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78 - O Oscar, as Bilheterias e o Tempo Conversa de Cinéfilo

Dia desses, um leitor me perguntou no Twitter se eu achava que o Oscar deveria criar uma categoria só para filmes "comerciais". Ao responder, fiz uma reflexão que, creio, vale a pena transportar aqui para o Cinema em Cena.

Basicamente, não acredito em diferenciar o Cinema entre "comercial" e "de Arte". Para mim, todo filme é "de Arte"; podemos considerar como uma "boa" ou "má" Arte, mas é Arte.

Esta divisão é tola por outros motivos: na História da Arte, obras de cunho “popular” foram fundamentais para avançar a linguagem:  o jazz, o blues e, no cinema, o próprio conceito de montagem nasceram de raízes populares ou que tinham o objetivo de atrair multidões. Shakespeare era “popular”. Dickens era “popular”. Eram menores como Arte por isso?

Da mesma forma, o dinheiro não corrompe necessariamente toda Arte que toca; muitos gênios em todas as áreas de criação tiveram seus mecenas.

Além disso, a ideia de criar uma categoria no Oscar para filmes “blockbusters” é absurda porque o Oscar é “blockbuster” por natureza - basta apontar que os três maiores vencedores da História da premiação foram superproduções: O Retorno do Rei, Titanic e Ben-Hur.

Por outro lado, já que estamos falando sobre superproduções, premiações e público, há algo que me preocupa muito mais quanto a tudo isso: a mudança no perfil das plateias ao longo das décadas. Um Estranho no Ninho, por exemplo, venceu as cinco principais categorias do Oscar (Filme, Diretor, Ator, Atriz e Roteiro), um feito que apenas dois outros longas realizaram: O Silêncio dos Inocentes e Aconteceu Naquela Noite. Se fosse lançado hoje, porém, Um Estranho no Ninho dificilmente conseguiria uma bilheteria significativa - embora, em 1975, tenha tido a terceira maior arrecadação do ano. (À sua frente, ficaram apenas Tubarão e Rocky Horror Picture Show - outro que hoje provavelmente seria um fracasso.)

(Em 75, as maiores bilheterias foram Tubarão, Rocky Horror Picture Show, Um Estranho no Ninho, Um Dia de Cão e Shampoo; em 2015 - 40 anos depois -, foram: O Despertar da Força, Jurassic World, Velozes e Furiosos 7, Era de Ultron e Minions. Percebem a diferença?)

Aliás, vamos fazer uma breve viagem no tempo e recordar os campeões de bilheteria dos anos de final “6” nos Estados Unidos até chegarmos a 1916 (antes disso, é difícil encontrar registros exatos das arrecadações; já no Brasil, a tarefa é complicada já da década de 70 para trás):

 

1916:

1) Intolerância

2) 20 Mil Léguas Submarinas

3) The Innocent Lie

4) Hulda da Holanda

 

1926:

1) A Conquista da Felicidade

2) Sangue por Glória

3) A Grande Emboscada

4) Beau Geste

5) O Diabo e a Carne

6) Aves Sem Ninho

7) O Milionário Gaiato

 

1936:

1) A Cidade do Pecado

2) Ziegfeld – O Criador de Estrelas

3) Tempos Modernos

4) Infâmia

5) A Dama das Camélias

6) Três Pequenas do Barulho

7) Pobre Menina Rica

 

1946:

1) A Canção do Sul

2) O Melhor Ano do Resto de Nossas Vidas e Duelo ao Sol (empate)

4) O Destino Bate à Porta

5) Romance Inacabado

6) Virtude Selvagem

7) O Fio da Navalha

 

1956:

1) Os 10 Mandamentos

2) A Volta ao Mundo em 80 Dias

3) Assim Caminha a Humanidade

4) Guerra & Paz

5) O Rei e Eu

6) Rastros de Ódio

7) Nunca Fui Santa

 

1966:

1) A Bíblia

2) Havaí

3) Quem Tem Medo de Virginia Woolf?

