Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
04/08/2006 | 08/03/2008 | 3 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
108 minuto(s) |
Dirigido por Sérgio Rezende. Com: Patrícia Pillar, Daniel de Oliveira, Othon Bastos, Alexandre Borges, Leandra Leal, Regiane Alves, Ivan Cândido, Ângela Leal, Luana Piovani, Antônio Pitanga, Caio Junqueira, Nelson Dantas, Paulo Betti, Flavio Bauraqui, Aramis Trindade, Fernanda de Freitas, Ângela Vieira, Elke Maravilha.
Zuzu Angel poderia ter sido um filme espetacular. Infelizmente, a preocupação do diretor e roteirista Sérgio Rezende em martelar na cabeça do espectador a importância da história que está contando é tamanha que, em vez de ressaltar a coragem de sua protagonista, ele acaba expondo a artificialidade de sua narrativa. Já no início, quando a personagem-título declara “Estou com medo de morrer”, a solenidade da afirmativa elimina a dramaticidade da situação – um erro que percorrerá toda a projeção.
Especialista em cinebiografias e filmes históricos (O Homem da Capa Preta, Lamarca, Guerra de Canudos, Mauá: O Imperador e o Rei), Rezende encontra, na trajetória da estilista Zuzu Angel, mais um episódio fascinante (e, sim, cinematográfico) de nosso passado – e é uma pena que o resultado seja apenas mediano. Co-escrito por Marcos Bernstein (O Outro Lado da Rua), o roteiro relembra a luta de Zuzu para levar a julgamento os responsáveis pela morte de seu filho, o jovem revolucionário Stuart Angel, preso pelos militares e assassinado nos porões da Ditadura ao se negar a revelar o paradeiro de Carlos Lamarca (Paulo Betti, reprisando brevemente seu papel naquela produção). Aos poucos, Zuzu vai se tornando um incômodo para os integrantes da Repressão e sua própria vida passa a ser ameaçada.
Um dos principais problemas do filme reside em sua estrutura equivocada, que atira flashbacks aparentemente ao acaso ao longo da história, quebrando o ritmo da narrativa e, em alguns casos, chegando a confundir o espectador (quando Zuzu diz “Sempre cuidei de minhas coisas sozinha”, Rezende corta para uma cena na qual vemos a estilista conversando com uma cliente e, por alguns instantes, parece estar enfocando outro momento do início da carreira da moça – quando, na realidade, ela está tentando estabelecer contato com um general). Assim, em vez de se encaixarem organicamente à trama, os flashbacks geralmente acabam soando intrusivos, o que é grave. Além disso, o roteiro inclui uma seqüência de sonho que destoa completamente do realismo do restante da obra, apesar de representar aquela que é a única interação realmente comovente entre Zuzu e o filho Stuart, já que inclui um belo diálogo sobre a natureza da m(p)aternidade e da memória.
Empregando uma trilha que muitas vezes surge exagerada, como se tentasse forçar o público a se emocionar, Zuzu Angel assume um conceito de dramaticidade exagerada, que chega ao novelesco na cena em que Stuart e sua esposa Sônia conversam em um quarto, às vésperas desta última fugir do país. Da mesma maneira, quando Zuzu lê uma notícia chocante em uma carta, o filme não se satisfaz com lágrimas, forçando Patrícia Pillar a se atirar contra a parede enquanto Rezende (e seu diretor de fotografia, o talentosíssimo Pedro Farkas) emprega um contra-zoom excessivo, desnecessário. Aliás, o esforço para provocar impacto fica claro na cena em que Zuzu procura o pai de Lamarca para falar sobre a morte do filho: o sujeito (vivido por Nelson Dantas, em seu último papel para o Cinema), que estava restaurando um sapato, segura um prego com a boca enquanto ouve o desabafo da mãe enlutada e, sem perceber, sua boca começa a sangrar – criando um efeito que seria interessante caso o cineasta não insistisse em mantê-lo durante tanto tempo, tornando o recurso ridículo depois de alguns longos segundos.
Outro equívoco da produção diz respeito ao seu elenco irregular: perfeito como o personagem-título de Cazuza, desta vez Daniel de Oliveira é boicotado pelo roteiro e se torna ineficaz ao fazer discursos artificiais que incluem até mesmo o velho jargão dos “porcos imperialistas!” (o mesmo problema, aliás, prejudica também Leandra Leal, que esteve ótima em A Ostra e o Vento e em O Homem que Copiava). Enquanto isso, Luana Piovani fracassa constrangedoramente como uma caricatura da já caricata Elke Maravilha e Aramis Trindade, tão divertido em O Auto da Compadecida, torna-se um estereótipo ineficaz como o tenente que decide denunciar seus comparsas. Em contrapartida, Patrícia Pillar faz um belíssimo trabalho como Zuzu, encarnando com intensidade a determinação de sua personagem – e se sua performance não provoca o impacto emocional esperado, isto se deve a tropeços do filme, que jamais consegue estabelecer uma ligação mais intensa entre a mulher e o filho Stuart, já que estes praticamente só dividem a cena para expor suas diferenças políticas (a exceção fica por conta da já citada seqüência de sonho). Além disso, o trabalho de envelhecimento e rejuvenescimento da atriz merece aplausos, já que, mesmo sutil, é suficiente para estabelecer a passagem do tempo.
No entanto, ainda que imperfeito, Zuzu Angel é um bom filme e um esforço nobre que contém vários bons momentos – entre eles, o protesto feito pela protagonista em um avião prestes a pousar no Rio de Janeiro e que expõe a contradição entre a beleza da cidade e o terror que ocorria nas sombras. Além disso, a seqüência que ilustra o que ocorreu com Stuart nos porões é eficaz em sua violência, empregando os cortes estratégicos na montagem de forma a potencializar o horror do que está sendo (ou não) mostrado. E se a cena que traz a Elke fictícia traduzindo as palavras da Elke real encanta por seu inteligente exercício de metalinguagem, os créditos iniciais do longa se revelam brilhantes ao trazer imagens de revolucionários que, como traços de um desenho, são apagados rapidamente – uma metáfora belíssima de todas as vidas destruídas naquele período.
Encerrando-se numa nota perfeita, Zuzu Angel traz, em seus créditos finais, a comovente canção “Angélica”, que o sempre magnífico Chico Buarque compôs em homenagem à estilista (o cantor, aliás, desempenhou papel importante na época ao divulgar uma carta escrita por Zuzu) – e talvez o momento mais emocionante da projeção seja ouvir a voz triste de Chico recitando: “Só queria embalar meu filho / Que mora na escuridão do mar. (...) Só queria agasalhar meu anjo / E deixar seu corpo descansar. (...) Queria cantar por meu menino / Que ele não pode mais cantar”.
Mas talvez seja injusto pedir que o filme reproduza a dor trágica dos versos de um de nossos maiores poetas. Seja como for, Zuzu Angel não embaraça e – mais do que isso - merece respeito por seus acertos.
04 de Agosto de 2006