Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
10/12/2004 | 05/11/2004 | 5 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
115 minuto(s) |
Dirigido por Brad Bird. Com as vozes de Craig T. Nelson, Holly Hunter, Samuel L. Jackson, Jason Lee, Spencer Fox, Sarah Vowell, Elizabeth Peña, Brad Bird, John Ratzenberger.
Ao longo de 2004, fomos bombardeados por uma série de filmes cujos atores viviam personagens absolutamente caricaturais. Assim, não deixa de ser irônico que alguns dos seres humanos mais interessantes e emocionalmente complexos tenham surgido não em uma produção estrelada por intérpretes de carne-e-osso, mas sim por figuras criadas em computador. Estou falando, é claro, de Os Incríveis – o melhor longa-metragem da Pixar, cuja breve história inclui obras inesquecíveis como Toy Story, Toy Story 2, Monstros S.A. e Procurando Nemo (confesso que não sou fã de Vida de Inseto).
Primeiro projeto do estúdio de animação a ser protagonizado exclusivamente por personagens humanos, Os Incríveis é situado em um mundo no qual a presença de super-heróis é algo comum. Porém, depois que uma onda de processos contra os heróis tem início (numa divertida crítica à `cultura dos tribunais` que domina os Estados Unidos), o governo é obrigado a criar uma espécie de programa de proteção através do qual os poderosos seres ganham novas identidades e passam a levar vidas comuns. Infelizmente, depois de quinze anos no anonimato, Bob Parr (voz de Craig T. Nelson), antigamente conhecido como Sr. Incrível, encontra-se entediado com sua existência monótona, ao contrário de sua esposa Helen (Holly Hunter), que não sente a menor falta dos tempos em que combatia o crime sob a identidade de Elastigirl. Para complicar ainda mais a situação da família Parr, os dois filhos mais velhos do casal também são obrigados a ocultar seus superpoderes de todos, o que gera situações tensas em casa e na escola. Finalmente, o Sr. Incrível vê uma chance de retomar suas heróicas atividades depois que o vilão Síndrome (um baixinho cabeçudo que poderia ser um primo distante do Lorde Farquaad, de Shrek) passa a ameaçar o mundo.
O primeiro elemento que chama a atenção em Os Incríveis é o visual estilizado dos humanos vistos no filme: sem querer criar uma aparência `real` para os personagens (uma atitude bastante inteligente, diga-se de passagem), o diretor Brad Bird aposta em figuras que remetem à animação tradicional, brincando com diversos formatos de cabeça, nariz, orelha, e assim por diante. Por outro lado, o extremo cuidado com a animação encontra reflexo não apenas nas impressionantes expressões faciais dos personagens, mas também em seus movimentos, que oscilam entre o óbvio (suspiros, braços cruzados e gestos grandiosos) e o sutil (uma batucada no volante do carro, um leve aceno de cabeça, uma mecha de cabelo que é empurrada para trás da orelha, e assim por diante). Desta forma, o elenco virtual de Os Incríveis ganha vida de forma inquestionável, mesmo que sejam caricatos em seu exterior.
Responsável pelo emocionante O Gigante de Ferro (que fracassou injustamente nas bilheterias), Bird comprova seu talento ao conduzir a narrativa de forma impecável, alternando momentos de introspecção dos personagens com outros nos quais a ação toma conta da tela. E que ação! Embaladas pela ótima trilha sonora de Michael Giacchino (repleta de referências claras à série James Bond), estas seqüências são de tirar o fôlego, tornando-se ainda mais eficazes graças à direção de Bird, que demonstra um preciosismo elogiável na composição de planos (com enquadramentos e movimentos de câmera geniais) e nos cortes precisos.
Evitando o tom episódico que comprometeu um pouco o impacto de Procurando Nemo, o cineasta jamais permite que sua história perca a fluidez – e seu encantamento com o potencial da animação computadorizada fica óbvio quando observamos a magnitude dos cenários apresentados ao longo da trama (a corrida de Dash por uma floresta é impressionante) e a elegância na utilização de luzes, cores e sombras. Além disso, Bird faz uma bela homenagem ao próprio gênero ao incluir as caricaturas de dois animadores que fizeram parte da equipe original de Walt Disney: Ollie Johnston e Frank Thomas, que aparecem na conclusão do filme e que emprestaram as vozes às suas versões digitais.
No entanto, assim como acontecia no recente O Expresso Polar, a qualidade técnica de Os Incríveis nada significaria caso não nos importássemos com seus personagens. Felizmente, o roteiro (escrito pelo próprio Bird) é hábil ao fazer com que a família Parr se torne importante para o espectador, que se identifica com o drama vivido por seus integrantes – afinal, quem nunca desejou uma existência um pouco mais `formidável` do que o normal? E mais: como deixar de se comover com os esforços de Helen para defender seus filhos, que se encontram compreensivelmente assustados em função das circunstâncias ameaçadoras que estão enfrentando? Não é à toa que um dos grandes prazeres em assistir a Os Incríveis reside na oportunidade de testemunhar o trabalho em equipe da família Incrível, que sempre combina seus poderes de maneira inventiva... e divertida.
Infinitamente mais adulto do que os demais filmes da Pixar, Os Incríveis não apenas dá origem a discussões importantes sobre a sociedade em que vivemos (`Por que eles sempre encontram novos meios de celebrar a mediocridade?`, questiona Bob Parr), como também não se intimida ao criar vilões realmente perigosos (em certo momento, Helen faz o seguinte alerta para os filhos: `Eles não vão maneirar apenas porque vocês são crianças. Se tiverem a oportunidade, eles matarão vocês. Não dêem a eles esta oportunidade.`). Isto não quer dizer, é claro, que o longa não seja engraçado o bastante para divertir os pequenos, que provavelmente irão se encantar com o bebê Jack-Jack e rir da excêntrica Edna Mode, que é dublada pelo próprio Bird e é uma caricatura evidente da lendária figurinista Edith Head.
Que Os Incríveis já é o mais forte candidato ao Oscar 2005 de Animação não há dúvidas. Mas a Pixar não deveria se contentar apenas com esta categoria; afinal, independentemente de seu gênero, este filme é, ao lado de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, um dos melhores do ano. E ponto final.
Observação (em 06/12/04): Assisti ao filme mais uma vez, desta vez em versão dublada. O sujeito responsável pela adaptação/tradução deveria ser sumariamente demitido. Além da versão ridícula dos nomes dos personagens (Beto Pêra?! Francamente!), o sotaque `surfista` dos Incríveis é lamentável, tornando-se ainda pior graças aos modismos dispensáveis, como `Comédia!` e `Ninguém merece!`. Ver, também, Shrek 2.
Observação 2 (em 27/05/05): Como pai de um menino de 2 anos de idade, devo ter assistido ao DVD de Os Incríveis umas 200 mil vezes. E devo admitir que passei a admirar a dublagem do filme. Os nomes ainda soam ridículos, mas as caracterizações (especialmente de Síndrome e do Sr. Incrível) me conquistaram. Por outro lado, mantenho minha revolta pela dublagem de Shrek 2 (que também já vi umas 232.204 vezes) - quase tão ruim quanto a de O Espanta Tubarões, que é destruída pelo péssimo trabalho de Paulo Vilhena.
03 de Dezembro de 2004