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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
05/09/2019 06/09/2019 2 / 5 2 / 5
Distribuidora
Warner
Duração do filme
169 minuto(s)

It: Capítulo 2
It Chapter Two

Dirigido por Andy Muschietti. Roteiro de Gary Dauberman. Com: Jessica Chastain, James McAvoy, Bill Hader, Isaiah Mustafa, Jay Ryan, James Ransone, Andy Bean, Sophia Lillis, Jaeden Martell, Finn Wolfhard, Chosen Jacobs, Jeremy Ray Taylor, Jack Dylan Grazer, Wyatt Oleff, Teach Grant, Nicholas Hamilton, Molly Atkinson, Joan Gregson, Stephen King, Xavier Dolan, Peter Bogdanovich e Bill Skarsgård.`

A última frase deste texto – e apenas ela – traz um spoiler.


Minha admiração pela obra de Stephen King é considerável, mas não irrestrita. Ainda que frequentemente impressionado por sua imaginação e pelas imagens aterrorizantes que evoca, já me vi impaciente diante de sua tendência à prolixidade um número suficiente de vezes para reconhecer quando seus textos estão prestes a tomar uma tangente que ocupará dezenas de páginas recheadas de subtramas e descrições que pouco ou nada acrescentarão à trama ou ao desenvolvimento dos personagens. Neste sentido, It: Capítulo 2 acaba se revelando uma versão cinematográfica perfeita desta inclinação.

Com uma duração de absurdos 169 minutos que se tornam ainda mais inacreditáveis se lembrarmos que metade da história já havia sido contada há dois anos (e com notável eficiência) e que a minissérie produzida em 1990 tinha no total quase esta mesma duração, a segunda parte agora acompanha as versões adultas dos integrantes do “Clube dos Perdedores” exatos 27 anos depois de derrotarem o vilão Pennywise (Skarsgård), que, assumindo diversas formas (mas demonstrando preferência por surgir como palhaço), aterrorizava Bill (antes Martell; agora McAvoy), Beverly (Lillis/Chastain), Richie (Wolfhard/Hader), Ed (Grazer/Ransone), Ben (Taylor/Ryan), Mike (Jacobs/Mustafa) e Stan (Oleff/Bean) na pequena cidade de Derry, cujos habitantes já nem parecem notar os frequentes desaparecimentos de crianças locais. Único dos amigos a permanecer no local, Mike finalmente convoca os companheiros de volta quando constata o retorno de Pennywise à ativa e conclui que apenas o grupo poderá eliminá-lo de vez.

Mais uma vez escrito por Gary Dauberman, o roteiro emprega o primeiro ato para ilustrar como se encontram os sete personagens depois de quase três décadas, não deixando de ser curioso como praticamente todos se tornaram famosos e/ou financeiramente bem sucedidos com exceção de Mike, que mora sozinho no sótão da biblioteca pública de Derry – e o fato deste ser o único negro é uma “coincidência” que o filme opta por não enxergar, embora quase demonstre ter consciência do subtexto inevitável quando Mike, depois de anos de cuidadosa pesquisa sobre o vilão, precisa pedir a Bill que reconte tudo aos demais, já que estes provavelmente o escutariam com mais atenção.

Abandonando a vitalidade, a atmosfera nostálgica e o bom equilíbrio entre humor e horror presentes no Capítulo 1, este novo filme aposta na melancolia como tom, o que, mesmo compreensível em função da situação daquelas pessoas, torna ainda mais complicada a tarefa de sustentar a narrativa por quase três horas – e, não por acaso, alguns dos melhores momentos da projeção ocorrem justamente durante os flashbacks nos quais as crianças voltam a surgir (mesmo que seja difícil não nos distrairmos diante dos irregulares efeitos digitais de rejuvenescimento empregados para retornar os atores adolescentes às suas aparências de dois anos atrás).

