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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
11/01/2018 22/11/2017 2 / 5 3 / 5
Distribuidora
Universal
Duração do filme
125 minuto(s)

O Destino de uma Nação
Darkest Hour

Dirigido por Joe Wright. Roteiro de Anthony McCarten. Com: Gary Oldman, Kristin Scott Thomas, Ben Mendelsohn, Lily James, Ronald Pickup, Stephen Dillane, Richard Lumsden, Nicholas Jones, Samuel West, David Schofield e David Strathairn.

O Destino de uma Nação possui muitas virtudes: Gary Oldman, um dos atores mais talentosos de sua geração, oferece mais uma grande performance; o design de produção é impecável, fazendo um trabalho de recriação de época formidável; e Winston Churchill é um personagem fascinante por natureza – e não só por sua história, mas também por sua aparência, seus maneirismos e sua dicção particular. Infelizmente, o filme também conta com um problema incontornável: o fraco roteiro de Anthony McCarten, que, além de esquemático e superficial, só traz diálogos memoráveis quando estes são citações diretas de Churchill ou do Cícero que este tanto admira (e compreensivelmente, já que o dom deste para a oratória era tamanho que acabou por revolucionar a língua, refletindo os talentos do próprio político britânico).


O decepcionante é que McCarten poderia ter facilmente desenvolvido melhor os personagens, a dinâmica entre estes e a própria estrutura da narrativa, já que o roteiro se concentra apenas nos 30 primeiros dias do governo de Churchill, desde sua posse ao substituir Neville Chamberlain (Pickup), comprometido por sua política de apaziguamento, até seu célebre discurso que ficaria conhecido pela frase “Lutaremos nas Praias”. Neste breve período, porém, não apenas o novo primeiro-ministro se viu obrigado a consolidar seu poder diante de rivais de seu próprio partido como ainda teve que lidar com a dramática situação dos 300 mil soldados britânicos que se encontravam presos entre o exército nazista e o oceano, em Dunkirk. Sim, o mesmo episódio retratado no último trabalho de Christopher Nolan – e como o rei George VI (Mendelsohn), que aqui tem participação relevante, também foi centro do recente O Discurso do Rei, podemos considerar que os três longas, juntos, formam uma espécie de Universo Estendido do Reino Unido (na primeira metade do século 20).

A maneira como Ben Mendelsohn retrata o monarca, por sinal, funciona como um verdadeiro estudo sobre como dois atores talentosos podem trazer abordagens completamente diferentes (e eficientes) ao interpretarem o mesmo indivíduo – e é interessante, por exemplo, notar a gagueira mais controlada de George VI e, principalmente, sua maior segurança como detentor da coroa (vale apontar que O Destino de uma Nação tem início cerca de oito meses depois da última cena de O Discurso do Rei). É uma pena, portanto, que este seja o único personagem, além do próprio Churchill, que conta com alguma complexidade neste novo filme, já que até a talentosa Kristin Scott Thomas é completamente desperdiçada como a esposa do primeiro-ministro (sua preocupação com a situação financeira do casal é mencionada e imediatamente ignorada pelo roteiro), ao passo que a secretária de Churchill, Elizabeth Layton (James), funciona apenas como uma espécie de avatar do espectador naquele universo.

Carregado de diálogos expositivos através dos quais os personagens basicamente dizem uns para os outros o que todos os participantes da conversa já sabem, o roteiro de McCarten (que também fez um trabalho fraquíssimo com a história de Stephen Hawking em A Teoria de Tudo) não consegue sequer extrair algum drama da decisão do protagonista de sacrificar quatro mil soldados para tentar salvar as vidas de outros 300 mil, já que Churchill praticamente não hesita ou demonstra remorso pela estratégia. Além disso, como o filme se resume essencialmente a trocas de diálogos entre homens envelhecidos enfurnados em salas sufocantes, o diretor Joe Wright fica com as mãos atadas em sua estratégia visual, ainda que crie um plano absolutamente fantástico que, exibindo o efeito das bombas atiradas em solo francês, percorre um campo que subitamente se transforma no rosto de um soldado morto, ilustrando ao mesmo tempo os efeitos brutais do conflito sobre o país e sobre os jovens que o travam.

