Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
23/07/2004 | 19/03/2004 | 5 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
108 minuto(s) |
Dirigido por Michel Gondry. Com: Jim Carrey, Kate Winslet, Tom Wilkinson, Kirsten Dunst, Elijah Wood, Mark Ruffalo, David Cross, Jane Adams, Ellen Pompeo.
`É assim que uma pessoa apaixonada fica.` (personagem comentando sobre a própria aparência de sofrimento)
`O amor nada mais é do que um agrupamento bagunçado de carência, desespero, medo da morte, insegurança sobre o tamanho do pênis e a necessidade egoísta de colecionar o coração de outras pessoas.`
`Eu faria qualquer coisa por uma mulher que visse andando na rua. Eu nem preciso conhecê-la. Ninguém jamais me amará desta maneira.`
`O amor romântico é apenas uma ilusão.`
Todas as citações acima têm algo em comum: foram retiradas de roteiros escritos por Charlie Kaufman (respectivamente: Quero Ser John Malkovich, Natureza Quase Humana, Adaptação e Confissões de uma Mente Perigosa). Assim, não é de se espantar que seu mais novo trabalho, Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, seja protagonizado por personagens que estão constantemente sofrendo por amor. Espantosa, sim, é a maneira brilhante com que o roteirista conta uma história que não apenas ilustra com perfeição a dor de um relacionamento fracassado como também reconhece que, no fundo, todo ser humano está mais do que disposto a submeter-se a este sofrimento desde que haja uma chance de, no processo, encontrar alguém que o ame (mesmo que temporariamente).
Inseguro e carente, Joel Barish (Carrey) é o típico herói kaufmaniano: ao estabelecer contato visual com a bela Clementine Kruczynski (Winslet) em uma praia, ele pensa: `Por que me apaixono por toda mulher que me dá qualquer tipo de atenção?`. Porém, logo depois de testemunharmos o simpático encontro dos dois personagens, a narrativa salta no tempo para nos mostrar que as diferenças gritantes entre as personalidade de Joel e Clementine condenaram o relacionamento – e, para se livrar das memórias dolorosas, a garota se submete a uma `cirurgia`, recém-desenvolvida por um certo dr. Howard Mierzwiak (Wilkinson), capaz de apagar seletivamente as lembranças de seu malfadado casamento com Joel. Ao descobrir o que a ex-esposa fez, o sujeito decide seguir o mesmo procedimento, mas, durante a cirurgia, percebe que quer manter as memórias e faz de tudo para evitar que estas sejam removidas de seu cérebro.
Superando, em inventividade e inteligência, a seqüência de Quero Ser John Malkovich em que uma perseguição acontecia no subconsciente do personagem-título, os esforços de Joel para manter viva a lembrança de Clementine são o grande atrativo de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças: em primeiro lugar, as tais memórias são `apagadas` em ordem cronológica inversa, e, assim, vemos os últimos momentos do relacionamento do casal em primeiro lugar – e, à medida em que o filme avança, retrocedemos no tempo e descobrimos o encanto que inicialmente existia naquele casamento. Além disso, ao reviver os momentos mais marcantes de sua vida com Clementine, Joel conclui o óbvio: só conseguimos evoluir graças às nossas experiências (boas ou ruins), e perder este referencial é um preço alto demais a se pagar pelo conforto de evitar sofrer por algum tempo. A partir daí, Kaufman prova mais uma vez seu talento ao mostrar que não se limita apenas a criar conceitos interessantes, sendo também um mestre em explorá-los ao máximo, e transforma nosso `passeio` pela mente de Joel em uma jornada que beira o surreal: às memórias do rapaz juntam-se sua imaginação, suas reflexões sobre os acontecimentos do passado e até mesmo os conhecimentos adquiridos durante a cirurgia, já que ele ainda é capaz de ouvir (mesmo inconsciente) o que os assistentes do dr. Howard estão falando.
Demonstrando ter evoluído como diretor de longas-metragens desde sua estréia na função (justamente em Natureza Quase Humana), Michel Gondry conduz o filme com segurança, jamais permitindo que o espectador se sinta perdido – o que é admirável, já que, além das seqüências que se passam na mente de Joel, somos apresentados ainda a duas outras tramas: uma envolvendo Patrick (Wood) e Clementine; e outra abordando o interesse de Mary (Dunst) pelo dr. Howard. E o que é melhor: ao contrário de bobagens como Van Helsing e Mansão Mal-Assombrada, que giram em torno dos efeitos visuais e ignoram a história, Brilho Eterno usa os efeitos em função das necessidades do roteiro, o que é admirável.
Enriquecendo ainda mais a obra de Kaufman, Kate Winslet e Jim Carrey conferem verdade ao relacionamento entre Joel e Clementine, exibindo uma ótima química. Ao mesmo tempo em que encarna com perfeição o temperamento amalucado e espontâneo de sua personagem, Winslet retrata as ambigüidades da moça, que, apesar de se mostrar direta e nada `poética` ao abordar o namorado pela primeira vez, lamenta a falta de romantismo com que este parece tratá-la. Por sua vez, Carrey oferece aquela que é, sem dúvida, a melhor performance de sua carreira até o momento (ultrapassando até mesmo o fenomenal desempenho em O Mundo de Andy): mantendo a voz em tons sempre baixos, o ator mostra-se contido e jamais exibe qualquer traço de seu histrionismo habitual, transformando Joel em uma figura melancólica e real. Enquanto isso, Wilkinson, Dunst, Wood e Ruffalo exploram ao máximo seus personagens, que, mesmo recebendo um destaque menor, se revelam multidimensionais e interessantes.
Combinando drama e romance (com toques precisos do humor particular de Charlie Kaufman aqui e ali), Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças é, desde já, um dos melhores lançamentos de 2004 – e, ao contrário da técnica que apresenta em sua trama, certamente será lembrado por muito tempo.
11 de Maio de 2004