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Jovens Clássicos: Se7en - Parte 2 Assinantes

Amigos do Cinema em Cena,

em função de alguns problemas de saúde, decidi me afastar por alguns dias do trabalho - especialmente das redes sociais, que, como podem imaginar, não ajudam muito quando estamos precisando relaxar para que medicamentos e tratamentos possam agir com mais eficiência.

Isto não quer dizer, porém, que estou "parado". Ao contrário: tenho tentado me ocupar com a escrita e, assim, aí vai mais uma parte do Jovens Clássicos sobre Se7en, que só será publicado na área "aberta" do site quando o texto estiver completo. Temo, porém, que este será a maior análise da série "Jovens Clássicos" - tanto em texto quanto em imagens. Espero que não se importem ou que não achem muito cansativo.

Como de hábito, peço que não compartilhem este texto com ninguém. Ele é só para vocês, por enquanto.

Bom... vamos à parte 2:

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Encerrados os créditos, Se7en nos devolve à jamais identificada metrópole que hospeda a história e que é construída pelo excepcional design de som de Ren Klyce (parceiro habitual de Fincher) como um lugar absurdamente hostil: espalhados em praticamente todas as cenas, há ruídos de sirenes, vizinhos discutindo ou cachorros latindo, além do constante cair da chuva (que ressalta a atmosfera claustrofóbica) e de trovões. Aliás, a pura falta de silêncio acaba representando um toque de caos na vida dos personagens: aqui podemos ouvir água escorrendo à distância; ali, o apito que indica a ré de um caminhão. Enquanto isso, a trilha composta por Howard Shore martela a tensão através de “temas” (se é que podem ser chamados assim) que investem na repetição de acordes graves e no crescendo destes – isto quando o filme emprega a trilha, que é bem mais rara ao longo da projeção do que poderíamos esperar em projetos similares (além disso, a escolha de Shore é apropriada também em função de seu belíssimo trabalho em O Silêncio dos Inocentes quatro anos antes).

Porém, não só a música original de Se7en merece aplausos, mas também aquelas que são escolhidas por Fincher para pontuar determinados elementos da narrativa ou a personalidade de certos personagens: se Somerset é associado ao jazz, que parece acompanhá-lo em seus momentos caseiros de solidão, John Doe ganha não só o acompanhamento da trilha de Shore, mas, durante os créditos iniciais, um remix significativo de “Closer” (do Nine Inch Nails) que pontua sua obsessão com os versos “In God we trust/ You get me closer to God”. Por outro lado, a aura meditativa, sábia, de Somerset é reforçada por uma suíte de Bach na cena que o traz pesquisando em uma biblioteca. Para completar, o design de som, associado à montagem de Richard Francis-Bruce, traz transições elegantes como o belo raccord sonoro que transforma o ruído de um papel sendo arrancado da impressora em um pneu derrapando, conduzindo de forma orgânica o espectador do interior da biblioteca para uma rua movimentada (além, claro, da rima envolvendo o verde do abajur e do papel que surge na cena seguinte).

E já que apontei a quase onipresença da chuva no som do longa, é inevitável constatar como esta se associa ao design de produção para converter o mundo de Se7en em um poço de tristeza e melancolia: além da paleta cinza, dessaturada, que percorre a narrativa, o designer Arthur Max certamente atuou ao lado de Richard Schuler, responsável pela pesquisa de locações, para se certificar de que as externas trariam sempre a presença de grades e cercas de ferro que complementariam o padrão das internas, que investiriam também nestes elementos – e em outros similares empregando linhas verticais para criar a impressão de que aquelas pessoas estão aprisionadas em seus terríveis cotidianos (até chegarmos, claro, ao expressivo uso das grades do carro na sequência final – algo que discutirei mais tarde).

As grades, contudo, não são a única estratégia visual empregada por David Fincher e seus colaboradores para oprimir os personagens e o espectador: constantemente, vemos aqueles indivíduos espremidos por corredores estreitos ou mesmo achatados nos cantos do quadro, com algo bloqueando a maior parte da imagem – e em certo ponto, um travelling chega a dar a impressão momentânea de que Mills está sendo esmagado por um caminhão enquanto persegue Doe e se encosta na frente do veículo para se proteger. Isto, porém, nem se compara à forma com que o diretor brinca com a imagem de Tracy, já que, além de aparecer pela primeira vez em cena dormindo (uma referência à sua morte futura?), Gwyneth Paltrow é recorrentemente enquadrada de forma a parecer estar em uma caixa ou algo do tipo.

A direção de arte, claro, é especialmente eficaz também ao ajudar a estabelecer a personalidade dos personagens e suas visões de mundo: assim, não é de se espantar que Somerset, o veterano, use uma velha máquina de escrever em sua sala, sendo também um toque interessante para tornar o ambiente mais verossímil, mais “vivido”, o fato de o detetive ter colocado o abajur sobre um livro para melhorar a iluminação. Estas características são ressaltadas de forma parecida em suas primeiras cenas, quando observamos sua natureza metódica através da distribuição organizada de seus objetos pessoais sobre a mesa e, mais tarde, num rápido plano, de outros itens separados por caixas em seu porta-malas. Além disso, é importante reparar como o alvo de dardos que antes se encontrava em seu escritório posteriormente aparece na sala de sua casa, indicando sua aposentadoria cada vez mais próxima, além de reforçar a presença de seu canivete, que terá um papel coadjuvante, mas recorrente, na narrativa (incluindo o fato de se tornar uma espécie de “chave” no clímax ao ser usado para abrir a infame caixa).

Neste sentido, Se7en exibe um cuidado admirável tanto em seus detalhes quanto nos elementos mais óbvios de sua cenografia: se por um lado é bacana perceber, por exemplo, os chicletes grudados sob a mesa da lanchonete (algo que, de novo, a torna mais “realista”), por outro é interessante constatar como Somerset passa a ocupar uma cadeira terrivelmente desconfortável quando Mills assume a mesa que pertencia ao companheiro – o que novamente indica sua aposentadoria e também seu temperamento calmo e desprendido.

Ao abordar John Doe, porém, torna-se claro que a sutileza não pode ser a melhor estratégia, já que a obsessão do assassino deve ser refletida nos ambientes que constrói. Assim, é natural que a porta de seu apartamento seja vermelha (perigo) e o carpete de seu prédio tenha tom roxo (morte). Já o interior da residência é exatamente como poderíamos imaginar, trazendo símbolos religiosos (incluindo uma imensa cruz de neon vermelho sobre sua pequena cama), detalhes do planejamento e da execução de seus crimes (como fotos e o recibo do “falo cortante”) e, finalmente, as centenas de diários escritos numa caligrafia cuidadosa e obsessiva. Além disso, Doe obviamente guardou troféus dos crimes já cometidos, como as latas de comida usadas na Gula, alguns livros de Direito com marcas de sangue da Avareza e a mão em formol da Preguiça. Tudo isto (associado à luz vermelha que banha parte da sequência) é fundamental ao levar o espectador a sentir a presença do vilão que, até então (e excluindo os créditos iniciais), havia existido apenas através dos resultados de seus pavorosos atos.

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Como sempre, ficarei feliz em ler os comentários de vocês no espaço abaixo.

Um grande abraço e bons filmes! 

Sobre o autor:

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.
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