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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
13/04/2016 08/04/2016 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Diamond Films
Duração do filme
96 minuto(s)

Hardcore: Missão Extrema
Hardcore Henry

Dirigido por Ilya Naishuller. Roteiro de Ilya Naishuller e Will Stewart. Com: Sharlto Copley, Danila Kozlovsky, Haley Bennett, Andrei Dementiev, Svetlana Ustinova, Darya Charusha e Tim Roth.

Era inevitável: com a proliferação de vídeos gravados com câmeras GoPro presas ao corpo de indivíduos que surgem escalando antenas no alto de arranha-céus, esquiando, saltando de paraquedas ou executando outras maluquices, não demoraria muito até que alguém tivesse a ideia de realizar um longa-metragem inteiro empregando este recurso. Porém, se o resultado poderia soar como algo repetitivo que se destacaria apenas por seus aspectos técnicos, o risco é evitado aqui graças à direção sempre inventiva do estreante Ilya Naishuller, que se preocupa não só em manter a narrativa sempre em movimento como também em criar formas novas de apresentar os obstáculos enfrentados por seu protagonista.


Abrindo a história in media res (ou seja: atirando o público no meio de uma trama já iniciada), Hardcore: Missão Extrema nos apresenta ao herói Henry quando este desperta em um laboratório já transformado em um androide com aspecto humano depois de, imaginamos, ter sido morto em algum combate (ora, todos já vimos Robocop, certo?). A responsável pela operação, Estelle (Bennett), logo se apresenta como sua esposa e explica que a memória do protagonista retornará aos poucos e que, por enquanto, sua voz ainda não está funcionando - um problema que persiste quando, no meio do processo de implantá-la, o vilão Akan (Kozlovsky, um Crispin Glover russo) invade o lugar, obrigando Henry a fugir. A partir daí, o sujeito se esforça para salvar a garota enquanto é auxiliado pelo misterioso Jimmy (Copley), que tem o estranho hábito de ressurgir mesmo depois de aparentemente ser morto várias vezes e de diversas maneiras.

Como é fácil imaginar, o filme obviamente busca adotar uma linguagem que remete diretamente aos games em primeira pessoa, obrigando Henry a resgatar itens específicos em locais superprotegidos e levá-los até outros pontos nos quais um novo objetivo lhe será apresentado e assim por diante. Com isso, a mudança constante nos cenários e locações remetem a fases de um jogo, ao passo que o progresso do herói é estabelecido através das armas novas que adquire e das informações que são fornecidas entre as sequências de ação por Jimmy em interlúdios que remetem a “cut scenes” - e não é surpresa, tampouco, quando Henry descobre paredes secretas, entra em modo “sniper" ou chega a um prédio no qual a logomarca da corporação presidida pelo vilão surge gigantesca em sua fachada. 

O conceito de um filme todo construído a partir da primeira pessoa, claro, não é novo: além de todo um subgênero construído a partir dele (os “found-footage”, como A Bruxa de Blair e Cloverfield), já em 1947 o ator Robert Montgomery fez sua estreia como diretor de forma arrebatadora ao usar a câmera subjetiva como protagonista em A Dama do Lago - e, poucos meses depois, boa parte do noir Prisioneiro do Passado faria o mesmo, revelando o rosto do personagem principal apenas quando este passa por uma cirurgia plástica e surge como Humphrey Bogart (desde então, vimos esforços similares em títulos como Arca Russa, O Escafandro e a Borboleta e Enter the Void). Do ponto de vista narrativo, isto traz uma vantagem, já que, como explicou o teórico Christian Metz, a câmera já representa, por si só, o ponto de vista do espectador no universo diegético do filme graças à identificação primária cinematográfica e, assim, quando a câmera assume o olhar de um personagem, o público imediatamente é levado a se identificar com este, tornando seus dilemas mais próximos e relevantes.

Dito isso, o que torna Hardcore Henry um projeto particular é a dificuldade técnica de inserir a câmera subjetiva em elaboradas sequências de ação envolvendo tiroteios, explosões, perseguições de carro e dúzias e dúzias de figurantes - e estas sequências são concebidas de forma tão brilhante por Naishuller, pela equipe de dublês e pelos diretores de fotografia (sim, são três) Pasha Kapinos, Vsevolod Kaptur e Fedor Lyass que sou capaz de apostar que impressionariam mesmo que tivessem sido rodadas de maneira mais convencional. Ainda assim, é óbvio que boa parte da força que exibem acaba vindo mesmo de sua habilidade em levar a plateia a subitamente encolher-se sob um carro ou a escalar prédios e superar obstáculos como se fosse profissional em parkour.

Exibindo um senso de humor surpreendente (aliás, é espantoso que o filme encontre tempo para fazer piadas), o roteiro coescrito por Naishuller e Will Stewart diverte, por exemplo, ao revelar onde a sequência de abertura se passa ou simplesmente ao trazer Henry saltando de um tanque de guerra (pois é) apenas para subir em um cavalo dez segundos depois (nem perguntem nada). Além disso, o filme atira imagens absurdas que, mesmo piscando na tela, provocam o riso pelo aspecto surreal - como, por exemplo, ao incluir, num canto de quadro, um cachorrinho arrastando a coleira que se mantém presa a um braço amputado. Para completar, o ator sul-africano Sharlto Copley (Distrito 9, Esquadrão Classe A, Elysium) aqui encontra o veículo perfeito para sua persona insana, já que pode viver múltiplas versões de seu personagem, conferindo a todas um pouco da divertida instabilidade que percorre basicamente todas as suas performances.

Incrivelmente violento e orgulhoso disto, o longa exibe um prazer fetichista ao buscar chocar com a natureza gráfica do que mostra, conferindo também um forte apelo estético às mortes que retrata e que ocorrem através de todos os métodos imagináveis - uma variedade que é antecipada pelos belos créditos iniciais que, em câmera lentíssima, observam os efeitos de socos, facas, balas, tijolos e bastões de baseball sobre o corpo humano, adotando a mesma abordagem que, ao escrever sobre Dredd, chamei de “cosmética da morte”.

É realmente uma pena que o gênero “ação" seja visto com tamanho preconceito por tantos e encarado como algo menor ou inconsequente (uma visão limitada que Mad Max desafiou recentemente), já que, com sua linguagem criativa e com viés que flerta com o experimental, se apresenta como uma obra forte, surpreendente e extremamente eficiente. Em um mundo justo, Hardcore: Missão Extrema estaria sendo considerado desde já como um favorito às principais indicações nas premiações de fim de ano. Em vez disso, provavelmente será lembrado apenas como um “passatempo” inconsequente embora seja bem mais do que isso, representando um Cinema de qualidade excepcional.

13 de Abril de 2016

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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