brilhante como de hábito. Provando, mais uma vez, ser um dos atores mais talentosos de sua geração, o rapaz compõe o personagem como um sujeito capaz de oscilar entre a confiança e a covardia com a mesma facilidade. Como se não bastasse, o timing cômico do ator é impecável – algo que pode ser constatado, por exemplo, na seqüência em que ele se passa por coroinha. Enquanto isso, Marco Nanini, outro monumento da interpretação, torna-se assustador como o matador de olhos injetados que `não gosta de ver ninguém morrer triste`. Já Débora Falabella está apenas correta como a doce mocinha – e se sua personagem não encanta como deveria, a culpa reside no roteiro, que a transforma em uma garota relativamente maçante. E se Tadeu Mello mostra-se irritante como de hábito (será que devo rir só porque ele é baixo e desengonçado?), Bruno Garcia acerta em cheio no sotaque forçadíssimo de Douglas, um sertanejo que, depois de passar um mês no Rio de Janeiro, volta para sua cidade como se tivesse nascido na metrópole.
E, enquanto a ótima trilha sonora de João Falcão e André Moraes merece destaque, a fotografia nada inspirada de Uli Burtin jamais explora o universo cheio de cores que uma história com tons farsescos como esta poderia ter (o que não deixa de ser estranho, já que Burtin fez um trabalho inesquecível em Hans Staden). Com relação à direção de Arraes, é preciso dizer que seus `vícios` da televisão podem ser identificados aqui e ali, como o excesso de planos médios e closes nos rostos dos atores e a escassez de quadros mais abertos. Da mesma forma, a seqüência em que Leléu enfrenta um boi bravo é lamentavelmente coreografada: o boi parece mais disposto a lamber o dublê, cuja presença também se torna óbvia demais (falhas que a pequena dimensão das telas de tevê normalmente oculta). Ainda assim, a inventividade e o talento de Arraes são constatados em belos enquadramentos como aquele em que o casal de protagonistas conversa em frente a uma tela de cinema.
Sem manter a consistência de O Auto da Compadecida ou surpreender o espectador como O Homem que Copiava, Lisbela e o Prisioneiro é um filme moderadamente divertido e sempre interessante. Poderia ser mais curto e um pouco mais `contemplativo`, é verdade, mas ainda assim é um trabalho promissor de Guel Arraes. Acho que as duas senhoras do elevador vão adorar esta produção.
20 de Agosto de 2003