Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
08/07/2016 | 08/04/2016 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
100 minuto(s) |
Dirigido por Karyn Kusama. Roteiro de Matt Manfredi e Phil Hay. Com: Logan Marshall-Green, Emayatzy Corinealdi, Tammy Blanchard, Michiel Huisman, Marieh Delfino, Jordi Vilasuso, Mike Doyle, Michelle Krusiec, Toby Huss, Lindsay Burdge, Karl Yune e John Carroll Lynch.
O suspense é fruto de uma expectativa não concretizada - ou, ao menos, cuja concretização foi temporariamente adiada. Para que ele exista, portanto, é necessário que antes o espectador crie uma expectativa. Com isso, os grandes realizadores do gênero são aqueles que sabem precisamente como conduzir suas plateias até a beira do abismo, exibir a distância que a queda envolveria e, então, puxá-las alguns passos para trás, afastando-a do precipício.
Mas não muito. Nem por muito tempo.
Hitchcock não era considerado o Mestre do Suspense à toa. Pensem em Festim Diabólico e em como imediatamente ele nos mostra o abismo: há um corpo no baú, bem ali no meio da sala. Mas agora vamos acompanhar uma festa cujos convidados não fazem a menor ideia do cadáver entre eles. Ou que tal nos colocar ao lado de um personagem imobilizado que parece acreditar que seu vizinho matou a esposa apenas para, durante as duas horas seguintes, ver-se frustrado por não conseguir deixar seu posto de observação, dependendo de pessoas que não sabem se acreditam muito em suas histórias?
Este padrão de "constate o perigo, tema o pior, alarme falso, será que era mesmo?, bum!" é algo que a cineasta Karyn Kusama demonstra compreender muito bem, transformando seu longa mais recente, The Invitation, em uma experiência que jamais deixa o espectador relaxar completamente.
A trajetória da cineasta, aliás, é a comprovação de como as mulheres são tratadas em Hollywood: se um diretor fracassa em um grande projeto, logo ganha a chance de se arriscar em outro; se uma diretora tropeça da mesma maneira, imediatamente é enviada para o limbo. Foi isto que ocorreu com Kusama: depois de estrear com o excelente Boa de Briga (que, por sinal, lançou a carreira de Michelle Rodriguez), a realizadora passou cinco anos sem ter qualquer oportunidade até conseguir convencer um estúdio a deixá-la dirigir a superprodução Æon Flux, que resultou num fracasso de crítica e bilheteria (Kusama revelaria, depois, como a Paramount tomou o projeto de suas mãos e o mutilou). Depois disso, ela levaria mais quatro anos até sua produção seguinte, Garota Infernal, cuja carreira foi consideravelmente prejudicada pela péssima campanha de marketing (não gosto do roteiro de Diablo Cody, mas a direção é eficaz).
Kusama foi novamente banida e seis anos se passariam até que dirigisse seu próximo longa, roteirizado pela mesma dupla de Æon Flux (Matt Manfredi e Phil Hay) e produzido de forma independente, sem qualquer interferência dos estúdios: este The Invitation.
E não é surpresa constatar como o talento demonstrado em sua estreia se comprova aqui.
Sem entregar muito sobre a história, digo apenas que o filme acompanha um grupo de amigos que se reúnem para jantar depois de receber o convite de um casal que não viam há alguns anos, desde que uma tragédia ocorrera - e um dos convidados (e protagonista da narrativa) é o ex-marido da anfitriã, que aos poucos começa a sentir que algo estranho está ocorrendo ali.
A condução de Kusama é excepcional, criando pequenos e sutis elementos de incômodo (como closes de duas pessoas trocando olhares ou o plano de uma mulher seminua em contraluz) que, por si só, já mantêm o público inquieto acerca do que testemunha - e é fascinante constatar como o longa comprova certos receios e desfaz outros, levando-nos a questionar nossas próprias teorias (e também as do protagonista). Além disso, como desde o princípio fica claro que o ponto de vista dominante será o de Will (o ex-marido, vivido pelo ótimo Logan Marshall-Green), breves instantes de subjetividade mental acabam por nos levar até mesmo a duvidar da sanidade do sujeito e sobre o grau de confiança que devemos ter quanto ao que estamos vendo, pois é possível que nem tudo aquilo esteja realmente ocorrendo de fato.
Da mesma forma, a montagem de Plummy Tucker é hábil ao estabelecer com eficiência a geografia do espaço no qual a história se concentrará (a casa), que, por sua vez, é concebida com inteligência pelo design de produção de Almitra Corey, que contrapõe o conforto da residência a uma atmosfera claustrofóbica ressaltada pelas cores escuras dominantes e pela ausência de qualquer elemento que confira calor humano ao ambiente – e não há, por exemplo, fotos de família ou elementos decorativos que tragam qualquer tom de pessoalidade aos cômodos. Enquanto isso, o diretor de fotografia Bobby Shore exibe imenso rigor ao jamais permitir que os personagens sejam banhados por alguma luz mais intensa, empregando muitíssimo bem as sombras situadas de maneira estratégica no cenário. Para completar, o desenho de som não permite que a (boa) trilha de Theodore Shapiro domine exageradamente a narrativa, usando-a mais como um complemento do clima criado do que como principal elemento responsável por este. Em vez disso, o som investe na subjetividade de Will, frequentemente afogando as vozes de quem o cercam e refletindo, assim, seu distanciamento emocional de todos.
Contando com um elenco coeso que consegue conferir personalidade a cada indivíduo e reconhecendo que apenas a presença do sempre ótimo John Carroll Lynch já provoca inquietação, The Invitation é, enfim, um exercício narrativo brilhante que jamais se esquece de desenvolver seus personagens, compreendendo que os dramas destes são pontes importantes para o mergulho e o envolvimento do espectador.
Espero que Karyn Kusama não demore muito até seu próximo filme.
08 de Julho de 2016