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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
12/05/2004 31/05/2006 2 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
98 minuto(s)

O Outro Lado da Rua
O Outro Lado da Rua

Dirigido por Marcos Bernstein. Com: Fernanda Montenegro, Raul Cortez, Laura Cardoso, Luis Carlos Percy.

O Outro Lado da Rua poderia ser um belo filme sobre a solidão caso não cometesse o erro crucial de diluir o drama de seus personagens em uma trama policial óbvia e desinteressante. Toda vez que o envolvimento entre a melancólica Regina (Montenegro) e o infeliz Camargo (Cortez) começava a despertar minha simpatia, a ridícula discussão sobre o possível crime cometido pelo sujeito se encarregava de me afastar da história. Finalmente, em algum momento do segundo ato, fui obrigado a abandonar meus esforços e desistir do casal, já que o diretor estreante Marcos Bernstein parecia determinado a conferir importância a uma premissa que deveria ter funcionado como mera desculpa para que os protagonistas se encontrassem, e só.

Inspirando-se claramente em Janela Indiscreta, o roteiro escrito por Bernstein (co-autor de Central do Brasil) e Melanie Dimantas gira em torno de Regina, uma mulher já idosa que vive sozinha em Copacabana. Constantemente entediada, ele faz parte de um grupo de aposentados que se dedica a passar informações para a polícia sobre pequenos bandidos da redondeza, como cafetões e punguistas. Certa noite, observando através de binóculos os moradores do prédio situado em frente ao seu, ela testemunha algo estranho: um homem aplicando uma injeção em sua esposa, que morre em seguida. Certa de que presenciou um assassinato, ela notifica as autoridades, mas, no dia seguinte, é informada de que o suspeito, um ex-juiz de direito chamado Camargo (interpretado com charme e segurança por Cortez), foi inocentado depois que se constatou que a mulher tivera morte natural. Determinada a provar o engano cometido pelos policiais, Regina passa a seguir Camargo, e, para sua surpresa, acaba se envolvendo com o sujeito.

Vivendo a personagem com seu talento habitual, Fernanda Montenegro demonstra grande sensibilidade ao retratar Regina como uma mulher que se recusa a aceitar o próprio envelhecimento – e é com imensa frustração que ela observa membros de sua geração gastando seus dias em jogos de dominó e baralho nas praças e calçadões da cidade. Para Regina, aqueles não são seus iguais, mas indivíduos que já deveriam ter morrido ou que estão prestes a fazê-lo. Ainda assim, ela não pode evitar as limitações impostas pela idade – o que inclui uma verdadeira segregação social -, e, numa tentativa patética de trazer algum grau de emoção para sua vida, ela se dedica ao tal `serviço secreto não-remunerado`. Infelizmente, isso não é o bastante para preencher seu cotidiano, e é por esta razão que ela se torna obcecada por Camargo (mesmo que pareça não perceber sua real motivação). A partir daí, à medida em que os dois se tornam mais próximos, o roteiro mergulha a personagem em um dilema interessante: o que vale mais a pena, prender um assassino ou ter com quem conversar?

Infelizmente, em vez de perceber que aquele seria o momento ideal para abandonar a subtrama policial e se dedicar ao relacionamento dos protagonistas, o roteiro continua a investir no `suspense`, ignorando algo importante: é óbvio, para o espectador, o que realmente aconteceu no apartamento de Camargo – e Regina só não percebe isto por exigência da história, que quer mantê-la insegura (como se isto beneficiasse o filme). Para piorar, Bernstein entrega sua inexperiência como diretor ao falhar em conferir ritmo à narrativa, que se mostra arrastada e pouco envolvente (e os fracos diálogos, que nada revelam sobre os personagens ou a trama, comprometem ainda mais seus esforços). Para piorar, o filme exibe sinais de ter sido impiedosamente retalhado na sala de edição (talvez numa tentativa vã de torná-lo melhor), já que há `buracos` visíveis no desenvolvimento da história: em certo momento, por exemplo, Camargo aparece completamente bêbado sem maiores explicações, já que, na tomada anterior, dirigia seu carro sem maiores problemas. Da mesma forma, a personagem de Laura Cardoso (uma aposentada que atende pelo codinome `Patolina`) entra e sai da trama sem dizer a que veio, servindo apenas para aumentar o tempo de projeção.

E isto é lamentável, já que O Outro Lado da Rua poderia ter se tornado aquele raro exemplo de filme que retrata com sensibilidade o amor na terceira idade (eu disse `terceira idade`, não `meia-idade`). Não é à toa que, sempre que se volta para o romance de Regina e Camargo, o longa se torna melhor, como ao enfocar o embaraço da personagem de Montenegro ao perceber que teria que se despir na frente do namorado, já que tem vergonha do que o tempo fez com seu corpo – e é triste que o público pareça achar graça na situação (na sessão na qual eu me encontrava, boa parte dos espectadores começou a rir), ignorando o sofrimento da protagonista. Aliás, o mesmo ocorreu em outro momento comovente, quando Regina liga para si mesma a fim de contar uma assustadora experiência que acabou de viver, numa constatação trágica de sua solidão.

Retratando o bairro de Copacabana de forma melancólica e claustrofóbica (a roteirista Dimantas também colaborou no script do irregular Copacabana, de Carla Camuratti, que lidava com temas semelhantes), O Outro Lado da Rua acerta em sua ambientação e na caracterização da dupla principal. Pena que falhe em todo o resto.
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29 de Maio de 2004

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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