Aliás, considerando como Hollywood não costuma se preocupar muito com a verossimilhança ao escalar intérpretes para os mesmos personagens em idades diferentes (lembrem-se: Matthew Perry já foi o rosto adulto de Zac Efron), é preciso dar créditos aos realizadores do Capítulo 2 por se preocuparem com a questão, já que é fácil enxergar Chastain, Hader, Ransone e companhia como as versões crescidas de Lillis, Wolfhard, Grazer e o restante dos “Perdedores”. Do mesmo modo, o tema de indivíduos presos em seus ciclos difíceis de romper é bem representado quando percebemos como Ed trocou a mãe superprotetora por uma esposa idem (ambas interpretadas pela mesma atriz, Molly Atkinson), testemunhamos Beverly mais uma vez presa a um relacionamento com um homem abusivo e acompanhamos os olhares românticos de Ben direcionados à antiga paixão que segue alheia aos seus sentimentos. E se até a gagueira de Bill, antes domada, retorna em sua antiga cidade, ao menos Richie ganha contornos novos graças a um segredo (que não revelarei, claro) que recontextualiza o personagem e sua insistência em fazer determinadas piadas (aliás, Bill Hader quase rouba o filme com uma performance que, comprovando a versatilidade vista na série Barry, combina peso dramático ao seu impecável timing cômico). Menos eficaz é o triângulo amoroso formado por McAvoy-Chastain-Ryan, que depois de um tempo começa a soar repetitivo e infantil.

O maior problema deste Capítulo 2, contudo, é falhar em seu aspecto mais importante: amedrontar o espectador. Enquanto o primeiro mantinha o público apreensivo em boa parte do tempo, aqui o suspense começa a ser enfraquecido pela substituição de heróis-mirins por adultos, já que uma das fontes de inquietação da narrativa residia na indiferença dos mais velhos - algo resumido no arrepiante plano no qual um casal idoso vê Ben sendo torturado por Henry Bowers (Hamilton) e seus capangas e nada faz. O próprio Bowers (agora vivido por Teach Grant) é uma representação da gordura do roteiro, já que nada acrescenta à trama, estabelecendo-se como um dos subvilões mais incompetentes do gênero. Do mesmo modo, os repetitivos ataques de Pennywise acabam por anular o próprio impacto, já que logo percebemos que podem até assustar os personagens principais, mas sem muitas consequências, chegando ao ponto de Bill ver um objeto se movendo sozinho e dizer que já está ficando “acostumado” com aquilo em Derry (ora, se o herói não teme a situação, por que deveríamos temer?).

Há, claro, instantes mais eficientes, mas é revelador como tendem a girar em torno de ataques a vítimas mais jovens, como a garotinha sob a arquibancada e o menino no labirinto de espelhos. Nestas passagens, a excelente composição de Bill Skarsgård, com seus trejeitos e tiques vocais que ocultam ameaças sob expressões de piedade, enriquece a experiência, sendo uma pena que, no fim das contas, Pennywise apareça tão pouco, dando lugar a monstros cujo gigantismo (sim, quase todos surgem imensos) tenta disfarçar o fato de não serem particularmente assustadores. Em contrapartida, o diretor Andy Muschietti alcança resultados melhores quando adiciona elementos estranhos em movimentos peculiares no fundo dos planos, falhando em repetir o efeito quando as manifestações ocupam o centro da cena (como na cena do jantar, que falha miseravelmente ao sugerir mais graça do que pavor).

E o curioso é que Muschietti tem consciência da fronteira tênue entre o medo e a diversão, já que chega a sugeri-la em um belo momento de construção sonora logo no início da projeção, quando gritos de horror vindos de um bueiro se convertem em outros de prazer ouvidos num parque de diversões – algo que o primeiro capítulo compreendia muito bem. Neste aspecto, não creio que seja um bom sinal que duas das passagens mais memoráveis desta continuação estejam relacionadas à comédia: a gag envolvendo o cãozinho atrás da porta e, claro, o banho de gosma ao som de “Angel of the Morning”.

Incapaz de descartar elementos do livro que já haviam falhado na minissérie, o Capítulo 2 ainda comete o erro crucial de trazer alienígenas, rituais indígenas e chás alucinógenos para uma trama já abarrotada de componentes.

Melhor teria sido se certificar de que Pennywise faria jus a todo o terror que inspirou na primeira parte em vez de, sejamos sinceros, se revelar um vilão tão tolo que, no fim das contas, acaba sendo morto... no grito.

07 de Setembro de 2019

(Nosso Pennywise é a ameaça de que o Cinema em Cena tenha que encerrar suas atividades - e, para derrotá-lo, contamos com você em nosso "Clube dos Perdedores". Ok, ok, este nome não é muito eficaz para convencer alguém a apoiar o site, mas se funcionou para Bill e seus companheiros, por que não funcionaria aqui? Seja como for, o importante é que você saiba que o site precisa de seu apoio para continuar a existir e a produzir conteúdo de forma independente. Para saber como ajudar, basta clicar aqui - só precisamos de alguns minutinhos para explicar. E obrigado desde já pelo clique!)

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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