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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
15/05/2014 01/01/1970 2 / 5 3 / 5
Distribuidora
Warner Bros.

Godzilla
Godzilla

Dirigido por Gareth Edwards. Roteiro de Max Borenstein. Com: Aaron Taylor-Johnson, Ken Watanabe, Elizabeth Olsen, David Strathairn, Bryan Cranston, Juliette Binoche, Carson Bolde, Sally Hawkins.

Em teoria, a maior parte das decisões tomadas pelo diretor Gareth Edwards em Godzilla deveria funcionar bem: ao investir bastante no desenvolvimento dos personagens, por exemplo, ele obviamente tenta evitar o erro de tantos filmes-catástrofe ao compreender que o desastre só nos aterroriza se tivermos algum envolvimento emocional e humano com a narrativa. Da mesma maneira, antes de apresentar o personagem-título e principal chamariz da produção, ele brinca com as expectativas do público em vez de entregar tudo imediatamente – e, para completar, cerca a criatura com um elenco composto por atores talentosos. Perfeito – em teoria. Na prática, Godzilla se apresenta como uma obra sem ritmo, sem vida e cuja aposta na expectativa acaba atuando contra os propósitos do cineasta.

E isto é uma pena, já que o longa começa muito bem ao já introduzir a narrativa através de créditos iniciais que criam uma atmosfera conspiratória, sendo seguidos por uma boa introdução que, trazendo um casal vivido por Bryan Cranston e Juliette Binoche nas Filipinas em 1999, estabelece um centro emocional de forma rápida antes de saltar para a primeira e eficiente sequência de destruição. Infelizmente, a partir do momento em que pulamos para os dias atuais, o foco se torna disperso, saltando entre vários personagens desinteressantes (com exceção daqueles vividos por Cranston e Watanabe) até que finalmente nos concentremos naquele que ocupará o posto de protagonista e que se apresenta como uma escolha desastrosa: o desinteressante Ford (Taylor-Johnson).

Pois o fato é que não adianta muito escalar atores eficientes e carismáticos se, ao final, terão que lidar com personagens vazios e terão poucos minutos de tela para compô-los: o que a talentosa Elizabeth Olsen está fazendo neste filme, por exemplo? Ela é pouco mais do que um objetivo a ser alcançado pelo herói, não possuindo personalidade aparente, qualquer arco dramático identificável ou mesmo uma cena minimamente memorável – algo que se aplica igualmente a Sally Hawkins e a David Strathairn (Binoche ao menos conta com a tal cena). Por outro lado, se Ken Watanabe traz peso dramático ao seu personagem (e tem a chance de dizer o célebre “Gojira!”), seu cientista é pouco mais do que um recurso de roteiro para vomitar diálogos expositivos, ao passo que Bryan Cranston, mesmo preso a um clichê (o sujeito cujo conhecimento da verdade o faz parece um maníaco entregue a teorias conspiratórias), é inteligente o bastante para evitar excessos na composição, como se seu personagem temesse soar como louco e se contivesse ao explicar suas suspeitas (o que não impede o design de produção de cobrir as paredes de seu quarto com recortes de jornais, mapas e fotografias, claro). Finalmente, Aaron Taylor-Johnson, tão eficiente em Kick-Ass, aqui fica preso a um herói sem personalidade cuja expressão facial fica congelada no modo “Tobey Maguire” durante a maior parte do tempo.

Com isso, já de cara Godzilla enfrenta um problema criado pelo próprio roteiro de Max Borenstein, demorando a estabelecer para o espectador quem deveremos seguir de fato durante as próximas duas horas e criando vários falsos começos para a narrativa, o que é no mínimo frustrante. (E quando Ford se apresenta como um especialista em desarmar bombas, qualquer um que já tenha visto meia dúzia de filmes sabe que o clímax da projeção envolverá um artefato do tipo, arruinando qualquer surpresa possível.) Borenstein, diga-se de passagem, é incapaz de criar diálogos interessantes ou envolventes – e pouco adianta tentar investir no desenvolvimento dos personagens quando as conversas que estes mantêm provocam apenas sono. Além disso, ele não hesita em apostar em coincidências absurdas (como o garotinho que encontra os pais no meio de uma multidão) ou em repetições (há sempre uma criança em apuros para tornar tudo mais tenso, como o Ford-criança da introdução, o garotinho no metrô, a menininha no tsunami e o filho do herói). Para piorar, o roteirista e o diretor Gareth Edwards não são nada sutis ao investirem na mais velha das estratégias ao criarem sequências de destruição que focam em coadjuvantes específicos que, sendo os únicos a escaparem do desastre, levam o espectador a sentir o peso da tragédia sem que isso o deixe excessivamente chateado (“afinal, se aquele cachorro escapou, eu também escaparia!”).

Ainda assim, há bons momentos em Godzilla graças justamente ao talento que o cineasta Gareth Edwards já havia demonstrado em seu ótimo filme de estreia, o pouco visto Monstros, que era hábil ao criar uma atmosfera angustiante e um universo convincente. Aqui, Edwards se destaca em sequências que investem precisamente na atmosfera em vez de no espetáculo, como o instante no qual vemos um trem em chamas saindo de um túnel escuro ou ao trazer o reflexo pálido e fantasmagórico do engenheiro vivido por Bryan Cranston em uma janela. E se o design de produção tropeça ao criar o quarto deste último, ao menos se diverte ao exibir o caminho que o monstro cria para sair da caverna como um túnel com o final iluminado que remete ao canal vaginal, sugerindo o nascimento da criatura.

E por falar em “criatura”, devo me deter brevemente na discussão sobre estas – e se o faço rapidamente e apenas no sexto parágrafo desta análise, é para respeitar a estrutura do próprio filme, que também demora para apresentar Godzilla e, quando o faz, deixa o personagem-título ocupar a tela por apenas poucos minutos. Não que a estratégia de Edwards seja absurda: ao adiar a entrada do monstro (ao cortar assim que este aparece pela primeira vez e ao literalmente fechar a porta na cara do público na segunda vez), ele inteligentemente eleva a ansiedade do espectador, o que é ótimo. O problema é que, ao finalmente revelar seu astro, o tempo em tela e a ação retratada não fazem jus à expectativa criada – por mais que algumas das imagens sejam icônicas (vocês reconhecerão os momentos). Assim, quando um personagem grita, entusiasmado, “Vocês viram isso???”, meu impulso foi o de responder “Não. Até tentei, mas o diretor não deixou”.

Alterando ainda a origem de Godzilla e, no processo, desfazendo o elemento temático mais importante do personagem (que surgiu como um símbolo do trauma japonês depois de Hiroshima e Nagasaki), o roteiro de Borenstein dá um soco na importância histórica e cultural da mitologia por trás do gigante enquanto se julga muito esperto por conseguir fazer uma releitura descartável e tola.

Embalado ao menos por uma boa trilha de Alexandre Desplat, Godzilla é uma produção esquecível e que, em sua escuríssima versão 3D, torna-se ainda pior por praticamente tornar impossível que enxerguemos o que está acontecendo, já que a maior parte da trama se passa à noite ou no interior de galpões e cavernas. Ao menos, quando os monstros eram interpretados por atores em roupas de borracha, conseguíamos ver a ação.

15 de Maio de 2014

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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