Enquanto isso, o ótimo diretor de fotografia Bruno Delbonnel transforma os interiores que abrigam a maior parte da narrativa em ambientes opressivos e claustrofóbicos nos quais a luz parece sempre filtrada por poeira ou fumaça. Do mesmo modo, é interessante perceber como Churchill surge frequentemente encurralado, seja pela escuridão que cerca a salinha na qual tem uma conversa humilhante e desesperada por telefone com Roosevelt (voz de Strathairn), seja ao ser pressionado pelo rival Halifax (Dillane), quando, então, é visto emoldurado pelo pequeno vidro no centro de uma porta. Menos eficaz é a rima visual que, em três ou quatro momentos, traz a câmera se afastando rumo às nuvens depois de enfocar o rosto de alguém – uma forma pouco imaginativa de retratar a vulnerabilidade e o sentimento de insignificância e impotência dos personagens diante da guerra. Por outro lado, a apresentação de Churchill não poderia ser mais emblemática, revelando seu rosto em um quarto escuro quando o sujeito acende um de seus indefectíveis charutos e refletindo, assim, seu caráter quase mítico.

O que nos traz, claro, à performance central: ator capaz de encarnar uma latitude impressionante de personagens, Gary Oldman possui uma habilidade notável de desaparecer sob a pele das pessoas que vive – e a maquiagem (fabulosa, digna de prêmios) é apenas um fator, já que o que confere vida àquelas figuras é a composição do sujeito. Aliás, basta fazer uma breve lista de alguns dos tipos que Oldman já encarnou para perceber como chega a ser espantoso que todos tenham sido interpretados pela mesma pessoa: Sid Vicious (Sid & Nancy), Lee Harvey Oswald (JFK), Drácula, Drex (o traficante que se julga negro em Amor à Queima-Roupa), Beethoven (Minha Amada Imortal), Mason Verger (Hannibal), Sirius Black (a série Harry Potter), George Smiley (O Espião que Sabia Demais), etc, etc e muitos etcs. Aqui, o ator não apenas captura a voz de Churchill (busquem gravações do original) como também sua dicção particular e sua postura. Mas, mais importante do que isso, Oldman traz humanidade àquele homem, evitando que seu óbvio alcoolismo seja uma mera muleta de interpretação e tornando-o sinal de uma ansiedade constante. Além disso, há aqueles pequenos momentos que revelam muito sobre suas motivações, receios e estratégias, da hesitação momentânea antes de entrar no gabinete no qual terá que confrontar seus adversários até a maneira casual com que pede que Chamberlain mude de lugar durante uma reunião, deixando claro seu poder sem a necessidade de gritos ou gestos ostensivos.

E, assim, é lamentável que mesmo o brilhantismo de Oldman acabe sendo amarrado pela mediocridade do roteiro, que finalmente atinge o fundo do poço em uma cena desastrosa (e completamente fictícia) na qual Churchill conversa com vários cidadãos em um vagão de metrô – uma passagem artificial, óbvia em seu esforço de criar um momento dramático tolo e ridícula em sua execução.

Em meu último parágrafo sobre A Teoria de Tudo, escrevi que o filme se estabelecia como “uma cinebiografia tímida sobre uma figura que merecia bem mais do que servir apenas de vitrine para um ator obviamente talentoso. E, no final das contas, este é o grande pecado do longa: criar mais interesse pela performance (central) do que pelo notável homem que a inspirou”.

Ao menos neste sentido, o roteirista Anthony McCarten conseguiu atingir alguma coesão em seu trabalho.

13 de Janeiro de 2018

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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