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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
07/12/2007 28/09/2007 4 / 5 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
119 minuto(s)

Conduta de Risco
Michael Clayton

Dirigido por Tony Gilroy. Com: George Clooney, Tom Wilkinson, Tilda Swinton, Sydney Pollack, Denis O’Hare, Austin Williams, Ken Howard, Merritt Wever, Robert Prescott, Michael O’Keefe, Sean Cullen, David Zayas, David Lansbury.

Conseqüência do cinema político que marcou a produção norte-americana na década de 70, o “filme de conspiração” se tornou um subgênero prolífico e investiu pesadamente num vilão sem consciência e impiedoso: as megacorporações – o que deu origem a obras memoráveis como A Conversação, Rede de Intrigas e Síndrome da China e mesmo a longas apenas razoáveis como A Trama e Coma. E como a Hollywood contemporânea vem apresentando paralelos com aquela dos anos 70 em função das similaridades do contexto político que cerca a guerra no Iraque (e seus reflexos do fracasso no Vietnã), não é surpresa que as corporações (ou o “espírito de corporação”, impessoal e visando apenas o lucro) tenham voltado a assumir o posto de vilãs, como comprovam filmes como O Jardineiro Fiel, Ratatouille, Mandando Bala, a série Resident Evil e, é claro, este Conduta de Risco.


Escrito por Tony Gilroy (da trilogia Bourne e de O Advogado do Diabo), este longa gira em torno de Michael Clayton (Clooney), funcionário de um poderoso escritório de advocacia que é constantemente consultado pelos colegas sobre formas “alternativas” de resolver os problemas nos quais seus clientes se meteram – e, apesar de estar farto deste tipo de trabalho, o protagonista não vê outra alternativa a não ser realizá-lo, já que se encontra terrivelmente endividado em função de um investimento impensado no restaurante comandado pelo irmão alcoólatra. Sua consciência passa a enfrentar um complicado teste, porém, quando ele é enviado para resolver o impasse provocado por um colega que cuida de um caso bilionário envolvendo uma grande corporação: maníaco-depressivo e sentindo-se culpado por defender uma empresa que destruiu a vida de centenas de pessoas, o advogado Arthur Edens (Wilkinson) entra em colapso durante uma audiência e tira a roupa diante de todos, sendo preso e despertando a inquietação de seus poderosos clientes. Pressionado por seus chefes para manter Arthur (que é seu amigo) sob controle, Clayton passa a se questionar sobre o valor de suas ações.

Não é a primeira nem a segunda vez que George Clooney interpreta um personagem levado pela consciência a agir contra os próprios interesses: em Boa Noite e Boa Sorte (que ele também roteirizou e dirigiu), o produtor Fred Friendly arriscava o emprego em prol de seu senso moral e, em Syriana, o agente Bob Barnes põe a vida em risco para tentar evitar um assassinato promovido pela CIA (e os princípios morais do ator se manifestam também em sua vida pessoal, marcada por um constante ativismo político). Assim, enxergá-lo como o dividido Michael Clayton não exige grande esforço de imaginação – especialmente em função de sua belíssima atuação, já que Clooney ilustra com talento o principal paradoxo envolvendo seu personagem: sua capacidade infinita de solucionar os problemas alheios e sua aparente impotência para resolver os próprios. Tentando livrar-se do vício pelo jogo, Clayton enfrenta uma forte crise familiar, já que o irmão procura evitá-lo e seu filho pequeno sofre em função de sua falta de tempo (e o medo de ver o garoto “herdar” sua vida medíocre fica patente em uma conversa que os dois mantêm em um carro).

Mas o mais fascinante com relação ao protagonista é perceber como este não tem qualquer ilusão sobre a própria natureza: ao conversar com a personagem de Tilda Swinton no terceiro ato da projeção, por exemplo, ele manifesta com clareza a opinião negativa que tem de si mesmo – e é por isto que soa tão convincente; ele pode agir de forma nobre, mas sabe que, no fundo, é um indivíduo egoísta que valoriza excessivamente o dinheiro. Esta ambigüidade do personagem e seus esforços para lutar contra a própria natureza, aliás, se manifestam de forma brilhante na fotografia concebida por Robert Elswit (parceiro habitual de Paul Thomas Anderson), que mantém o rosto de Clooney parcialmente mergulhado em sombras durante a maior parte do tempo, iluminando-o com maior suavidade apenas nas cenas em que ele se encontra com a família e no momento em que ele contempla, emocionado, três cavalos em uma colina durante o amanhecer (uma imagem que, refletindo outra vista em um livro indicado por seu filho e copiada por Arthur, parece alertá-lo sobre tudo aquilo que está sacrificando com seu individualismo).

Enquanto isso, Tom Wilkinson retrata com sensibilidade o instável Arthur, conseguindo demonstrar a inteligência aguda do advogado mesmo em meio à sua clara perturbação psíquica, ao passo que Sydney Pollack compõe o poderoso Marty Bach como um homem ambicioso que, apesar de saber ser impiedoso quando julga necessário, demonstra ter um lado mais humano ao manifestar sua culpa por sentir alívio com relação ao destino de determinado personagem. Porém, o destaque no elenco secundário fica mesmo por conta de Tilda Swinton, cuja personagem é o retrato perfeito de alguém que, movido por um sentimento desmedido de fidelidade à corporação que administra, perde gradualmente a noção exata das conseqüências de suas atitudes. Buscando sempre se mostrar preparada diante dos outros (algo ilustrado por seu hábito de ensaiar o que dirá em público), Karen não é uma criatura particularmente fria – como podemos ver pelo suor abundante em um momento de nervosismo claro -, mas age como se fosse: e a conversa cifrada que tem com um “capanga” (na falta de termo melhor), em determinado instante, assusta por sua tentativa de levar o sujeito a sugerir uma medida drástica sem que ela tenha que dizer as palavras em voz alta.

Atriz incrivelmente talentosa, Swinton brilha especialmente ao retratar os poucos instantes em que sua personagem é surpreendida pelos acontecimentos: a leve contração de sua sobrancelha direita ao conversar com Clayton no terceiro ato, por exemplo, revela seu esforço para pensar sob pressão enquanto constata a seriedade do que está sendo dito – e é justamente a verossimilhança que confere a Karen que torna as ações da executiva tão chocantes: afinal, o que ela está defendendo? Apenas o próprio emprego ou a “família” representada por sua empresa? Vale dizer que esta é uma pergunta que parece ser tão importante para o roteiro de Tony Gilroy quanto a trama em si, já que, de certo modo, Conduta de Risco não deixa de ser um ótimo estudo de personagens.

Estreando na direção, aliás, Gilroy demonstra segurança invejável na condução da narrativa e na concepção estética do filme, que investe numa fotografia freqüentemente escura – um tom refletido também na trilha econômica composta por James Newton Howard. Igualmente admirável, também, é a decisão de Gilroy em encenar um assassinato em um plano-seqüência de mais de dois minutos de duração, o que serve para salientar a frieza e a segurança dos criminosos, além, é claro, da fragilidade da vida humana, que pode ser encerrada de um momento para outro. Finalmente, o simbolismo contido no plano em que Clayton é visto segurando dois envelopes (um branco e outro vermelho) é memorável por sua sutileza – algo pouco comum em filmes do gênero.

Dito isso, confesso que fiquei decepcionado com o desfecho da trama, já que o impacto provocado pelo discurso repleto de cinismo de Clayton é diminuído em função da revelação que o segue – e eu teria saído do cinema infinitamente mais satisfeito caso o filme se revelasse tão pessimista quanto seu amargurado protagonista.

05 de Dezembro de 2007

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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