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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
07/01/2016 25/11/2015 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Sony
Duração do filme
128 minuto(s)

Spotlight - Segredos Revelados
Spotlight

Dirigido por Tom McCarthy. Roteiro de Josh Singer e Tom McCarthy. Com: Michael Keaton, Mark Ruffalo, Rachel McAdams, Brian d’Arcy James, Liev Schreiber, John Slattery, Stanley Tucci, Jamey Sheridan, Gene Amoroso, Neal Huff, Billy Crudup, Paul Guilfoyle e Richard Jenkins.

Há apenas alguns dias, ao menos dois jornalistas de “O Globo”, um dos principais veículos do país, publicaram notícias absolutamente incorretas: um informou que o presidente da Câmara havia embarcado com a família para Cuba, enquanto o outro garantiu, graças às suas “fontes”, que o STF votaria em peso para aprovar o parecer do relator quanto ao rito de impeachment. Ambos erraram grosseiramente e foram desmentidos em poucas horas; nenhum assumiu o equívoco ou publicou uma errata clara para os leitores. Enquanto isso, outros profissionais de renome da mídia tradicional usam seus espaços para martelar mensagens e ideias que empurrem para o público os interesses dos milionários donos de seus veículos, substituindo a imparcialidade e a apuração, dois preceitos básicos do bom jornalismo, por um maniqueísmo óbvio e pela desinformação.


E isto é trágico, já que o Jornalismo, quando realizado com jota maiúsculo, não só é um exercício nobre, mas também um instrumento fundamental da democracia – e não é à toa que uma das primeiras medidas de qualquer ditadura é acabar com a liberdade de imprensa. Praticar a profissão com o único interesse de servir aos patrões e permanecer relevante é usá-la não para buscar a verdade, mas como forma de publicidade pessoal. Assim, assistir a um filme como Spotlight, que conta a história verdadeira de uma pequena equipe de jornalistas que, em 2001, expôs os esforços da Igreja para proteger padres pedófilos, é no mínimo um lembrete importante do tipo de ferramenta que perdemos quando a imprensa se contenta com o menor denominador comum.

Claro que documentários fortíssimos como Deliver Us from Evil e Mea Maxima Culpa já escancararam, nos últimos anos, as práticas nefastas dos altos círculos do Vaticano para blindar criminosos em seu meio, mas em 2001 a noção de que a prática pudesse envolver um número tão grande de sacerdotes ainda era pouquíssimo difundida – especialmente em cidades como Boston, nas quais a Igreja e seus representantes atuam quase como um Estado paralelo. É neste contexto que a equipe liderada por Walter Robinson (Keaton) decide investigar as denúncias de pedofilia envolvendo um padre local, descobrindo, aos poucos, que estas são só a ponta do iceberg. A partir daí, Mike Rezendes (Ruffalo), Sacha Pfeiffer (McAdams) e Matt Carroll (James) passam a se dedicar a um processo árduo de apuração que consome meses de trabalho e coloca-os diante do dilema de enfrentar alguns dos integrantes mais influentes da sociedade, sendo amparados em seu trabalho pelos editores Marty Baron (Schreiber) e Ben Bradlee Jr (Slattery).

Aliás, se o último nome citado parece familiar, é porque se trata justamente do filho de Ben Bradlee, editor do “The Washington Post” que, na década de 70, supervisionou a investigação feita por Woodward e Bernstein e que resultou na renúncia de Nixon – um processo retratado pelo magnífico Todos os Homens do Presidente e no qual Bradlee era interpretado por Jason Robards. Neste sentido, a comparação com aquele jovem clássico é mais do que apropriada, já que a abordagem narrativa do diretor Tom McCarthy, aqui, é claramente inspirada na do cineasta Alan J. Pakula naquela obra: ambos os filmes buscam acompanhar o cotidiano dos jornalistas em sua peregrinação diária atrás de entrevistas, novas linhas de investigação e de evidências que embasem as descobertas. Assim, se antes víamos Dustin Hoffman e Robert Redford batendo em dezenas de portas, aqui a tarefa surge sendo protagonizada por Rachel McAdams e Mark Ruffalo, enquanto seus colegas de elenco podem ser vistos vasculhando livros de referência antigos e arquivos empoeirados enquanto organizam todos os achados em planilhas no computador. Glamour? Nenhum. Apenas um trabalho exaustivo para que o artigo final possa ser publicado com a certeza de que tudo relatado é verídico.

