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Críticas por Pablo Villaça

Crianças Invisíveis
All the Invisible Children

Dirigido por Kátia Lund, Spike Lee, Emir Kusturica, John Woo, Mehdi Charef, Stefano Veneruso, Ridley Scott, Jordan Scott. Com: Francisco Anawake de Freitas, Vera Fernandes, Uros Milovanovic, Dragan Zurovac, Mihona Vasic, Daniele Vicorito, Emanuele Vicorito, Maria Grazia Cucinotta, Hana Rodson, Andre Royo, Rosie Perez, Hazelle Goodman, David Thewlis, Kelly Macdonald, Jordan Clarke, Jack Thompson, Adama Bila, Elisée Rouamba, Ahmed Ouedraogo, Zicun Zhao, Ruyi Qi, Bin Wang.

 

É inevitável: praticamente todo filme composto por episódios acaba se revelando uma experiência irregular, alternando entre segmentos ótimos e péssimos. Entretanto, este não é um problema que Crianças Invisíveis enfrenta, já que, basicamente, todos os seus episódios são igualmente medíocres. Em um filme que traz verdadeiros desastres dirigidos por veteranos como Emir Kusturica e Spike Lee, o curta da brasileira Kátia Lund acaba se transformando em destaque não por ser particularmente bom, mas por ser superior aos seus fracos companheiros.

           

Concebido por produtores italianos e contando com o apoio da UNICEF (que, ao lado do Programa Mundial de Alimentação, será beneficiada com os rendimentos do filme), o projeto traz sete episódios dirigidos por cineastas de países diferentes e que se concentram, em sua maioria, na miséria que condena milhões de crianças ao sofrimento em todo o planeta (os únicos que fogem um pouco do tema são os curtas de Spike Lee e aquele co-dirigido por Ridley e sua filha Jordan Scott). Assim, é realmente uma pena constatar que uma empreitada com propósitos tão nobres tenha resultado em uma obra tão decepcionante do ponto de vista artístico.

           

O primeiro dos segmentos de Crianças Invisíveis, dirigido pelo argelino Mehdi Charef, é também um dos mais trágicos: ambientado em um país africano não identificado claramente, Tanza concentra-se na monstruosidade do envolvimento de crianças em guerras civis – e, para isso, apresenta o espectador ao pequeno personagem-título, cujos modos endurecidos não conseguem ocultar os resquícios de uma inocência já quase perdida. Contando com uma fotografia sufocante, Tanza jamais explicita qual é a “causa” pela qual aquelas crianças estão lutando, mas deixa o óbvio ainda mais óbvio: seja ela qual for, não há como justificar o envolvimento daqueles pequenos guerrilheiros. 3 estrelas em 5.

           

A violência, aliás, é o tema principal de Jonathan, dirigido por Ridley e Jordan Scott, que traz um veterano fotógrafo, especialista em regiões em conflito, vivendo uma crise pessoal em função de todas as atrocidades que testemunhou ao longo de sua carreira (um personagem obviamente inspirado em Kevin Carter, que se matou em 1994). Mergulhando em suas próprias lembranças, o sujeito (vivido por David Thewlis) reflete sobre a brutalidade da guerra, contrastando sua infância com aquela das crianças que perderam as famílias em função de confrontos bélicos. Comprovando a influência maior de Ridley-pai na direção (o que é natural), o episódio abusa da câmera inquieta e, como não poderia deixar de ser, traz a marca registrada do cineasta: partículas (terra e fumaça) cruzando a tela. Pena que a falta de foco da narrativa torne o filme tão aborrecido e sem força dramática. 2 estrelas em 5.

           

Igualmente frustrante é o curta comandando por Emir Kusturica, Blue Gypsy, que, apesar de tentar fazer um comentário interessante sobre a falta de opções de crianças nascidas em lares disfuncionais, perde-se graças ao humor tipicamente pastelão do cineasta, que não consegue esconder algumas de suas velhas tendências. Assim, em meio às várias quedas, tapas e tropeções presentes no filme, o drama do garotinho levado ao crime pelo próprio pai se torna um detalhe secundário e sem maior importância, o que é lamentável. 2 estrelas em 5.