4) O Canhoneiro do Yang-Tsé

5) O Homem que Não Vendeu Sua Alma

6) Três Homens em Conflito (O Bom, o Mau e o Feio)

7) O Fantástico Robinson Crusoé

 

1976:

1) Rocky

2) To Fly! (documentário IMAX)

3) Nasce uma Estrela

4) Todos os Homens do Presidente

5) A Profecia

6) In Search of Noah’s Ark

7) King Kong

 

1986:

1) Top Gun

2) Crocodilo Dundee

3) Platoon

4) Karate Kid 2

5) Star Trek IV: A Volta para Casa

6) De Volta às Aulas

7) Aliens, o Resgate

 

1996:

1) Independence Day

2) Twister

3) Missão: Impossível

4) A Rocha

5) O Corcunda de Notre Dame

6) Os 101 Dálmatas

7) O Preço de um Resgate

 

2006:

1) Piratas do Caribe 2

2) O Código Da Vinci

3) A Era do Gelo 2

4) Cassino Royale

5) Uma Noite no Museu

6) Carros

7) X-Men 3

 

2016:

1) Capitão América: Guerra Civil

2) Procurando Dory

3) Zootopia

4) Mogli

5) Pets

6) Batman vs Superman

7) Deadpool

 

Mesmo com esta amostragem reduzida, algumas conclusões são possíveis:

1) Hollywood sempre investiu em continuações e refilmagens. Um exemplo: antes de A Dama das Camélias, que está na lista de 1936, ao menos outras catorze versões do livro de Alexandre Dumas filho já haviam sido produzidas. (Da mesma forma, por volta de 1940, já existiam doze filmes estrelados pelo Tarzan  e trinta e sete por Sherlock Holmes.)

2) Para quem se espanta com o sucesso de público de filmes contemporâneos como Deus Não Está Morto, é bom observar que filmes de cunho religioso sempre atraíram um bom número de espectadores.

3) Muitos dos maiores sucessos de bilheteria acabam sendo esquecidos; a maioria não sobrevive ao teste do tempo.

4) Sempre houve diferença considerável entre os filmes que alcançavam as maiores bilheterias e os que conseguiam mais indicações ao Oscar – e, portanto, dizer que a Academia “passou a ignorar o público” é uma besteira.

5) Sempre valeu a pena investir em grandes nomes para atrair audiência – já lá no alto da lista é possível ver o efeito de estrelas como Mary Pickford, Tom Mix, Shirley Temple e Chaplin.

6) Filmes de gênero sempre tiveram imenso potencial comercial: se hoje Hollywood é dominada pela Fantasia (especialmente envolvendo super-heróis), já houve ciclos claros de westerns, musicais, épicos religiosos e assim por diante. Não sei dizer, porém, se a proporção era a mesma, já que, apenas em 2016, cerca de trinta longas estrelados por super-heróis foram produzidos. 

Porém, a conclusão mais alarmante que podemos tirar destes dados é:

7) No passado, filmes menores, com orçamento mais reduzido e de temática mais adulta conseguiam ficar entre as maiores bilheterias do ano. Hoje, isso é impossível.

Se analisarmos as maiores bilheterias dos últimos 15 anos, veremos que raramente uma obra com este perfil alcança o TOP 10 de arrecadação. Se isto ocorre porque o perfil do público mudou ou porque a mudança ocorreu no perfil dos estúdios, é algo que podemos debater. Provavelmente ambos – e agindo num sistema de retroalimentação.

Isto não quer dizer, claro, que a qualidade média das produções cinematográficas caiu; apenas que hoje os filmes do gênero “fantasia” dominam mais. De modo geral, diga-se de passagem, 2016 foi notável em termos de qualidade – e minha lista dos melhores do ano sugere isso.

Aliás, não ficarei espantado caso muitos deles continuem sendo lembrados dentro de 30 ou 40 anos. Podem anotar e me cobrar em 2056.

Um grande abraço e bons filmes!

(Ei, dá um segundinho, pode ser? Se você gostou deste texto - e se curte as críticas que lê aqui no Cinema em Cena -, saiba que ficamos bastante felizes, pois o site precisa de seu apoio para continuar a existir e a produzir conteúdo de forma independente. Para saber como ajudar, basta clicar aqui - só precisamos de alguns minutinhos para explicar. E obrigado desde já pelo clique!)

Sobre o autor:

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.
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