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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
29/01/2015 07/11/2014 3 / 5 3 / 5
Distribuidora
Universal
Duração do filme
123 minuto(s)

A Teoria de Tudo
The Theory of Everything

Dirigido por James Marsh. Roteiro de Anthony McCarten. Com: Eddie Redmayne, Felicity Jones, Harry Lloyd, David Thewlis, Emily Watson, Simon McBurney, Christian McKay, Adam Godley, Charlie Cox, Maxine Peake.

Não há dúvida de que a história do físico Stephen Hawking é admirável: um dos teóricos mais brilhantes de sua época (ou de qualquer época), o cientista foi diagnosticado com uma das piores doenças que a Natureza poderia atirar sobre alguém, a esclerose múltipla, recebendo uma estimativa de vida de apenas dois anos. Décadas depois, Hawking segue vivo e ativo, tendo publicado livros, atingido a fama, se casado e gerado três filhos – e o mal que devastou seu corpo não o impediu nem mesmo de se envolver romanticamente com a enfermeira que assumiu seus cuidados a partir de certo ponto. E se já seria notável levar uma vida destas mesmo definhando rápida e implacavelmente, a trajetória do sujeito se torna ainda mais digna de atenção por sabermos que, presa dentro daquele corpo cada vez mais frágil, reside uma mente singular e ilimitada em seu potencial. Assim, é uma pena que, embora merecendo créditos por não transformar o filme em um melodrama barato (o que seria fácil), este A Teoria de Tudo não consiga também criar uma narrativa das mais interessantes.


Já abrindo a projeção de maneira óbvia ao trazer Hawking (Redmayne) disparando em sua bicicleta ao som de uma trilha grandiosa que parece quase gritar para que notemos como aquele jovem é repleto de vida e, portanto, uma vítima ainda mais trágica da doença que o fragilizará, o filme não perde muito tempo com sutilezas ou com uma construção paciente: em questão de minutos, o protagonista vê e imediatamente se apaixona por Jane (Jones), sendo devidamente correspondido, e logo começa a demonstrar sintomas da esclerose, sendo diagnosticado, passando por uma breve crise existencial e superando-a já no primeiro ato enquanto decide se dedicar às suas teorias sobre a origem do universo. Claro que objetividade não é algo necessariamente ruim, mas aqui o longa parece estar verdadeiramente ansioso para chegar à parte realmente dramática, saltando sobre a introdução com uma rapidez que compromete a construção dos personagens e o envolvimento do espectador.

Para sorte do projeto, porém, A Teoria de Tudo conta com uma escalação de elenco inspiradíssima: não só Eddie Redmayne se parece fisicamente com Hawking como sua composição física mostra-se impecável: da mão contorcida aos pés arrastando-se pelo chão, o jovem ator retrata a decadência do personagem com realismo e atenção para os detalhes (e como sobrinho de alguém que morreu em função da esclerose amiotrófica lateral, devo dizer que fiquei particularmente impressionado com os ombros tortos e com a dicção exibidos por Redmayne, que demonstra ter estudado de perto os efeitos da doença). Porém, mais do que uma coleção de deformidades e dificuldades físicas, o rapaz acerta ao inicialmente estabelecer o protagonista como um homem que, apesar da aparência que poderia sugerir um nerd sem traquejo social, demonstra segurança e charme ao lidar com Jane, tornando sua deterioração ainda mais chocante justamente por acometer alguém tão expressivo. Além disso, mesmo ao encarnar os estágios avançados do mal, quando o rosto de Hawking surge praticamente congelado, o ator consegue se expressar com o mínimo de recursos: um leve erguer de sobrancelha, uma piscada ou apenas com seu olhar vivo e alegre.

Enquanto isso, Felicity Jones, como Jane, é a imagem do estoicismo e da dedicação: inicialmente uma jovem de rosto alegre e otimista, a garota gradualmente se transforma numa mulher esgotada cujas olheiras e postura cansada indicam o sacrifício que cuidar sozinha do marido e dos três filhos exige. Assim, quando a vemos numa pequena viagem ao lado do amigo Jonathan (Cox), que dirige o carro que ela costuma guiar, o rápido sorriso de Jane indica sua alegria por finalmente ter alguém que lhe permita um respiro de descanso – e mesmo então o filme se recusa a investir em conflitos óbvios que poderiam surgir através da possibilidade de um triângulo amoroso, já que Hawking, Jane e Jonathan parecem plenamente conscientes da situação na qual se encontram e das carências e limites uns dos outros.

O problema é que o longa não apenas evita o melodrama; na verdade, o roteiro parece quase aterrorizado diante da possibilidade de introduzir algum conflito ou antagonista – e, portanto, basta Jane baixar a guarda em uma cena para que, na seguinte, seu marido tenha uma piora e um médico lhe pergunte se deseja salvá-lo ou não (“Stephen deve viver!”, é a resposta, claro). Enquanto isso, Stephen Hawking surge como um homem sempre otimista e gentil, mostrando-se disposto a valorizar o que tem em vez de chorar pelo que perdeu – o que é admirável, mas implausível, já que seus instantes de frustração duram meros segundos e ele jamais a desconta sobre quem quer que seja, o que confere ao projeto um ar suspeito de hagiografia.

O curioso é que, apesar de toda esta insistência pela discrição, A Teoria de Tudo vez por outra se entrega despudoramente ao exagero nas escolhas estéticas do cineasta James Marsh e de seu diretor de fotografia Benoît Delhomme: a cena que traz Hawking recebendo a notícia de sua doença, por exemplo, enfoca seu médico numa grande angular que torna o sujeito uma figura de pesadelo (especialmente com o corredor se estendendo ao fundo), ao passo que a trilha sonora se entrega a um ruído de vibração incômoda e insistente. Da mesma maneira, a paleta que domina boa parte da narrativa se mostra dessaturada e triste, contrastando bruscamente com as imagens que, remetendo a filmes caseiros, surgem em cores quentes e nostálgicas. Por outro lado, é preciso aplaudir o belíssimo trabalho do figurinista Steven Noble, que completa a ótima composição de Redmayne ao vesti-lo com roupas de números maiores que parecem encolhê-lo ainda mais.

Fugindo covardemente de qualquer polêmica ao suavizar o ateísmo de Hawking e ao abordar os envolvimentos extraconjugais do casal com um pudor que simplesmente nega a carência física que ambos experimentavam, o filme tropeça de vez ao incluir uma sequência de fantasia completamente desnecessária que, como se não bastasse, culmina num monólogo que poderia ter saído do mais barato dos livros de autoajuda – o que não o impede, claro, de ser recebido por aplausos entusiasmados.

Com isso, A Teoria de Tudo se estabelece como uma cinebiografia tímida sobre uma figura que merecia bem mais do que servir apenas de vitrine para um ator obviamente talentoso. E, no final das contas, este é o grande pecado do longa: criar mais interesse pela performance de Eddie Redmayne do que pelo notável homem que a inspirou.

26 de Janeiro de 2015

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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