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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
28/07/2016 29/07/2016 3 / 5 3 / 5
Distribuidora
Universal
Duração do filme
123 minuto(s)

Jason Bourne
Jason Bourne

Dirigido por Paul Greengrass. Roteiro de Paul Greengrass e Christopher Rouse. Com: Matt Damon, Tommy Lee Jones, Alicia Vikander, Vincent Cassel, Julia Stiles, Riz Ahmed, Ato Essandoh, Scott Shepherd, Bill Camp, Vinzenz Kiefer e Gregg Henry.

Eu lembro. Eu lembro tudo.” Estas são as primeiras palavras que ouvimos em Jason Bourne, novo capítulo da série estrelada por Matt Damon e que sofreu um pequeno acidente de percurso há alguns anos ao investir numa besteira chamada O Legado Bourne. Pois bem: como a trilogia original girava justamente em torno da busca do protagonista pelo passado que havia esquecido, chegando ao seu desfecho quando as circunstâncias de sua participação no projeto secreto “Treadstone” foram esclarecidas, nada mais natural do que deixar claro desde o início que as aventuras agora não envolverão amnésia ou algo parecido e...


... sim, envolvem. Aparentemente, Jason Bourne (Damon) esqueceu mais do que se lembrava (eu sei) e agora, anos depois de mergulhar na clandestinidade para fugir da mesma CIA que antes o empregava, este passado não recordado volta para perturbá-lo graças aos esforços da ex-agente Nicky Parsons (Stiles), que o ajudara nos longas anteriores. Infelizmente, remexer nestes segredos nunca é algo que termina bem na franquia e, assim, Bourne e a colega voltam a ser perseguidos pela agência, cujo diretor agora é o sombrio – e estes diretores não são sempre sombrios? – Robert Dewey (Jones). Colocando um matador perigoso no encalço da dupla (Cassel), Dewey também conta com a ajuda da especialista Heather Lee (Vikander), que talvez tenha seus próprios motivos para querer ajudar o personagem-título.

Influente a ponto de obrigar a franquia James Bond a se atualizar, a trilogia Bourne era marcada por sequências de ação intensas que investiam num realismo brutal, abrindo mão da ajuda de cabos amarrados aos atores e de bonecos digitais, trocando-os por efeitos mecânicos e por dublês experientes – características que voltam a se apresentar no novo capítulo. Da mesma maneira, o diretor Paul Greengrass, que assumiu o comando da série em A Supremacia Bourne, exibe a velha habilidade no comando da ação, conferindo urgência através da câmera sempre em movimento (e eu realmente quero dizer “sempre”), dos zooms frequentes e dos cortes rápidos, chegando a ser espantoso como ainda assim consegue manter a coerência espacial da narrativa, que permite que sempre compreendamos onde os personagens se encontram e como se relacionam geograficamente uns com os outros – algo que, em parte, é alcançado através do inteligente uso de planos aéreos gerais que surgem ocasionalmente para situar o público quando este começa a ficar confuso.

Outra estratégia interessante utilizada por Greengrass reside na recorrência de planos que trazem Bourne saindo de campo (seja ao virar uma esquina ou ao ser ocultado por algum veículo), já que estes reforçam a ideia da habilidade do protagonista de se manter um passo à frente de seus inimigos. Por outro lado, o longa exagera ao depender de coincidências e de personagens que conseguem identificar alvos importantes no meio de multidões – e é natural que o filme tente disfarçar estes artifícios através da ágil montagem, já que o roteiro foi escrito pelo diretor ao lado do montador Christopher Rouse, que aqui recebe seu primeiro crédito naquela função (e eu não me espantaria caso sua contribuição como roteirista tenha sido feita primordialmente na ilha de montagem). Ainda assim, não há raccord ou elipse que tornem menos ridículas as crises de flashbackites agudas do protagonista, que convenientemente se recorda de algo importante (exibindo aparente dor) sempre que isto é necessário para dar prosseguimento à trama.

Igualmente desajeitado é o esforço do filme para tentar incluir discussões atualmente relevantes, como a falta de privacidade na Internet e o vazamento de informações através de sites como o WikiLeaks: incluindo personagens que remetem a Julian Assange, Edward Snowden e Mark Zuckerberg, Jason Bourne não parece saber muito bem o que acha a respeito das questões que aborda, já que jamais se decide se a ideia de expor documentos secretos é positiva ou não, falhando também em encontrar foco ao desenvolver a figura de Aaron Kalloor (Ahmed), criador de uma rede social cooptada pela CIA e que, em vez de soar como um indivíduo complexo, parece apenas incongruente.

Já o próprio Bourne se mantém um herói interessante, ainda que sua natureza atormentada agora pareça apenas repetitiva e pouco original. Vivido por Matt Damon como um homem cujo rosto congelou numa expressão que combina angústia e raiva, Jason Bourne é um sujeito cuja inteligência prende o espectador mesmo quando este já desistiu de levar a trama a sério – e é empolgante, por exemplo, reparar como ele já acorda de um desmaio com presença de espírito suficiente para buscar abrigo contra um atirador ou como se deixa notar por uma câmera para distrair aqueles que perseguem sua amiga. Além disso, Damon permanece imponente fisicamente sem, no entanto, parecer um brutamontes inchado por anabolizantes, sendo notável também como consegue segurar a narrativa sem praticamente dizer mais do que umas cem palavras durante toda a projeção.

Enquanto isso, Tommy Lee Jones, ator cuja carreira é repleta de personagens ameaçadores, compõe Dewey como um homem afável que parece se tornar mais perigoso à medida que se mostra mais simpático – e seu tom de voz calmo e mesmo alegre chega a divertir precisamente por indicar que por baixo de toda aquela simpatia residem propósitos provavelmente assassinos. E se Vincent Cassel encarna com intensidade o papel de um matador implacável (desempenhando uma função antes vivida por Clive Owen, Edgar Ramírez e Karl Urban), Alicia Vikander opta por converter Heather Lee numa figura impassível, usando a aparente inexpressividade como forma de esconder do público as verdadeiras intenções da agente.

Mantendo a tradição da série de encerrar cada filme sem deixar pontas soltas – algo positivo – mesmo que deixando a porta aberta para uma possível continuação, Jason Bourne certamente acabará retornando em alguma nova aventura. Contudo, se mantiver a tendência de envolver a busca de memórias cada vez mais antigas, talvez da próxima vez ele tenha que se lembrar das circunstâncias que o levaram ao jardim de infância.

Considerando o flerte constante da franquia com o absurdo, eu não duvidaria disso.

01 de Agosto de 2016

Assista também ao vídeo (sem spoilers) com comentários sobre o filme:

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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