           

E já que estamos falando de delinqüentes juvenis, o episódio Ciro, dirigido pelo co-produtor de Crianças Invisíveis, Stefano Veneruso, gira em torno justamente de um pequeno ladrão que, fruto de um lar desfeito, passeia por Nápoles à procura de novas vítimas – e quando ele rouba o relógio de um motorista desavisado, o filme abandona qualquer tentativa de analisar a situação a fim de se entregar a uma perseguição absurda envolvendo um cachorro determinado a capturar o garoto. Neste aspecto, Ciro até se revela divertido em função do absurdo do cenário, mas só. 2 estrelas em 5.

           

Em contrapartida, Bilu e João, realizado por Kátia Lund, consegue combinar o bom humor da inventividade de seus dois protagonistas a um comentário social sobre a situação miserável em que muitas de nossas crianças vivem. Obrigados a catar latas e papelão nas ruas a fim de conseguirem algum dinheiro, os pequenos heróis enfrentam uma série de obstáculos de maneira sempre prática, buscando saídas mesmo quando tudo parece irremediavelmente perdido. Dirigido com inteligência por Lund (há um plano repleto de significado no qual favela e cidade surgem justapostas), o curta é charmoso e conta com atuações inspiradas dos pequenos atores, mas jamais chega a funcionar como o fantástico Palace II, que a cineasta co-dirigiu com Fernando Meirelles em 2002. 3 estrelas em 5.

           

Porém, se comparado a Jesus Children of America, que marca a participação de Spike Lee no projeto, o esforço de Kátia Lund torna-se um pequeno clássico. Resultando no pior episódio de Crianças Invisíveis, o filme de Lee conta a história de uma jovem garota que, filha de pais viciados em heroína, descobre ter nascido HIV-positiva. Dirigindo o segmento com mão pesadíssima, o cineasta parece adotar uma visão do início da década de 90 para discutir os preconceitos sofridos pela menina: certamente há aspectos mais relevantes sobre a questão, atualmente, do que “esclarecer” que o vírus não é transmitido pelo suor ou pelo catarro dos indivíduos contaminados – conceitos absurdos que as várias campanhas educativas realizadas nos últimos 20 anos já conseguiram discutir com relativo sucesso. Por que, em vez disso, Lee não retrata as dificuldades enfrentadas por muitos pacientes carentes em conseguir acompanhamento médico e remédios (sim, mesmo nos Estados Unidos)? Além disso, o lar da protagonista é estável demais para um casal tão desequilibrado como aquele formado por seus pais. 1 estrela em 5.

           

E chegamos, assim, a Song Song & Pequena Gatinha, dirigido por John Woo – o único episódio que exibe uma sensibilidade compatível com um projeto como Crianças Invisíveis. Focando-se em duas garotinhas de idades semelhantes que vivem em esferas sociais completamente diferentes, o roteiro acompanha o cotidiano deplorável de uma menina que, numa referência clara a Chaplin, tem como família apenas um adorável velhinho que mendiga pelas redondezas. A partir daí, Woo transmite sua mensagem através de planos que, por simples justaposição, salientam as discrepâncias entre as duas crianças: enquanto uma tem vários brinquedos largados em seu quarto, por exemplo, Song Song (a doce Ziann Zhao) divide sua boneca com várias crianças igualmente carentes. Sim, o cineasta não abandona suas marcas registradas, como a infalível câmera lenta, mas esta é a graça de um projeto como este: permitir que testemunhemos os trabalhos de cineastas diferentes, com seus estilos característicos, abraçando temas semelhantes. 3 estrelas em 5.

           

É triste, portanto, que nenhum deles tenha conseguido sair do lugar-comum ou da simples mediocridade.
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31 de Março de 2006

 

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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