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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
25/06/2014 01/01/1970 4 / 5 5 / 5
Distribuidora
Fox

Planeta dos Macacos: O Confronto
Dawn of the Planet of the Apes

Dirigido por Matt Reeves. Escrito por Mark Bomback, Rick Jaffa e Amanda Silver. Com: Andy Serkis, Jason Clarke, Gary Oldman, Keri Russell, Kodi Smit-McPhee, Kirk Acevedo, Toby Kebbell, Judy Greer, Karin Konoval.

Em certo momento de Planeta dos Macacos: O Confronto, um símio diz a outro que este “não é macaco” – uma afirmação provocada pelas ações deste último, mas que reflete perfeitamente uma das várias alegorias abraçadas por este ótimo filme: aquela que reflete a desumanização que costumamos empregar, como espécie, ao lidar com aqueles que se colocam em nosso caminho. Ora, basta testemunhar como uma jovem parlamentar israelense, Ayelet Shaked, se referiu recentemente aos palestinos, quando afirmou que até as mães palestinas deveriam ser mortas, já que davam à luz “pequenas cobras”. E quando até uma descendente daqueles que passaram pelo mesmo processo de impiedosa desumanização nas mãos dos nazistas demonstra não ter aprendido nada com o sofrimento de seu povo, torna-se difícil ter alguma esperança em nossa evolução moral como espécie.


Mas o massacre em Gaza é apenas um exemplo extremo do que ocorre em todo o mundo: um candidato a deputado federal em Brasília publicou um vídeo, esta semana, no qual se refere a gays e lésbicas praticamente como uma praga a ser eliminada do mundo, enquanto casos de racismo, misoginia e xenofobia atormentam o planeta ainda em 2014 – e se uma das funções da Arte é espelhar a realidade e comentá-la mesmo que sob a desculpa do entretenimento, o novo Planeta dos Macacos desempenha esta função com eficiência. Aliás, não é à toa que a série inspirada no livro de Pierre Boulle mantém-se viva quase 50 anos depois de seu primeiro exemplar, dirigido por Franklin J. Schaffner em 1968: como toda boa obra de ficção científica, a franquia tem a capacidade de refletir, em seus temas e personagens, as preocupações e dilemas de cada época, tornando-se relevante não só pelo que tentou dizer quando cada capítulo foi produzido, mas pelo que passaram a simbolizar graças à mudança nos referentes dos espectadores.

Bem mais sombrio que o bom filme anterior, este O Confronto traz um roteiro (escrito por Mark Bomback e pelo casal Rick Jaffa e Amanda Silver) que, já de maneira econômica, explica durante a sequência inicial como o vírus desenvolvido em A Origem destruiu a maior parte da humanidade, abrindo caminho para o cenário pós-apocalíptico que dominou a maior parte da série. A partir daí, reencontramos a pequena civilização liderada por César (Serkis), que, agora pai de dois filhos, organizou várias espécies símias em uma comunidade pacata e produtiva que se mantém distante dos poucos humanos ainda vivos. É então que alguns deles entram na floresta com o objetivo de restaurar a energia elétrica através de uma represa ali situada – e ainda que inicialmente a dinâmica entre homens e macacos seja relativamente pacífica, as coisas não demoram a assumir uma natureza hostil.

Dirigido por Matt Reeves, que já havia demonstrado sua competência em Cloverfield e na ótima refilmagem Deixe-me Entrar (que fez jus ao original), O Confronto já impressiona em sua sequência inicial ao retratar o cotidiano dos macacos de maneira delicada, acompanhando suas ações silenciosas (eles se comunicam praticamente através de sinais) e demonstrando valorizar mais um menear sutil de cabeça do que diálogos explosivos. Assim, enquanto descobrimos como eles se organizam, como ensinam princípios básicos aos filhotes e como sobrevivem, o longa quase ganha contornos de um Nas Montanhas dos Gorilas, exibindo uma sensibilidade digna de Dian Fossey ao investigar aquela pequena civilização – e confesso que ficaria feliz caso pudéssemos passar um filme inteiro apenas descobrindo como foram atingindo aquela organização.