Como é fácil imaginar, uma narrativa assim depende pesadamente da qualidade de seu elenco – e Spotlight não decepciona: Liev Schreiber, por exemplo, cria um sujeito de voz baixa e controlada que, por baixo de sua discrição, exibe uma personalidade determinada que serve de impulso constante aos subordinados, enquanto Michael Keaton compõe Robinson como um homem habituado a seguir as próprias regras em busca da verdade (e é revelador como, na primeira reunião de editorias, o ator surge não sentado à mesa, como os colegas, mas numa bancada no canto da sala, ilustrando sua condição de independência). Enquanto isso, Mark Ruffalo segue um arco dramático bem delineado, iniciando a projeção retratando Mike como o cão-de-caça da equipe, sempre disposto a ir atrás de fontes e evidências, gradualmente substituindo sua determinação por um cansaço evidente e por uma frustração horrorizada diante do que descobre. E se Rachel McAdams é hábil ao ilustrar os efeitos que a investigação exerce sobre os fiéis, já que sua preocupação crescente com a avó católica se transforma em fonte de angústia, Brian d’Arcy James confere a Matt um outro tipo de incômodo: o de um pai de família que constata que aqueles abusos poderiam facilmente ter sido cometidos contra seus filhos. Fechando o elenco, John Slattery evoca uma disciplina que nos faz lembrar de como a família Bradlee parece ter nascido para o jornalismo, ao passo que Stanley Tucci se destaca como um advogado que, por já estar há muito tempo tentando expor a Igreja, não se permite ter qualquer otimismo diante dos esforços dos novos jornalistas que surgiram em seu caminho.

Já os sobreviventes dos ataques sexuais são interpretados por atores de rosto desconhecido do grande público – uma decisão acertadíssima de McCarthy, que, com isso, leva o espectador a perceber que qualquer um poderia ter sido molestado por aqueles homens e que suas histórias não são de pessoas que nasceram destinadas a ser vítimas, mas sim de indivíduos comuns que tiveram o azar de ter um perfil visto pelos padres pedófilos como susceptível ao ataque: origem humilde, figura paterna ausente, residência em um bairro construído em torno da igreja local e assim por diante. Aliás, um dos vários méritos de Spotlight é não tentar suavizar a natureza dos crimes para evitar chocar o público; embora não mostre os abusos na tela, o longa (escrito por McCarthy e Josh Singer) faz questão de descrever exatamente o que acontecia atrás da sacristia e a crueldade da proteção oferecida pelo Vaticano aos canalhas que usavam a fé alheia como forma de destruir os jovens vulneráveis que encontravam graças ao púlpito.

Aliás, a contraposição entre os bastidores corrompidos da Igreja e a determinação dos jornalistas dedicados a escancará-los é exposta de forma inteligente através do design de produção e da fotografia, que trazem os ambientes ocupados por padres, bispos, cardeais e outras figuras poderosas que os protegem como espaços escuros e dominados por paredes e chão de madeira nobre, sugerindo opulência, ao passo que a redação do “Boston Globe” é apresentada como um ambiente bem iluminado, dominado pelo branco e quase espartano em comparação. Da mesma maneira, é curioso notar como o escritório de Robinson traz, além de sua mesa, apenas um sofá desconfortável e persianas visivelmente sujas, enquanto a sala do advogado interpretado por Tucci é um amontoado de pastas e envelopes que indicam uma atividade frenética que se complementa em seus ternos baratos e na simplicidade do restaurante no qual janta com Mike. Para completar, as locações ressaltam a angústia dos sobreviventes dos abusos ao trazerem igrejas e outros símbolos religiosos em praticamente todos os ambientes, demonstrando como as vítimas não conseguem escapar das memórias traumáticas - e é irônico, também, notar o outdoor da AOL ao lado do prédio do “Boston Globe”, já que a dominação crescente da Internet viria a desempenhar papel fundamental na decadência econômica da mídia impressa.

Uma decadência que, ao enfraquecer todo o mercado de comunicação e, principalmente, a estabilidade profissional dos jornalistas, contribuiria ainda mais para diminuir os padrões da mídia. Ora, se Spotlight exibe imensa energia apenas ao trazer os personagens digitando furiosamente em seus computadores, é porque sabemos como todo o trabalho feito até que chegassem ao ponto de escrever a matéria foi amplo e exaustivo, tomando meses de investigações e a orientação determinada de um editor competente – uma dedicação que hoje cede lugar à busca por pageviews em “artigos” curtíssimos (para não “desestimular a leitura”) e a matérias rasas que dependem mais do achismo e de pesquisas breves no Google do que de pesquisa e apuração.

Se antes a escrita jornalística era o fim do processo, hoje é cada vez mais também seu início e seu meio, já que boa parte da grande mídia se mostra mais interessada em publicar confirmações de opiniões pré-estabelecidas do que textos que se permitem mudar de acordo com os fatos descobertos.

Se jornalistas como os retratado aqui, em O Jornal, Zodíaco e Todos os Homens do Presidente falhavam, é porque eram humanos, não porque haviam negligenciado o processo de investigação ou pretendiam apenas propagar uma ideia. E é por esta razão que Spotlight deveria ser exibido em todas as faculdades de jornalismo, para que os alunos aprendessem como bons profissionais devem se comportar, e nas redações dos grandes jornais e portais para que seus integrantes se envergonhassem do nível lamentável ao qual chegaram.

30 de Dezembro de 2015

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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