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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
13/03/2014 01/01/1970 4 / 5 / 5
Distribuidora
Downtown/Paris/RioFilme

Alemão
Alemão

Dirigido por José Eduardo Belmonte. Com: Caio Blat, Milhem Cortaz, Otávio Müller, Gabriel Braga Nunes, Marcello Melo Jr., Jefferson Brasil, Mariana Nunes, Aisha Jambo, Cauã Reymond e Antônio Fagundes.

Ainda que tenha como pano de fundo o processo de pacificação (“pacificação”?) da colossal Favela do Alemão, que envolveu a invasão da PM com o objetivo de expulsar/prender/matar os donos do tráfico antes da implantação das UPPs, Alemão é um filme que usa, como base da estrutura de sua narrativa, a contenção da ação em um espaço limitadíssimo: um porão. Neste aspecto, divide com obras como Duro de Matar, Enterrado Vivo e Por um Fio o princípio de prender seus (anti-)heróis em um único ambiente a fim de ressaltar a tensão – o que não impede o roteiro de Gabriel Martins e Leonardo Levis de tocar em questões mais amplas que vão de discussões políticas a sociais a partir do confronto entre aqueles homens encurralados em uma situação impossível.


Policiais infiltrados na favela há um longo tempo, estes indivíduos são Samuel (Blat), Branco (Cortaz), Danilo (Nunes), Carlinhos (Melo Jr.) e Doca (Müller). Incumbidos de identificar os elementos mais importantes do tráfico no Alemão, bem como seus esconderijos e também as principais rotas de fuga e de entrada na comunidade, eles se encontram prestes a finalizar a missão, já que a invasão da polícia é iminente. No entanto, depois que um mensageiro é surpreendido por bandidos e perde uma mochila contendo documentos que identificam os agentes, o chefe do crime na favela, Playboy (Reymond), e seu braço direito Senegal (Brasil) iniciam uma busca com o objetivo de eliminá-los. Impossibilitados de fugir, os policiais se escondem na pizzaria usada como central de comando da operação e passam a torcer para que a invasão ocorra antes que sejam encontrados pelos homens de Playboy.

Abrindo a projeção com recortes do cotidiano da favela, que exibem seus habitantes levando uma vida relativamente pacífica e feliz em meio às óbvias limitações financeiras e aos criminosos que comandam a região, o cineasta José Eduardo Belmonte estabelece já desde o princípio a dinâmica de pessoas comuns que buscam conduzir seu cotidiano da melhor maneira possível, sendo inteligente também ao já inserir, sem buscar chamar a atenção para o fato, os policiais infiltrados em seu dia a dia na comunidade. Assim, quando subitamente vemos bandidos percorrendo as ruas estreitas do Alemão exibindo metralhadoras e um ar desafiador, percebemos não só a importância da missão que os policiais estão ali para desempenhar, mas também o horror constante no qual vivem todas aquelas pessoas – e as imagens de arquivo empregadas pelo cineasta ajudam a ressaltar o realismo da situação, ainda que o excesso de letreiros nestes minutos iniciais incomode pela exposição detalhada e dispensável.

Aliás, o primeiro ato de Alemão é também o mais frágil justamente pela falta de sutileza que quase arruína vários momentos, desde a apresentação de Playboy em sua cobertura com piscina e churrasqueira até a cena, pavorosamente artificial, em que Branco surge olhando a foto de uma criança e dizendo: “Eu vou voltar, filha.” (quando seu sacrifício e o desejo de retornar ao lar já haviam ficado mais do que evidentes apenas através do retrato). Por outro lado, a partir do instante em que os policiais se reúnem na pizzaria, o roteiro ganha vida e parece descobrir que não tem obrigação de mastigar tudo para o espectador – e, assim, embora sugira um passado conturbado entre os personagens de Blat e Cortaz, não se preocupa em esclarecer exatamente o que houve. Da mesma forma, os detalhes específicos da missão, bem como o tempo que aqueles homens passaram ali e o que faziam exatamente na favela, são deixados em branco não por um erro de roteiro, mas por serem desnecessários para a narrativa. Afinal, o que passa a importar e a mover o filme é a sobrevivência dos (anti)heróis e, quando necessários para explicar os embates entre estes, os elementos relevantes de seus passados acabam sendo sugeridos sutilmente através destes confrontos.

E, em último grau, são precisamente estes enfrentamentos que movem o longa. Não demora muito, por exemplo, para que percebamos o contraste entre o idealista (e ingênuo) agente interpretado com sensibilidade por Caio Blat e a postura agressiva, cínica e impulsiva daquele vivido pelo excelente Milham Cortaz (que, mesmo violento, orgulha-se por não ser corrupto e parece arrepender-se genuinamente ao ferir um colega durante uma briga, buscando também auxiliar outro em um instante particularmente desesperador). Enquanto isso, Gabriel Braga Nunes cria uma composição apropriadamente distante, já que seu policial aceitou a missão por falta de alternativas, o que não o impede de exibir empatia diante da desesperada Mariana (Nunes), que acaba se envolvendo acidentalmente na situação. Para finalizar, Otávio Müller acerta ao manter um tom sempre calmo como Doca, contrapondo-se à gritaria que o cerca, ao passo que Marcello Melo Jr. encarna Carlinhos essencialmente como um representante da comunidade dentro da corporação, o que o torna vulnerável aos ataques do opressor Branco (o nome do personagem já indica sua posição) e também o único (ok, ao lado de Samuel) a compreender a situação dos habitantes do Alemão.

Eficiente ao criar uma atmosfera claustrofóbica através da fotografia escura e sufocante de Alexandre Ramos e do design de produção de Denis Netto, que estabelece muito bem o espaço da ação e confere àquele ambiente uma característica apropriada de sujeira e velhice, Alemão ainda é beneficiado por um excepcional desenho de som, que mantém o espectador sempre ciente do caos ao redor da pizzaria mesmo que nem sempre vejamos de fato o que está ocorrendo lá fora (além disso, vale apontar como, em certo instante, a tensão crescente entre os personagens é sutilmente realçada pelo som de uma chaleira fervendo na cozinha ao lado).

Já do ponto de vista temático, o roteiro evita a pregação ideológica, o que se mostra acertado, já que o tópico é complexo demais para ser apropriadamente desenvolvido por um filme cujo objetivo principal é o relacionamento entre seus personagens e a situação sufocante que vivem. Ainda assim, aqui e ali o filme aponta o despreparo daqueles homens, a falta de suporte logístico (não há internet ou rádio na pizzaria e, para piorar, a porta do estabelecimento encontra-se quebrada) e, claro, a tendência à violência que marca a ação de boa parte da PM (e que aqui é representada pelo policial – de novo: Branco - de Cortaz). Ainda assim, o longa tropeça nos créditos finais ao incluir imagens das manifestações de junho de 2013, que em nada refletiam as ações nas favelas, pouco se importavam com estas e que, em comum com aqueles eventos, trazia apenas a violência policial – um elemento tênue demais para importar aqui e que parece ter sido incluído confusamente por Belmonte apenas para trazer alguma relevância e contemporaneidade ao projeto. (E prefiro nem comentar a inclusão tola de um salmo ao fim dos créditos.)

Fragilizado também pela subtrama dispensável envolvendo o personagem de Antônio Fagundes, que busca trazer algum (melo)drama pessoal a um filme que não precisa de um, Alemão ainda assim é um longa eficiente, bem realizado e, sim, relevante. Mesmo que pareça inseguro quanto a isto.

17 de Março de 2014

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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