Claro que para que isto funcione tão bem é essencial que os efeitos visuais nos convençam de estarmos vendo seres reais e não meras criaturas concebidas no computador – e se A Origem falhava pontualmente neste aspecto, desta vez o resultado é irrepreensível, começando já em um primeiríssimo plano que, colado ao rosto de César, praticamente desafia o espectador a encontrar algum grau de artificialidade na textura de sua pele, no contrair leve de seus músculos ou no brilho de seus olhos. A partir daí, a obra só passa a impressionar ainda mais, atingindo o ápice em um momento que, para mim, já se encontra entre os melhores produzidos pelo Cinema em 2014: aquele no qual Koba (Kebbell), surpreendido por dois humanos, encara-os com verdadeiro ódio até perceber que se encontra numa situação de perigo, quando, então, finge ser um macaco comum – e é impressionante perceber como uma leve mudança na expressão do personagem permite que vejamos não só a mudança em seu comportamento, mas que constatemos como ele claramente simula não possuir inteligência maior que a média.

Aliás, se O Confronto tem um ponto fraco este reside justamente na mesma questão que afetava A Origem: seus personagens humanos. Por mais que Jason Clarke e Keri Russell tentem conferir multidimensionalidade aos heróis, o fato é que estes são pouco mais do que modelos planos de “virtuosismo”, “dor” e “vilania” – e se o vilão símio representado por Koba é uma criatura complexa, que admira César embora eventualmente se deixe dominar por suas próprias experiências negativas com os homens, os humanos pouco mais podem oferecer do que um cara que se encarrega de dizer “Ok, eu sou o babaca” e um outro que, embora inicialmente pareça ponderado, logo se entrega a berros descontrolados e a atos irracionais, o que é no mínimo decepcionante.

Tecnicamente irrepreensível ao criar o ambiente habitado pelos macacos e a San Francisco entregue às ruínas (um trabalho excepcional do designer de produção James Chinlund), O Confronto ainda é hábil ao empregar a montagem paralela durante seu longo clímax para estabelecer a similaridade entre os heróis símios e humanos (César e Malcolm – e não posso deixar de pensar que o nome deste último seja um símbolo intencional mesmo sem o "X") ao mesmo tempo em que ressalta a tensão que, vale apontar, atravessa toda a projeção, cedendo espaço pontualmente a cenas mais intimistas como aquela, belíssima, no qual as espécies em conflito escutam “The Weight” (outra escolha significativa) no meio da floresta. Além disso, como um fã incondicional de rimas visuais, aprecio imensamente o eco proporcionado pelo último plano da narrativa, que amarra as pontas de maneira elegante e impactante.

Triste, sombrio e pessimista (ou apenas realista?) em sua visão acerca da natureza humana, O Planeta dos Macacos: O Confronto parece apontar que, infelizmente, as sementes autodestrutivas que temos também se manifestam no berço daquela nova civilização, deixando claro que, por melhores que sejam suas intenções, os macacos acabarão por construir uma sociedade tão agressiva e impiedosa quanto a que substituíram – algo que, claro, pode ser visto no longa de 68. Pois, de um modo ou de outro, a violência parece sempre ganhar, sobrepujando os melhores esforços de pacifistas e diplomatas, que constantemente veem suas tentativas sabotadas por atos brutais que, por sua própria natureza, promovem uma escalada insustentável da situação, já que é difícil retomar uma conversa quando um dos lados acabou de levar um tapa no rosto. É a estratégia dos extremistas, dos fundamentalistas e dos terroristas (sejam estes pertencentes a uma organização clandestina ou a um Estado).

E perceber que uma superprodução repleta de efeitos visuais e saída do sistema pasteurizador de Hollywood continua a ser capaz de refletir com eficácia esta realidade complexa é um testemunho inequívoco do poder da Arte. Não é um grande consolo diante do que retrata, claro, mas é ainda assim um consolo.

24 de Julho de 2014

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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