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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
03/03/2000 03/12/1999 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
112 minuto(s)

Direção

Spike Jonze

Elenco

John Cusack , Cameron Diaz , Catherine Keener , Orson Bean , Mary Kay Place , Charlie Sheen , John Malkovich

Roteiro

Charlie Kaufman

Produção

Charlie Kaufman

Fotografia

Lance Acord

Música

Carter Burwell

Montagem

Eric Zumbrunnen

Design de Produção

K.K. Barrett

Figurino

Casey Storm

Direção de Arte

Peter Andrus

Quero Ser John Malkovich
Being John Malkovich

Dirigido por Spike Jonze. Com: John Cusack, Cameron Diaz, Catherine Keener, Orson Bean, Mary Kay Place, Charlie Sheen e John Malkovich.

Na maioria das vezes, dizer que um filme possui um `roteiro original` significa simplesmente afirmar que este não foi escrito a partir de algum outro material previamente publicado, como livro, artigo ou poema. No caso de Quero Ser John Malkovich, no entanto, o significado é literal: são poucas as vezes em que podemos realmente dizer `Nunca vi algo assim!`. Este filme consegue se encaixar nesta rara descrição.

Escrito pelo novato Charlie Kaufman, o roteiro conta a história de Craig Schwartz (Cusack), um titereiro (leia-se: manipulador de marionetes) que encontra-se desempregado há vários meses - ele passa seus dias encenando, nas ruas, uma versão do romance entre Abelardo e Heloísa (visto no drama Em Nome de Deus) interpretada por bonecos - o que geralmente lhe causa muitos problemas. Certo dia, ele resolve responder a um anúncio publicado por uma empresa que está à procura de um arquivista. Chegando ao prédio em questão, Craig tem sua primeira surpresa: o escritório funciona no sétimo e meio andar do edifício - um lugar com teto tão baixo que todos os funcionários devem andar encurvados.

É quando descobre, por acaso, uma pequena porta escondida atrás de um arquivo e, ao passar por ela, é misteriosamente levado para dentro da mente do ator John Malkovich, onde passa quinze maravilhosos minutos - sendo despejado, em seguida, à beira de uma auto-estrada. A experiência altera sua percepção da vida, e Craig resolve compartilhar sua descoberta com a bela, porém inescrupulosa, Maxine (Keener), colega de trabalho por quem está apaixonado. A sugestão da moça é simples: vender ingressos para a mente de Malkovich cobrando 200 dólares por pessoa. Enquanto isso, a esposa do titereiro, a desleixada Lotte (uma irreconhecível Cameron Diaz), também realiza suas próprias descobertas ao entrar por quinze minutos no corpo do ator.

Por mais que se tente resumir a trama de Quero Ser John Malkovich em alguns parágrafos, a tarefa revela-se impossível. O roteiro é tão repleto de revelações e reviravoltas que, em certo momento, as surpresas transformam-se em meros preâmbulos para as seguintes. Em certo momento, para se ter uma idéia, o próprio Malkovich atravessa o portal que conduz para o interior de sua mente - e o que ele vê é uma das melhores seqüências do filme.

Mas o que poderia ter se tornado um projeto simplesmente `excêntrico` ganhou um interessante contorno de realidade graças à segura direção do (também) estreante Spike Jonze, que em nenhum momento perde as rédeas do filme. Além disso, a crescente inquietação da câmera leva o espectador a sentir algo parecido com o que está acontecendo na tela: inicialmente, há uma vontade de se ficar um pouco mais em Malkovich e, mais tarde, de `libertar` o ator. E mais: o diretor chegou ao ponto de dizer a John Malkovich como ele deveria se comportar em certas situações, ignorando o fato de que, supostamente, ele deveria estar interpretando a si próprio. Sim, `supostamente`: o John Horatio Malkovich do filme não é, obviamente, o John Gavin Malkovich da vida real, mas apenas uma versão da persona cinematográfica deste.

Porém, o ator não foi o único a brincar com a própria figura: no filme, Charlie Sheen também faz uma ponta (como si mesmo) absolutamente hilária, na qual aparece como um sujeito completamente aloprado, inconseqüente e fanfarrão que visita Malkovich para aconselhar o amigo (os dois não são íntimos na vida real). Vale ressaltar que na primeira versão do roteiro esta ponta deveria pertencer a Kevin Bacon.

Aliás, esta não foi a única alteração feita no script. Na verdade, a trama foi completamente reescrita a partir da metade do filme, aproximadamente, excluindo, assim, a história dos adoradores do Diabo, o desafio entre Craig e Mantini e, principalmente, a conclusão original (o novo desfecho é bem mais bizarro). No geral, porém, todas as mudanças acabaram se revelando positivas - excetuando-se a exclusão, logo no início do filme, de uma hilária seqüência na qual o titereiro usa vários disfarces para conseguir emprego, terminando sempre na cadeia.

Quanto às atuações, o mínimo que pode-se dizer é que são homogeneamente fabulosas. Cusack, Diaz, Keener e Malkovich mereciam, todos, indicações ao Oscar - especialmente este último, que consegue a proeza de viver várias versões de si mesmo no filme, além de `encarnar` o personagem de John Cusack durante boa parte da trama. Keener, como Maxine, também cria um retrato fabuloso de uma mulher alternadamente egoísta, debochada, solitária, sensível e apaixonada.

É realmente impressionante que um roteiro complexo e arrojado como o de Quero Ser John Malkovich tenha encontrado meios de chegar às telas, já que várias coisas poderiam ter dado errado no processo: além do `excesso de inteligência` (sempre um perigo em Hollywood, como prova a fraca arrecadação deste filme nas bilheterias americanas), o próprio `homenageado` poderia ter proibido a utilização de seu nome a qualquer momento. Ao invés disso, o encontro de várias inspirações possibilitou a produção desta obra-prima - algo que, infelizmente, não encontrou reflexo na Academia, que provou mais uma vez sua falta de visão ao não indicar esta brilhante comédia farsesca ao Oscar de Melhor Filme.
``

27 de Fevereiro de 2000

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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