É um alívio ver Almodóvar de volta à boa forma.
Um desfecho anticlimático para uma saga que durou 19 anos.
Suas sequências de ação se encontram entre as melhores da franquia.
Para cada acerto, Rocketman parece fazer questão de incluir um tropeço.
As hipérboles me incomodam na crítica cinematográfica. Em 25 anos de carreira, posso contar nos dedos de uma mão o número de vezes em que usei, em um texto, expressões como “um dos mais (blábláblá) da história do Cinema” ou “nunca vimos nada como (blábláblá)”. No entanto, ao avaliar o resultado alcançado nos últimos 11 anos pela Marvel – sob comando do executivo Kevin Feige, que já colocou seu nome entre os grandes da profissão -, não consigo lembrar de outro projeto que tenha envolvido 22 filmes divididos em várias franquias que, convergindo aqui e ali, finalmente se encontram em um longa final que inclui todos os personagens (e numa batalha em que todos desempenham funções específicas!). Trata-se de uma narrativa tão ambiciosa que chega a ser difícil conciliá-la com o início promissor, mas comparativamente humilde, de Homem de Ferro ainda em 2008.
Depois de toda uma carreira dedicada à comédia, o ator, roteirista, produtor e diretor Jordan Peele estreou no Cinema não com um veículo dedicado ao riso, mas com um projeto que do início ao fim mantinha o espectador angustiado diante de uma narrativa tensa, complexa e repleta de significados: o excelente Corra!. Atento ao potencial do Terror para criar alegorias instigantes dentro de uma estrutura de gênero, Peele usava aquele filme como um comentário sobre o racismo que permeia toda a sociedade norte-americana (poderia ser sobre a nossa também, infelizmente) e que pode ser encontrado sob palavras e ações aparentemente inocentes. Assim, desta vez não é surpresa constatar como o cineasta constrói mais uma obra que, eficiente em sua proposta de aterrorizar, não desperdiça a chance de voltar a apontar as mazelas sociais de um país cuja vitrine de oportunidades busca disfarçar um estoque infinito de desigualdades e opressão.
“Alguns leitores dizem que [a Arte] deveria ser escapista e nada mais. Não consigo pensar assim. Para mim, uma história sem mensagem, por mais subliminar que esta seja, é como um homem sem alma. Mesmo a mais escapista das obras literárias continha pontos de vista morais e filosóficos. Nenhum de nós vive em um vácuo; nenhum de nós é intocado pelos eventos do mundo ao nosso redor – eventos que moldam nossas histórias como moldam nossas vidas. Só porque algo tem o objetivo de ser divertido não quer dizer que temos que desligar nossos cérebros ao consumi-lo”.
É difícil conciliar, em retrospecto, as expectativas que nutri em relação à carreira de M. Night Shyamalan e a realidade representada pelo que esta se tornou. Depois de assistir a O Sexto Sentido e a Corpo Fechado, havia a certeza de estar diante de um daqueles realizadores que chegam para deixar sua marca na Sétima Arte – e a empolgação da descoberta era, por si só, motivo para agradecer ao diretor, já que, como cinéfilos, estamos sempre à procura de algum criador que nos surpreenda e encante. Infelizmente, esta empolgação foi destruída com a mesma rapidez de seu surgimento, transformando Shyamalan em uma quase piada graças aos seus tiques estéticos, seu óbvio sentimento de autoimportância e sua obsessão com reviravoltas tardias que mais frustram do que instigam. Há, claro, muitos que se mantêm convencidos de seu talento – e, honestamente, fico feliz por estes -, mas não consigo enxergar muitas evidências que amparem esta fé.
São os detalhes que conferem vida às memórias. Quando penso em meu pai, que morreu quando eu tinha cinco anos de idade, tenho a tendência de vê-lo como uma figura unidimensional que pouco conheci – até que lembro de observá-lo jogando uma pastilha de Vitamina C efervescente num copo e me explicando o que provocava as bolhas. Então, consigo visualizar perfeitamente o tubo de plástico laranja e o sentimento de divertida fascinação que aquela pequena mágica me inspirava. De certa forma, meu pai é, para mim, uma construção a partir de detalhes como o cheiro do estofado do carro aqui, um olhar ali e o vento ao andar na garupa da bicicleta que ele pedalava acolá. São estes detalhes que o tornam real e trazem saudade de alguém que mal conheci.